A democracia e o poder dos ignorantes
A democracia enquanto regime polÃtico sempre foi um problema para os filósofos. A clara defesa de Platão de que o rei em sua época fosse um filósofo demonstra isto, bem como os questionamentos levantados na modernidade por Benjamin Constant, Kant e outros. De um modo geral, o problema da democracia para os filósofos é o poder que ela dá ao povo enquanto "ignorante", algo que se pode perceber atualmente nas recentes demonstrações "democráticas" do "povo brasileiro" nas ruas, nas redes sociais e no Congresso brasileiro.
Se perguntarmos a qualquer pessoa o que é a democracia é muito provável que ela diga que é o "governo do povo", remetendo-se ao significado da palavra "democracia", em que "demos" quer dizer "povo" e "cracia" quer dizer "governo". Contudo, se continuarmos a questioná-la à maneira de Sócrates nos diálogos de Platão, não é difÃcil perceber que ela chegaria a um limite em suas respostas, que seria o da sua "ignorância". No caso "ignorância" definida aqui não simplesmente como uma "ausência de saber", já que não existe ninguém que não saiba nada, mas como um limite em relação ao saber sobre algo, quando já não se consegue ir além de uma "mera opinião", "dóxa", isto é, de um conhecimento que não dá condições de responder sobre algo em um determinado momento quando lhe é perguntado. Enfim, quando não se consegue pensar, saber ou conhecer algo e nem mesmo se quer pensar, conhecer ou saber sobre algo, o que em geral é acompanhado de "raiva" como os gregos em relação à s perguntas de Sócrates, logo deixando-o de lado, uma raiva que se tornou em ódio ao ponto dele ser julgado por aqueles que se sentiam ofendidos com suas perguntas e ter sido condenado à morte por causa disto, num julgamento segundo as Leis democráticas de Atenas considerado então justo.
Ao nos remetermos à democracia é impossÃvel não nos lembrarmos dos gregos, não simplesmente por a palavra democracia derivar deles, mas porque eles definiram as bases do que podemos ainda hoje falar de democracia, que vai muito além do mero conhecimento de que é o governo do povo, seja de modo universal, seja de modo particular. Bem como a partir deles, e principalmente, de Sócrates, é também possÃvel ver o quão problemática é a democracia na medida em que a pensamos do ponto de vista de uma justiça, como no caso de Sócrates, quando o poder é colocado nas mãos de ignorantes que, a partir deste poder, adquirem o direito de julgar, condenar e mesmo matar aqueles que questionam o "saber" deles. Isto é, de fazerem justiça ao seu modo, independente de qualquer discussão, ou mesmo recusando a esta, tendo em vista que, a partir dos diálogos de Sócrates com o "povo" ou mesmo seus "representantes", no caso, polÃticos, artÃfices e poetas (estes considerados pedagogos à época), podemos dizer que ignorante não é simplesmente aquele que não tem algum conhecimento, mas aquele que recusa o conhecimento. Mais ainda, ignorante é aquele que, ao recusar o conhecimento, tenta fazer valer o que o seu pouco conhecimento ou o que diz conhecer por meio da força, da coação, de subterfúgios da lei, enfim, da violência contra os outros.
Ao entendermos a definição de ignorante como a pessoa que tem pouco conhecimento e que se recusa a ter mais conhecimento, mas que tenta fazer valer o seu pouco conhecimento por meio da violência no discurso e nas ações, pode-se entender bem porque a democracia se torna um problema para os filósofos quando ela dá poder aos ignorantes. A justa morte de Sócrates segundo as Leis democráticas de Atenas demonstram isto, bem como a crÃtica que ele fazia dos sofistas, e que Platão retoma de modo particular em sua defesa do rei como filósofo. Mas também a vida democrática dos gregos demonstra este problema quando os gregos estabelecem o discurso ou logos como parâmetro de seu regime democrático ao definir o cidadão não apenas como aquele que tem as qualidades de ter nascido na cidade, ser homem, ser maior de idade, mas, também aquele que discursa, isto é, aquele que tem o poder de falar em público, ainda que ele não queira utilizar este poder ou não saiba utilizá-lo, isto é, seja ignorante do ponto de vista do discurso, do falar em público.
