Dar-se respeito...

Dar-se respeito... A expressão é antiga e tradicional e chama atenção para algo que muitas pessoas falam em conversas cotidianas: a moral. Em geral, ela é dirigida à mulher quanto à sua postura diante dos homens, algo que é ensinado a elas desde muito cedo e aprendido, muitas vezes, da forma mais violenta quando são assediadas ou violentadas sexualmente. Mas a moral que esta expressão encerra em si é muito mais violenta do que se pode imaginar.

Obviamente a moral implícita no dar-se respeito, como nenhuma moral, é dirigida somente às mulheres. Os homens também precisam se dar o respeito, contudo, uma moral, apesar de se dirigir a todos universalmente, incide de modos diversos na vida de uma pessoa, principalmente, quanto ao gênero e, no que diz respeito a este, ao sexo que se liga diretamente, mesmo que seja uma orientação pessoal. Neste sentido, é mais comum que mulheres tenham que se dar o respeito mais do que os homens, principalmente porque a sociedade de um modo geral é regida pelo poder masculino que limita a mulher a determinadas condutas e que somente aceita se subjugar a ela em sua conduta por matrimônio, civil ou divino, tendo que seguir um determinado dar-se respeito conforme a conduta moral civil ou religiosa que assumam. Porém, mesmo numa relação matrimonial, e mais ainda por esta, a mulher deve senão mais ainda dar-se o respeito e uma rápida olhada em imagens para a expressão dar-se respeito (veja) comprova de certo modo como ele se dirige particularmente às mulheres mesmo que se diga que a sociedade não é tão tradicional como antes, o que é contradito constantemente, incluindo pelo modo como se diz frequentemente às mulheres para se darem o respeito.)

Não é o mesmo respeito, portanto, que homens e mulheres devem se dar de um ponto de vista moral. Aos homens, compete serem homens, isto é, agirem segundo o antigo código guerreiro com bravura e destemor, enfrentando tudo à sua frente mesmo que isto lhe custe a vida ou parte dela. Seu dar-se respeito é expor e fazer valer sua força, não simplesmente física, mas também psíquica como um ímpeto que o impele a reagir àquilo que lhe tira o respeito, que lhe desrespeita, outrem ou ele mesmo. Neste sentido, dar-se respeito em relação ao homem é uma força que, no caso, deve se manifestar de modo irruptivo sobre os outros ou sobre si mesmo, e muito mais forte quando se trata de si mesmo, já que ele é impelido por ela a reagir, irracionalmente às vezes, aos outros que lhe tiram o respeito, mais do que agir, racionalmente, em relação a si mesmo no seu dar-se respeito. Neste sentido, pode-se dizer que o dar-se respeito que prega a moral em relação aos homens é impor respeito a outros e a si, não se descartando nisto a violência, racional ou irracional, e no caso de uma violência irracional, muitas vezes justificável pelo simples fato dele ser homem.

No caso das mulheres, porém, o dar-se respeito implica algo bastante diferente segundo a diferença de gênero e sexualidade. Ser mulher não é a mesma coisa que ser homem, nem biológica nem socialmente, e isto se estende de modo determinante à moral. O dar-se respeito pressuposto moralmente à mulher segundo a tradição é conter-se enquanto mulher mesma. A mulher não deve, ao contrário do homem, expor-se, mas evitar de qualquer modo sua exposição. Seu dar-se o respeito é fazer incidir sobre si sua força para demonstrar para os homens, principalmente, e para todos, que ela é impotente, que é capaz de conter a si mesma em qualquer circunstância, mesmo que isto a violente, e sendo isto mesmo uma violência de si mesma por si mesma em muitos aspectos. Não lhe falta bravura ou destemor, não lhe falta força física ou psíquica, não lhe falta ímpeto de reagir àqueles que podem lhe tirar o respeito, principalmente, os homens, não lhe falta desejo de se impor sobre os outros por meio deste ímpeto, mas tudo isto é negado por ela em seu dar-se respeito.

Diante disto, a moral do dar-se respeito não é apenas diferente para homens e para mulheres, mas é uma forma de subordinar a mulher ao homem, o que é consentido por elas em seu dar-se respeito. Enquanto o dar-se respeito ao homem o valoriza sobremaneira em relação a si e aos outros, faz com que ele se sinta bem consigo mesmo e digno de ser quem é contra tudo e contra todos, o dar-se respeito à mulher a desvaloriza frente a si mesma e frente a todos, impõe que tudo aquilo que ela tem em comum com os homens (bravura, destemor, ímpeto guerreiro física e psiquicamente) seja negado por ela até mesmo nos momentos mais desrespeitosos pelo qual ela possa passar, no caso, o de um assédio ou violência sexual, quando ela é submetida a um objeto de desejo masculino e não pode negar ser este objeto sob o risco de ser mais violentada ainda.

Não é, por sua vez, do mesmo modo que um homem e uma mulher escutam de outrem, dê-se o respeito. Ao homem se requer que ele aja ou reaja àquilo que lhe desrespeita, que faça valer o que ele é: um homem. À mulher se requer que ela não aja, nem reaja ao que lhe desrespeita, que se desvalorize ainda mais naquilo que é: uma mulher.

Em meio a estas diferenças, não é difícil perceber que o dar-se respeito moralizante não é algo bom para as mulheres como é para os homens, mais ainda, é algo pior: o dar-se respeito faz com que as mulheres sejam cada vez mais agredidas pelos homens e cada vez mais aceitem as agressões deles para se darem o respeito, isto é, para não se exporem, como acontece frequentemente nos casos de assédio e violência sexual. E, nisto, enquanto as mulheres continuam se dando o respeito, os homens continuam desrespeitando elas de todos os modos e em todas as situações possíveis em que eles exerçam o poder de algum modo sobre elas e elas se deem cada vez mais respeito.

Mais ainda, por um laço de matrimônio, pelo respeito que um homem tem pela mulher que ele ama, um homem muitas vezes também de calar sobre isto, tornando-se vítima como ela de seu próprio desrespeito ao se dar o respeito, como acontece frequentemente muitas vezes em casos de desrespeito às mulheres que elas não querem expor, combatendo-o com este dar-se respeito, o qual leva a um flagelo não apenas de si, mas de todos que estão em sua volta, impedidos de verem este dar-se respeito de outro modo, o qual é necessário que se reveja, para que as mulheres não sejam, além de vítimas dos outros, homens e mulheres que querem que a mulher se dê o respeito, ela seja vítima de si mesma, bem como todos em sua volta.

Em última instância, exigir que uma mulher se dê o respeito é a maior forma de tirar dela todo o respeito que tem por si e fazê-la respeitar os outros, seu pai, seu marido, seu chefe, qualquer homem que lhe apareça à frente, mas também mulheres que, assim como ela, são ensinadas a todo instante a se darem respeito.

Enquanto, porém, as mulheres continuarem pensando deste modo em dar-se respeito, elas nunca serão respeitadas, mesmo que façam tudo que homens façam ou melhor, pois falta a elas o principal: respeito por si mesma, por ser quem é, independente de tudo e de todos e contra tudo e contra todos, mesmo que isto lhe custe a vida ou parte dela, mesmo que isto lhe exponha e exponha, pois ser mulher, assim como ser homem, é ser humana(o).

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