A busca de entendimento

Em geral, buscamos entender tudo que nos rodeia. É algo óbvio e comum. Costumamos fazer isto frequentemente quando conversamos com as pessoas: você está entendendo? E esperamos delas o entendimento como esperamos entendê-la. O entendimento é um pacto que fazemos com elas e com as coisas para nos sentirmos melhor. Mas há momentos em que não conseguimos entender o que acontece e aí surge o problema.

Este problema parece ter sido analisado muito bem. Digo parece pois isto implica entendê-lo totalmente, algo que já é colocado em questão quando ele diz em seu livro A ideia da fenomenologia o seguinte: "o menos possível de entendimento, mas o mais possível de intuição pura" (p. 92) Bem, pensando no que ele quer dizer, mas sem já ter uma resposta para isto, isto é, um entendimento do que ele quer dizer plenamente, há uma diferença clara e distinta entre o entendimento e a intuição pura que é preciso que pensemos em nossa vida cotidiana. E isto tem a ver justamente com o momento em que os problemas aparecem em meio a falta de entendimento quanto às coisas que acontecem ou o entendimento do que nós mesmos fazemos sem saber o motivo, a causa ou a justificativa para elas.

Pensando nesta diferença, e transcendendo o que Husserl diz, podemos dizer que enquanto o entendimento tem um limite, e isto é justamente um problema, a possibilidade dele faltar, pois dependendo do caso, podemos nos complicar. Imagine não entender o que está fazendo agora, neste exato momento, tipo quando você vai ao quarto e não sabe o que foi fazer ou buscar ali? Isto é o problema do entendimento: ele é uma orientação constante que temos que ter em nossa vida caso ela não desmorone a cada passo que damos sem saber porque o demos.

A intuição pura é ilimitada, o que não quer dizer que ela não falte, como quando, por vezes, falta o entendimento. Mas a intuição pura não é limitada quando ela falta, apesar de que é também um problema quando ela falta na medida em que se deixa de ver as coisas deste modo intuitivo puro. O que isto implica deixar de ver as coisas de um modo muito particular de ver e pensar sobre elas, e mesmo de as ter em sua vida. Seria perder aquele momento de visão de outro modo você não teria senão a partir de uma intuição pura.

Disto resulta que se podemos entender a vida de vários modos possíveis e a partir de diversos conhecimentos, vivenciar a vida no sentido de intuí-la puramente é algo diferente. Não melhor ou pior, diferente, na medida em que por diferença não querendo dizer desvalorizar aquilo do que nos diferenciamos, mas já ver as coisas de um outro modo que não o do entendimento. Difícil de entender?

Se sim, este é o ponto em questão ao que parece quando Husserl nos diz para diminuir o entendimento e aumentar a intuição pura e talvez o que mais impressione em sua filosofia, que ele denomina de fenomenologia. No caso, a possibilidade de que para uma intuição pura poder se fazer presente é preciso que realmente não entendemos um pouco sobre aquilo que queremos pensar ou conhecer naturalmente, o que ele chama este entender menos propriamente de redução fenomenológica. Afinal, se já entendemos, para que intuir puramente afinal?

Algo de fundamental acontece, por sua vez, quando entendemos menos as coisas e nos forçamos uma intuição pura delas, o fato de que o conhecimento que temos das coisas em nossa volta já não é mais dado, por algo, a própria coisa, ou por alguém, nós mesmos ou outros, quando queremos ou perguntamos, mas se dá na medida em que tentamos apreendê-las, vendo-as de modo intuitivamente puro, de um modo diferente, portanto, do aprender o que as coisas, em sua forma, nome e características. É preciso, portanto, numa intuição pura que algo nosso passe as coisas, mais do que recebamos algo, como no caso do entendimento. Algo que faça como que as coisas tenham um sentido para nós, mais do que um sentido por elas mesmas. É preciso que compreendemo-las mais do nosso ponto de vista do que do ponto de vista comum a todos que entendem o que está acontecendo e nós não. É preciso, enfim, que procuremos uma resposta numa intuição pura mais do que esperemos por ela, enfim, entendendo o que devemos fazer ou o que são as coisas. Enfim, no entendimento algo está dado e na intuição pura algo é dado e, deste modo, nada é absolutamente o que parece, mas o que aparece enquanto fenômeno, um fenômeno puro de uma intuição pura, a de qualquer pessoa que se pergunte por um breve momento em suas vidas porque está fazendo isto, por exemplo, lendo este texto.

Em geral, vemos pouco as coisas e isto é impressionante do ponto de vista da fenomenologia, que nos resgata a possibilidade de olhar para as coisas questionando o que vemos apesar de saber o que vemos. É óbvio que vemos as coisas diversas em nossa volta, como é óbvio o que entendemos o que são cada uma delas, mas, em geral, as coisas permanecem quase sempre inertes aos nossos olhares, como coisas simplesmente, que não merecem um outro ponto de vista. Em geral, entendemos o que as coisas são e quando não entendemos, nos preocupamos se nos afetam diretamente, mas não é sempre que isto acontece, somente quando se tratam de problemas, os quais cuidamos por vezes de esquecer.

Um filósofo, porém, dificilmente esquece os problemas e nisto ele se difere das pessoas e dos cientistas quase sempre, pois carrega em seus ombros problemas que são aquilo que o predispõem a uma intuição pura, aquela que os faz ver não a solução do problema simplesmente, mas a possibilidade de entendê-lo. O filósofo procura entender os problemas mais do que os resolvê-los, pois, resolvê-los, muitas vezes, não compete a ele, mesmo quando dizem respeito a si. Os problemas são enigmas, como diz Husserl em relação ao conhecimento natural, o que acrescentamos dizendo que se eles são deste modo, eles têm em si a sua própria solução, a qual podemos intuir de modo puro, mas não poderemos nunca resolver sem que apareçam novos enigmas.


Em nossa vida cotidiana, problemas se avolumam e batem à nossa porta constantemente e tentamos nos esconder deles, mas tentar intuí-los é já um primeiro passo para a possibilidade de entendê-los, mesmo que não o entendamos completamente, como não penso que entendi Husserl completamente ou que isto seja possível.

Nenhum comentário:

Tecnologia do Blogger.