Lula e a sentença imperativa categórica de Moro à la Constant


A lei é para todos, diz Moro de modo imperativo e categórico seguido em coro por muitos outros na justificativa de sua sentença de condenação de Lula para além de toda e qualquer prova, o que nos faz lembrar Kant em sua peleja com Benjamin Constant em defesa da lei e do direito para além de qualquer justificativa de interpretar suas palavras de modo diferente, aplicando-a ao pé da letra para o bem da humanidade e não para privilegiar algumas pessoas.

Moro e Kant talvez se dessem bem por serem ambos defensores da lei e do direito de modo imperativo categórico neste sentido, e ao concordarem que ninguém pode mentir perante a lei, pois a lei é um mandamento sagrado da razão, diz Kant, e não se pode tolerar qualquer mentira contra ela. Mas também, e neste ponto talvez eles se desentendam, não se pode tolerar qualquer mentira para defender a lei de qualquer modo diria Kant a ele como disse de modo também imperativo e categórico a Benjamin Constant quando este acrescentou que, mesmo que não se possa mentir perante a lei, deve-se dizer a verdade somente para aqueles que não a merecem e, para fazer justiça ou salvar alguém que queremos, podemos mentir. Neste caso, Moro estaria com certeza do lado de Constant e sua tentativa de aplicar a lei de algum modo no que diz respeito ao direito e seus princípios.

A peleja de Kant e Constant no que diz respeito à mentira no século XVIII servem muito bem, neste sentido, como pano de fundo para a sentença imperativa e categórica, pero no mucho, do juiz Sérgio Moro condenando o ex-presidente Lula no caso da compra de um apartamento para ele em troca de favores políticos, o que acarretou-lhe a acusação de corrupção. Uma acusação meio absurda de corrupção para um ex-presidente que no alto de seu cargo poderia ter muito mais do que isso, como muitos outros políticos brasileiros têm hoje com malas de dinheiro endereçadas a si e guardadas em bunkers pelo país ou aeroportos em seu nome. Mas tal acusação serviu senão para fazer de Moro um "grande" juiz perante o público destilador de ódio em suas tripas embebedando-se dele em coro de "bom companheiro" nos bares visto como "herói nacional" e "super-homem" por ter prendido o Lex Luthor da política, este que, assim como Lula, é barbudo e gordo, petista, da esquerda e comunista com certeza. (Lembremos separados, petista, da esquerda e comunista, pois nem sempre isso é uma redundância na classe trabalhadora.)

É bem conhecida dos amantes do direito a peleja de Kant e Constant em relação à mentira no século XVIII, mas lembremo-la um pouco. Kant, certa vez, ele lembra, mas não muito bem, diz que uma pessoa que abrigasse outra em sua casa não poderia mentir para um assassino lhe batesse à porta em busca de matá-la, pois, de modo imperativo e categórico, segundo a lei como um mandamento sagrado da razão pura, não se deve mentir em nenhuma circunstância, nem mesmo nesta, pois, contraposto a isto, mas não simetricamente pois é um princípio superior, devemos sempre dizer a verdade. A lei é universal segundo Kant no dizer filosófico, o que no senso comum de Moro, e de seus seguidores, isto quer dizer que a lei é para todos ("para todos" assim separado e não junto, como o da loteria, se bem que...) e como consequência disso ninguém estaria acima da lei, nem quem quer salvar um assassino nem o presidente de um país, mas também, lembremos, nem traficante com drogas em helicóptero, nem mulher de bandido confesso que gastou dinheiro público, nem político com malas de dinheiro endereçadas a si, nem político que tem aeroporto comprado com dinheiro público e usa irmã como laranja pra esconder dinheiro público. A lei é para todos, lembremos Moro, ela está acima de todos como ordem a ser defendida, pela força, lembram os militares ao dizerem estamos aqui para defender a ordem, como bradaram antes do julgamento de Lula recentemente e como quando impuseram a ditadura no Brasil há algum tempo atrás, lembramos bem, mas não necessariamente para defender a ordem da lei, mas a ordem deles como um mandamento da razão pura. O que, pensando nisto, talvez os militares também se dessem muito bem com Kant neste aspecto de modo imperativo categórico se eles o lessem, claro, pois sabemos que filósofos não são bem quistos por eles, ainda bem, neste caso.