De um modo, portanto, universal, podemos dizer desde então a partir dos gregos que a democracia é o regime em que todos os cidadãos têm direito a falar em público sobre os problemas referentes à sociedade e, não por menos, a democracia é vista como um regime ideal de governo por conta deste direito à fala em público concedido a todos os cidadãos. Contudo, de modo particular, como se pode perceber também entre os gregos, a definição de cidadão restringe muito a participação do "povo", e mesmo o direito de falar em público não é um direito tão universal como se pensa quando se tem em mente que para falar em público é preciso ter qualidades que nem todos têm e muito poucos querem ter, preferindo continuarem ignorantes quanto a isto. Em outras palavras, pode-se perceber como na democracia dos gregos, vista como ideal, mesmo o número reduzido de pessoas em assembleia em praça pública, na ágora, o ideal democrático de todos podendo falar e se manifestar publicamente não era alcançado.
Como alertava Sócrates em sua pedagogia maiêutica e ironia, e como sua morte comprovou, o problema da democracia não é o direito de falar dado ao "povo" de um modo geral ou aos cidadãos de uma cidade-Estado de modo particular, a partir de determinadas qualidades, mas o fato de que o discurso de alguns, mesmo sabendo falar bem sobre as leis, talvez não soubessem o que era a lei para além do discurso sobre ela. Mais ainda, talvez quisesse que, assim como ele, ninguém soubesse o que era a Lei e, deste modo, não quisesse esclarecer o "povo" ou os demais cidadãos sobre algumas questões, mas confundi-los para obter determinados benefÃcios. Por sua vez, o problema da democracia consistindo na possibilidade de que o "povo" manifeste seu poder a partir de pessoas ignorantes que, como ele, não sabem nada sobre as leis, sobre o modo como elas devem ser elaboradas e a justiça pressuposta como condição de existência destas leis. Em última instância, que o justo não fosse o saber a verdade sobre as leis, mas fazer valê-las do modo que se considera "justo", obviamente, do modo que convêm aos ignorantes sobre ela, já que não lhes interessa saber a verdade delas.
Neste sentido, pode-se entender que a oposição de Sócrates em relação aos sofistas, ao questionar a recusa destes em defender um único ponto de vista, não era simplesmente uma questão epistemológica, isto é, sobre o conhecimento e sobre a verdade do conhecimento, ou mesmo, mercadológica, por eles venderem o "saber", mas uma questão relacionada à democracia. Isto porque se, por um lado, os sofistas tornaram possÃvel por meio de pagamento que qualquer cidadão pudesse saber falar em público sobre qualquer problema em relação à cidade, incluindo, portanto, aqueles que queriam falar em público, mas não sabiam como, favorecendo uma participação cada vez mais das pessoas na democracia, por outro lado, eles tornaram possÃvel que os discursos fossem cada vez mais desprovidos de conhecimento, que cada pessoa em seu logos fosse cada vez mais desprovida da necessidade de saber mais do que se sabe, como pensava Sócrates, para se ter o poder. E, deste modo, o poder na democracia fosse dado aos ignorantes que ao recusarem ao saber, usam da violência para conseguirem tudo que querem contra todos aqueles que buscam saber sempre mais sobre tudo, principalmente, os filósofos.
Por mais que Sócrates e Platão e tantos outros filósofos sejam contra a democracia, o que se coloca em questão a partir de sua crÃtica, contudo, não é que o "povo" no poder seja um problema, mas que o povo tenha o poder de decisão na sociedade a partir de uma ignorância em detrimento de uma sabedoria, pois uma sociedade em que as pessoas valorizam a ignorância, a recusa ao saber e tentam fazer valer a sua ignorância a partir da violência, discursiva e prática, contra aqueles que sabem mais do que elas, independe de qualquer condição individual, histórica ou social, não tende a subsistir de maneira justa, a não ser para os ignorantes. Em outras palavras, que uma democracia nunca será um regime de poder ideal em sua justiça enquanto o poder for dado aos ignorantes.
E que a ignorância enquanto falta de conhecimento e recusa ao conhecimento for exaltada por boa parte da população brasileira, até mesmo quando esta ignorância se manifesta em violência, estaremos sempre mais distantes do que qualquer outra sociedade de uma democracia mÃnima. Não bastarão, portanto, leis para conter a violência dos jovens e dos adultos nela, já que o conhecimento é a única forma de evitá-la, pois ele traz a sabedoria de nossos erros que nos aproxima cada vez mais da verdade, seja qual for, enquanto a ignorância somente leva cada vez mais a erros e violência para defendê-los. Pois a violência é fruto da ignorância ao se temer estar errado e tentar permanecer errando, mas é preciso querer ter conhecimento para se saber isto.
