A fragilidade da democracia brasileira

O recente impeachment promovido no Brasil mostrou a fragilidade da democracia brasileira, menos pela constituição de seus poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, do que pelos representantes destes poderes como ficou claro no governo do país pelo PT no poder executivo, na votação no Congresso Nacional pelos políticos da Câmara e do Senado em favor do impeachment com suas justificativas de votos esdrúxulas representando o poder legislativo e pela parcialidade dos ministros do TSF e juízes envolvidos por sua omissão no julgamento de pessoas envolvida no processo de impeachment, não apenas a presidente da república, mas os presidentes da Câmara e do Senado, demonstrando a que partidos estavam filiados ideologicamente em suas omissões.

A fragilidade da democracia brasileira vai além do caso particular do impeachment e se refere à própria fragilidade da democracia como regime de governo que necessita de participação popular não apenas nas ruas, mas nas urnas e em cada momento da convivência social. Neste sentido, não adianta questionar o impeachment e todos os favoráveis a ele sem se dar conta da imensa vantagem deles em relação aos favoráveis às minorias sociais que foram silenciados neste processo e tendem a ser cada vez mais silenciados no governo de exceção em curso. Pois se há um retrocesso em curso no país em sua democracia é porque, mesmo durante todo um governo que demonstrou preocupação com áreas sociais, sendo inclusive destituído por não cumprir a obrigação de pagamento de uma delas a partir de um programa social, esta preocupação não se reverteu num maior desenvolvimento da convivência social. Pelo contrário, como se pode ver alhures em comentários na Internet, muitas das justificativas para o impeachment relacionam a corrupção apenas ao PT e não se referiam apenas à corrupção dos partidários políticos deste partido, mas a todos que defendem minorias sociais agrárias, raciais (negros), étnicas (indígenas), de gênero (mulheres), sexuais (LGBTs) culturais (artistas) que de algum modo se mostraram desfavoráveis ao impeachment, não necessariamente a favor do PT.

Mais do que uma transferência de poder de uma pessoa a outra, o impeachment constitui a substituição de todo o processo democrático eleitoral amplo pelo conjunto da população eleitora por um processo eleitoral restrito aos partidos a partir de um voto de cabresto aos moldes das eleições dominadas pelas oligarquias antigamente, em que cada político é coagido a votar em favor de sua partido ou bancada, mesmo contra sua vontade ou do povo que o elegeu enquanto politico. Neste sentido, a vontade do povo de um modo geral que elegeu a presidente foi deixada de lado e prevaleceu a vontade dos políticos que representam o povo, mas seguem os direcionamentos de seus partidos e bancadas, em alguns casos sob coação declarada de serem desfiliados caso não votem conforme eles e elas. Por sua vez, se a vontade popular ampla de todos os eleitores foi restringida pela vontade dos políticos e estas mais ainda pela vontade dos partidos e bancadas, percebe-se com isto como a democracia se fragiliza deixando de ser a vontade do povo para ser a vontade dos representantes do povo, neste caso, a vontade de todas as pessoas que elegeram os políticos e que não necessariamente estiveram de acordo com suas ações favoráveis ao impeachment como representante delas.

Porém, se há uma fragilidade democrática na substituição da vontade do povo eleitoralmente pela vontade dos representantes eleitos pelo povo com o impeachment, esta fragilidade aumenta exponencialmente quando se analisa a representatividade do povo nos políticos eleitos, particularmente no que diz respeito a representatividade das minorias, o que demonstra a gravidade do processo de impeachment recente, menos pela saída do PT do governo, do que pelas representações partidárias conservadoras que assumiram o poder contrárias à minorias e benefícios sociais relacionados a elas.

Ao analisar os representantes políticos eleitos e perceber que sua grande maioria representa hoje partidos conservadores de direita, que uma grande parte destes políticos e partidos constituem bancadas denominadas do "boi, da bala e da bíblia", que em sua grande maioria estes partidos, em contrapartida, são representados por homens brancos em etnia e raça, e heterossexuais, e, por conseguinte, com pouca participação de mulheres, homossexuais, negros e indígenas, e, além disso, são em suas ações declaradamente machistas, homofóbicos e racistas, percebe-se que a fragilidade da democracia brasileira é maior do que se analisa simplesmente pelo fato do país ter os poderes executivo, legislativo e judiciário constituído.

A fragilidade democrática brasileira representada pelos políticos é a fragilidade de todo o povo em eleger pessoas comprometidas com interesses sociais e não simplesmente partidários. A fragilidade de não se eleger pessoas que respeitem minorias e que pense nelas como as principais parcelas da sociedade que precisam de auxílio ou ainda a fragilidade destas minorias, mesmo quando são numericamente maiores, em eleger pessoas comprometidas com o auxílio delas. Este último fato o mais relevante de todos, pois se as minorias mesmo demonstrando uma grande preocupação com suas questões, como as minorias de mulheres, negros e LGBT, e mesmo tendo uma quantidade numérica capaz de eleger pessoas que as representam não conseguem eleger seus representantes, então, decididamente a democracia brasileira não apenas é frágil devido a isto, mas corre sérios riscos de ser apenas a fachada, como é atualmente, para um regime fascista travestido de democracia no qual a violência étnica, de gênero, racial e sexual avança cada vez mais em nome das leis elaboradas pelos políticos em favor senão desta violência, aberta ou ocultamente, em discursos e em atos.

Para se ter uma ideia da fragilidade democrática que o impeachment apenas reflete atualmente é preciso, portanto, observar a representatividade das minorias a partir dos políticos eleitos. No caso dos deputados, os políticos autodeclarados negros, uma grande quantidade em muitas cidades brasileiras, no caso dos deputados são apenas 4,3%, no caso dos indígenas que ocupam grande parte do centro-oeste e têm descendentes na região norte, apenas 0% (confira aqui e aqui) e no caso do Senado, apenas 3% se declara negro (ver aqui). No caso das mulheres no Congresso, e que são maioria no país, são apenas 8,8% (ver aqui) e no caso dos homossexuais, apesar de lotarem avenidas em paradas de orgulho LGBT, isto também não se reflete em políticos declarados homossexuais, menos por estigma como diz Jean Wyllys (ver aqui), um destes políticos, do que por uma decisão de apoio à causa homossexual mesmo dos próprios homossexuais, como acontece também no caso dos negros, das mulheres e dos indígenas.

Neste sentido, se o impeachment demonstra a fragilidade da democracia a olhos vistos pelos políticos eleitos, estes foram eleitos pelo povo favorável ideologicamente a homens de etnia e raça branca, conservadores e heterossexuais contrários em sua maioria às minorias, algo que mostra como toda a diversidade social e cultural que é propagada para o mundo em relação ao país não é representada plenamente pela política brasileira e cabe a cada minoria política, que não é minoria muitas vezes numericamente, pensar em que medida suas ações não estão e devem estar cada vez mais voltadas para eleição de políticos representantes diretos, e não apenas favoráveis, em relação às questões étnicas, de raça, de gênero e de sexo de seus interesses sob pena de que o impeachment como demonstração da fragilidade da democracia brasileira se torne o ponto de partida para um fascismo que se demonstra cada vez mais nas ações de muitos políticos brasileiros, alguns declaradamente, e de muitos que os apoiam veladamente nas redes sociais.

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