É neste ponto de não se poder mentir em qualquer circunstância, de dever sempre dizer a verdade que Benjamin Constant entra na peleja para discordar de Kant e salvar Moro e seus seguidores (Ufa!!!) de uma grande enrascada, a de terem realmente de aplicar a lei para todos na prática e não apenas teoricamente só para Lula de fato. Isto porque, segundo Constant, tal princípio fundamental do direito segundo Kant se não pode ser contradito por ser uma verdade, tão pouco é aplicável de verdade no direito em sociedade quando se quer de fato, e não de direito, fazer justiça, pois a justiça em si não é aplicável de modo algum. Neste caso, é preciso fazer uma adendo à lei, mesmo que a fira um pouco para que ela possa ser aplicável na realidade de fato, pois, segundo Constant, se são necessários os princípios teóricos e filosóficos fundamentais na realidade, neste caso, em relação ao direito, também são necessários princípios intermediários entre aqueles e a realidade, caso contrário aqueles princípios fundamentais não são aplicáveis. Assim, diria Constant como um bom político brasileiro na constituição da lei, devemos sempre dizer a verdade, mas somente aqueles que merecem a verdade. Nas palavras de Constant, para que fique claro e distinto e não obscuro e confuso como a lei que ele defende: "Dizer a verdade só é, portanto, um dever em relação àqueles que têm direito à verdade. Ora, nenhum homem tem direito à verdade que prejudica a outrem." (CONSTANT, 2002, p. 68)

Para Constant, assim como para Moro quiçá, para salvarmos alguém de um assassinato, ou da prisão por ser um político dono de aeroporto ou presidente figurativo de algum país das maravilhas, podemos declaradamente mentir, mas não para salvar um ex-presidente para quem foi comprado um duplex em troca de favores políticos, afinal se trata, neste caso, de um duplex e não de um aeroporto, e de um presidente e não de um ex-presidente, pois existe uma diferença, muito clara e distinta em relação aos fatos diriam os seguidores de Moro e ele, quiçá. A habilidade de Constant em burlar o princípio fundamental da lei segundo Kant, neste caso, é invejável para muitos políticos brasileiros que adoram fazer da lei para todos a lei para si mesmos quando lhes convém e até para ministros da justiça como Rosa Weber quando dizem que a lei de prisão em segunda instância é inconstitucional, o que quer dizer, contra a Constituição que define a lei para todos, mas, no caso de Lula, pode-se esquecer esta verdade de lei para todos e mentir declaradamente votando em favor da lei da prisão em segunda instância e negar o habeas corpus de Lula em relação a ela. Moral da história: no Brasil do Salve Geral de bandidos por ministros da justiça, Lula é a exceção que faz valer a regra, diria Constant, Moro, Rosa Weber, e tantos outros que defendem a lei para todos, mas nem todos, pois há quem não mereça a verdade da lei e se deve mentir para ele e condená-lo em vez de salvá-lo para fazer justiça e não a justiça, de modo que fique demonstrado para todos que nenhum ex-presidente que seja petista e de esquerda está acima da lei, lembram os defensores da moral e bons costumes da lei brasileiros aos quais Kant vociferaria como a Constant em sua época:
Se tu impediste assim de agir, por uma mentira, alguém que estava prestes a cometer um assassinato, tu és então responsável, de um ponto de vista jurídico, por todas as conseqüências que daí poderiam ter surgido. Mas se te aténs estritamente à verdade, a justiça pública nada te pode fazer, quaisquer que sejam as conseqüências imprevistas. (KANT, 2005, p. 3)  
Não se deve mentir, devemos dizer a verdade, temos a responsabilidade como filósofos e como defensores da lei e do direito de dizer a verdade, sob qualquer circunstância que quisermos fazer valer justiça, se quisermos ser justos, lembra Kant ao revolucionário Constant e a todos os legalistas, mesmo que isto leve à morte e à prisão, pois tais princípios não ser negados com uma mentira para salvar quem quer que seja, já que disso depende a nossa humanidade, bem como a nossa liberdade em relação a qualquer justiça pública, que não é o caso, com certeza, de Moro em sua sentença de condenação de Lula, contra o qual a justiça pública impera em peso categoricamente. Mas talvez ele, os desembargadores, ministros e todos aqueles que não querem aprender filosofia, tenham faltado ou cochilado nesta aula de filosofia do direito fundamental que não permite que em sã consciência salvemos e punamos quem queremos com base em nossos princípios partidários como se tem sido feito no Brasil. Pois se a lei é para todos e pode ser aplicada para todos como diz Kant é justamente por acreditarmos que ninguém pode mentir perante ela, do contrário, toda a humanidade e sociabilidade está perdida e é por isto que há um princípio máximo que justifica o direito democrático da lei para todos os brasileiros e não apenas para Lula, que diz que uma pessoa é inocente até que se prove o contrário e ninguém pode ser condenado e culpado sem ser julgado, como é o caso de Lula, e de muitos outros bem ou mal mesmo que se acredite que cometeu um crime.