A filosofia enquanto conhecimento é uma tentativa ininterrupta de não permitir que uma sociedade se instaure sob o poder dos ignorantes sempre possÃvel em uma democracia. Neste sentido, a crÃtica dos filósofos à democracia é a condição não por menos desta existir do modo mais pleno possÃvel.
Se perguntarmos a qualquer pessoa o que é a democracia é muito provável que ela diga que é o "governo do povo", remetendo-se ao significado da palavra "democracia", em que "demos" quer dizer "povo" e "cracia" quer dizer "governo". Contudo, se continuarmos a questioná-la à maneira de Sócrates nos diálogos de Platão, não é difÃcil perceber que ela chegaria a um limite em suas respostas, que seria o da sua "ignorância". No caso "ignorância" definida aqui não simplesmente como uma "ausência de saber", já que não existe ninguém que não saiba nada, mas como um limite em relação ao saber sobre algo, quando já não se consegue ir além de uma "mera opinião", "dóxa", isto é, de um conhecimento que não dá condições de responder sobre algo em um determinado momento quando lhe é perguntado. Enfim, quando não se consegue pensar, saber ou conhecer algo e nem mesmo se quer pensar, conhecer ou saber sobre algo, o que em geral é acompanhado de "raiva" como os gregos em relação à s perguntas de Sócrates, logo deixando-o de lado, uma raiva que se tornou em ódio ao ponto dele ser julgado por aqueles que se sentiam ofendidos com suas perguntas e ter sido condenado à morte por causa disto, num julgamento segundo as Leis democráticas de Atenas considerado então justo.
Ao nos remetermos à democracia é impossÃvel não nos lembrarmos dos gregos, não simplesmente por a palavra democracia derivar deles, mas porque eles definiram as bases do que podemos ainda hoje falar de democracia, que vai muito além do mero conhecimento de que é o governo do povo, seja de modo universal, seja de modo particular. Bem como a partir deles, e principalmente, de Sócrates, é também possÃvel ver o quão problemática é a democracia na medida em que a pensamos do ponto de vista de uma justiça, como no caso de Sócrates, quando o poder é colocado nas mãos de ignorantes que, a partir deste poder, adquirem o direito de julgar, condenar e mesmo matar aqueles que questionam o "saber" deles. Isto é, de fazerem justiça ao seu modo, independente de qualquer discussão, ou mesmo recusando a esta, tendo em vista que, a partir dos diálogos de Sócrates com o "povo" ou mesmo seus "representantes", no caso, polÃticos, artÃfices e poetas (estes considerados pedagogos à época), podemos dizer que ignorante não é simplesmente aquele que não tem algum conhecimento, mas aquele que recusa o conhecimento. Mais ainda, ignorante é aquele que, ao recusar o conhecimento, tenta fazer valer o que o seu pouco conhecimento ou o que diz conhecer por meio da força, da coação, de subterfúgios da lei, enfim, da violência contra os outros.
Ao entendermos a definição de ignorante como a pessoa que tem pouco conhecimento e que se recusa a ter mais conhecimento, mas que tenta fazer valer o seu pouco conhecimento por meio da violência no discurso e nas ações, pode-se entender bem porque a democracia se torna um problema para os filósofos quando ela dá poder aos ignorantes. A justa morte de Sócrates segundo as Leis democráticas de Atenas demonstram isto, bem como a crÃtica que ele fazia dos sofistas, e que Platão retoma de modo particular em sua defesa do rei como filósofo. Mas também a vida democrática dos gregos demonstra este problema quando os gregos estabelecem o discurso ou logos como parâmetro de seu regime democrático ao definir o cidadão não apenas como aquele que tem as qualidades de ter nascido na cidade, ser homem, ser maior de idade, mas, também aquele que discursa, isto é, aquele que tem o poder de falar em público, ainda que ele não queira utilizar este poder ou não saiba utilizá-lo, isto é, seja ignorante do ponto de vista do discurso, do falar em público.
De um modo, portanto, universal, podemos dizer desde então a partir dos gregos que a democracia é o regime em que todos os cidadãos têm direito a falar em público sobre os problemas referentes à sociedade e, não por menos, a democracia é vista como um regime ideal de governo por conta deste direito à fala em público concedido a todos os cidadãos. Contudo, de modo particular, como se pode perceber também entre os gregos, a definição de cidadão restringe muito a participação do "povo", e mesmo o direito de falar em público não é um direito tão universal como se pensa quando se tem em mente que para falar em público é preciso ter qualidades que nem todos têm e muito poucos querem ter, preferindo continuarem ignorantes quanto a isto. Em outras palavras, pode-se perceber como na democracia dos gregos, vista como ideal, mesmo o número reduzido de pessoas em assembleia em praça pública, na ágora, o ideal democrático de todos podendo falar e se manifestar publicamente não era alcançado.