Diferente do que pensa Constant, Moro, os ministros e muitos de seus seguidores destiladores de ódio, a filosofia, as teorias e as leis do direito não se tornam vãs se não forem aplicadas à prática, devendo-se forçosamente dar um jeitinho para aplicá-las de algum modo na prática para algumas pessoas ignorantes acreditarem nela em vez não verem nela sentido algum. É justamente o contrário disso, lembraria Kant em relação às leis que somente são aplicáveis porque na teoria tem algum fundamento, do contrário, ninguém acredita nelas como é o caso do Brasil hoje em relação à sentença de Moro condenando Lula. E o pior que pode acontecer num país democrático de direito é que não se acredite na lei, no direito e, mais ainda, na justiça deles, que se perceba declaradamente na boca de ministros que ela não é para todos, apenas para o caso de Lula e, claro, todos aqueles que forem petistas, de esquerda e, quiçá, comunistas que não merecem a verdade da lei, apenas uma mentirosa aplicação dela. O que, neste caso, se mentira tem perna curta, como diz o ditado, porém, ela corre ligeira e isto convém àqueles que estão acima da lei que o sempre apressado Moro e seus seguidores em condenar Lula sabem muito bem, mas aplicam em relação a esta mentirosa condenação o axioma da ética aplicada de uma consciência ingênua em relação à violência que a mentira desta condenação de Lula engendra. Assim, dizem seu axioma: “‘Sei [que é mentira], mas não quero saber o que sei, e por isso não sei’. Sei, mas recuso-me a assumir inteiramente as consequências desse saber, pelo que posso continuar a agir como se não soubesse.” (ŽIŽEK, 2007, p. 46)

Esta consciência ingênua tão bem definida por Žižek que é a de muitos brasileiros hoje faz quem não a tem, por um lado, ter a maior vergonha de ser brasileiro, mas, por outro, não de ser um brasileiro defensor da liberdade de Lula a partir de uma consciência crítica da realidade da corrupção da sociedade e da democracia em que vivemos e não da corrupção de simplesmente alguns que queremos mal de modo ressentido e vingativo. Vergonha de perceber que a lei no Brasil é paratodos, uma grande loteria na qual, neste caso, só os grandes investidores políticos e financeiros humanitários ganham o direito de serem salvos, não um trabalhador ou os trabalhadores, pois não são dignos de entrarem na casa dos cidadãos de bem do Brasil hoje em dia. Pois se existe um "direito humano" que salva bandido no Brasil de hoje como acreditam muitos de consciência ingênua, não é o direito humano defendido por muitos, mas o "direito humano" defendido por cidadãos de bem que veem nas leis do direito a mesma lei da sua casa na qual eles que mandam e impõem a ordem que lhes convêm como um bom militar. Contudo, o Brasil não é a Casa Grande dos políticos, empresários, militares cidadãos de bem, é também a senzala dos que sofrem com todo o "bem" dos cidadãos em suas casas, e para defender a senzala das injustiças da Casa Grande é que foram criadas as leis que garantem a todos o direito de liberdade independe de onde morem e que se defende que a sentença imperativa e categórica de Kant empunhada em fala por Moro e seus seguidores seja aplicada a todos, do contrário não passam de grandes mentirosos, como bem já sabemos, e, neste ponto, como Kant, somos intolerantes, pois não toleramos as injustiças da Casa Grande já que a verdade está acima da lei e do direito de Moro e de qualquer um que more nela.

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