Como alertava Sócrates em sua pedagogia maiêutica e ironia, e como sua morte comprovou, o problema da democracia não é o direito de falar dado ao "povo" de um modo geral ou aos cidadãos de uma cidade-Estado de modo particular, a partir de determinadas qualidades, mas o fato de que o discurso de alguns, mesmo sabendo falar bem sobre as leis, talvez não soubessem o que era a lei para além do discurso sobre ela. Mais ainda, talvez quisesse que, assim como ele, ninguém soubesse o que era a Lei e, deste modo, não quisesse esclarecer o "povo" ou os demais cidadãos sobre algumas questões, mas confundi-los para obter determinados benefÃcios. Por sua vez, o problema da democracia consistindo na possibilidade de que o "povo" manifeste seu poder a partir de pessoas ignorantes que, como ele, não sabem nada sobre as leis, sobre o modo como elas devem ser elaboradas e a justiça pressuposta como condição de existência destas leis. Em última instância, que o justo não fosse o saber a verdade sobre as leis, mas fazer valê-las do modo que se considera "justo", obviamente, do modo que convêm aos ignorantes sobre ela, já que não lhes interessa saber a verdade delas.
Neste sentido, pode-se entender que a oposição de Sócrates em relação aos sofistas, ao questionar a recusa destes em defender um único ponto de vista, não era simplesmente uma questão epistemológica, isto é, sobre o conhecimento e sobre a verdade do conhecimento, ou mesmo, mercadológica, por eles venderem o "saber", mas uma questão relacionada à democracia. Isto porque se, por um lado, os sofistas tornaram possÃvel por meio de pagamento que qualquer cidadão pudesse saber falar em público sobre qualquer problema em relação à cidade, incluindo, portanto, aqueles que queriam falar em público, mas não sabiam como, favorecendo uma participação cada vez mais das pessoas na democracia, por outro lado, eles tornaram possÃvel que os discursos fossem cada vez mais desprovidos de conhecimento, que cada pessoa em seu logos fosse cada vez mais desprovida da necessidade de saber mais do que se sabe, como pensava Sócrates, para se ter o poder. E, deste modo, o poder na democracia fosse dado aos ignorantes que ao recusarem ao saber, usam da violência para conseguirem tudo que querem contra todos aqueles que buscam saber sempre mais sobre tudo, principalmente, os filósofos.
Por mais que Sócrates e Platão e tantos outros filósofos sejam contra a democracia, o que se coloca em questão a partir de sua crÃtica, contudo, não é que o "povo" no poder seja um problema, mas que o povo tenha o poder de decisão na sociedade a partir de uma ignorância em detrimento de uma sabedoria, pois uma sociedade em que as pessoas valorizam a ignorância, a recusa ao saber e tentam fazer valer a sua ignorância a partir da violência, discursiva e prática, contra aqueles que sabem mais do que elas, independe de qualquer condição individual, histórica ou social, não tende a subsistir de maneira justa, a não ser para os ignorantes. Em outras palavras, que uma democracia nunca será um regime de poder ideal em sua justiça enquanto o poder for dado aos ignorantes.
E que a ignorância enquanto falta de conhecimento e recusa ao conhecimento for exaltada por boa parte da população brasileira, até mesmo quando esta ignorância se manifesta em violência, estaremos sempre mais distantes do que qualquer outra sociedade de uma democracia mÃnima. Não bastarão, portanto, leis para conter a violência dos jovens e dos adultos nela, já que o conhecimento é a única forma de evitá-la, pois ele traz a sabedoria de nossos erros que nos aproxima cada vez mais da verdade, seja qual for, enquanto a ignorância somente leva cada vez mais a erros e violência para defendê-los. Pois a violência é fruto da ignorância ao se temer estar errado e tentar permanecer errando, mas é preciso querer ter conhecimento para se saber isto.
A filosofia enquanto conhecimento é uma tentativa ininterrupta de não permitir que uma sociedade se instaure sob o poder dos ignorantes sempre possÃvel em uma democracia. Neste sentido, a crÃtica dos filósofos à democracia é a condição não por menos desta existir do modo mais pleno possÃvel.
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