É a tua mãe!


É a tua mãe! Aquela vagabunda, prostituta, que eu fodi ontem!
 Estas não são, obviamente, palavras doces que as mães recebem no dia das mães, mas são palavras que elas recebem muitas vezes no dia-a-dia dos seus filhos sem que elas saibam ou possam se defender e que demonstram que a elas não se dirige somente o amor, mas também o ódio costumeiramente, pois são elas que se busca ofender quando se tem raiva de alguém. Filho da puta!

Existe um amor ou dívida para com as mães, mas também um ódio em mesma medida quiçá também pela dívida, pois a relação dos filhos com a mãe não é, como se sabe, a mesma que os filhos têm com o pai. A psicanálise, toda voltada para a relação do pai com o filho, vê na mãe apenas o intermédio da relação entre eles numa disputa pelo amor da mãe que, para a psicanálise é em ambos os casos sexual, como se o filho quisesse foder a mãe mesmo, não a do outro como nas ofensas, mas a sua mesma, fazer o que pai faz com ela todo dia. Não é, de fato, um ponto de vista muito positivo em relação as mães enquanto mulheres que se veem assim numa eterna disputa edipiana entre dois homens, um infantil e o outro mais ainda, por temer perder a mulher para o próprio filho, ambos querendo fodê-la e não admitindo que outro a foda por ciúmes. Mais ainda, é sempre um problema mais complexo do que o de Édipo o da mãe que vive o conflito de sempre ter de escolher entre o amor filial e o amor marital, sofrendo por uma ou outra escolha, ou mesmo por não poder escolher e sofrendo duplamente por uma dúvida cruel. Afirmar seu amor pelo filho e negar o amor pelo marido a quem escolheu antes do filho para toda sua vida levando em conta os votos sagrados do matrimônio ou negar o amor pelo filho a quem pôs no mundo dando sua própria vida para criá-lo pelo amor ao marido?

Ser mãe não é fácil, talvez por isso Freud preferiu estudar a relação entre o pai e filho e depois tentar analisar por analogia a relação do filho com a mãe. Contudo, ao fazer isto, ele conseguiu demonstrar como o complexo de Édipo é um complexo propriamente masculino que não envolve a mãe-mulher em nenhum aspecto, a não ser quando se trata de incluir a mãe-mulher como objeto sexual ao homem, pai ou filho. E tudo se resolva quando ambos deixam de querer fodê-la, o filho por arrumar uma namorada e o pai por não ter nenhum interesse mais na mulher fazendo o mesmo que o filho muitas vezes, afinal, são homens, está em sua natureza amar as mulheres e odiá-las na mesma medida, mesmo que sejam suas mães.

Inserida num universo patriarcal, a função da mãe é um muito clara: prover a prole e o marido. É esta a mãe que é celebrada no dia das mães. Nada mais tradicional do que isto, mesmo que não seja tradicional a valorização da mãe enquanto tal na sociedade. De fato, mães não são valorizadas, a não ser no registro social de programas assistenciais que sempre privilegiam a mãe, pois nem todos os filhos têm pais, mas todos têm mães. E isto é um fato que demonstra algo que pouco se discute também psicanaliticamente, a presença da mãe em comparação com a ausência do pai, mais uma demonstração de como a psicanálise é absurdamente descompromissada com a perspectiva maternal nos problemas familiares, apontando sempre como causa dos problemas o pai, presente ou ausente, como o poder ou símbolo do poder. Algo muito comum já que o complexo de Édipo é plenamente definido numa sociedade patriarcal em que o homem tem o poder, mesmo na sua ausência, enquanto à mulher cabe sempre o impoder, mesmo que presente e se alcançam o poder de algum modo é por agirem como homem e não como mulheres mesmo. Em outras palavras, por negarem seu lado maternal, esquecerem que são mães ou serem mais do que mães, serem pais também falando grosso com os filhos.

Como as mães afetam os filhos sempre foi um problema para os homens no sentido de que as mães os mimam demais e, por assim dizer, afeminizam os filhos. Numa família tradicional, lembremos a psicanálise muito popular entre os homens, os homens têm sempre que foderem as mulheres e não serem como elas. A proximidade entre mães e filhos deve sempre ser negada deste modo, até mesmo no que diz respeito às mulheres que alguns pais tratam como filhos ou mesmo que não querem ser como as mães fodidas por pais que não escolheriam como marido, mas, paradoxalmente, acabam escolhendo iguais a elas, menos por repetirem os erros das mães, mas por serem mulheres como as mães e, mais dia menos dia, podendo se submeterem a velha e boa família tradicional que adora foder com a mãe, pai e filhos, e filhas.

É compreensível sob este aspecto a raiva com que muitas mães tratam os filhos mesmo tão pequenos, xingando-os e batendo neles com toda a vontade do mundo, descontando neles toda a opressão que sentem. Talvez pensando nisto tudo é possível perdoar todas as ofensas e maus tratos que elas produzem nos filhos não apenas de modo físico, mas também psicológico de tal modo que todo o amor tenderia a perecer por elas se não fosse um único detalhe, importante em todo o caso, o fato de serem mães, e isto abonar qualquer atitude sua. Afinal, um pai não é perdoado por tudo que ele faz aos filhos facilmente, nem mesmo no leito de morte, mas uma mãe tem sempre o beneplácito da dúvida, pois como pode uma mãe querer o mal de um filho?

Nenhuma mãe é má, eis o pressuposto básico que se estende à toda a humanidade, diferentemente dos pais que são maus por princípio podendo alguns serem bons, claros, mas não como as mães. Assim é que, por mais ódio que se possa ter da mãe, ninguém se meta a besta ofendendo-a que receberá de novo a ofensa numa violência maior do que a que foi feita. Só o filho pode esculhambar a mãe também, afinal, é a sua mãe e trata-se quase numa relação maternal mesmo o amor e o ódio pelo mãe, pelo que é e não pode ser negado. Pois é óbvio, ninguém pode negar a mãe de fato, dizer que simplesmente tem uma mãe, mesmo que também não se possa negar que tem um pai, pois todos também tem um pai, biologicamente. Mas diferentemente da mãe, o pai não cria o filho por nove meses em sua barriga, dizem sempre as mães e, de fato, isto faz uma diferença, de nove meses no caso que são cruciais na relação entre mães e filhos que, se acrescentados o tempo de licença pós-parto,  6 meses no Brasil fazem uma diferença maior ainda. E se acrescentar que isto perdura ainda toda a infância numa família tradicional em que a mãe é obrigada a cuidar dos filhos prioritariamente em relação aos pais e, mesmo separada, é dada a ela prioritariamente a guarda dos filhos afinal são mães, tem-se uma equação em que não se pode comparar de fato a relação de uma mãe com um filho com a de um pai e deveríamos abandonar toda a psicanálise da presença e ausência do pai para pensarmos esta presença inalienável da mãe nas vidas dos filhos em seu ser e não ser quem são.

Como superar o amor de mãe? Eis a pergunta que se poderia fazer em contraposição à superação natural ao ódio do pai na solução do complexo de Édipo. Talvez se pense que não faz sentido superar o amor de mãe, afinal, trata-se do amor que estamos falando e do amor mais puro da humanidade que é o amor de uma mãe pelo filho que, para os católicos, é representado na mãe de Jesus, Maria, lembrada muito mais do que Jesus em suas diversas formas protetoras. Contudo, tão opressora como a presença do pai é a presença da mãe na família e mais do que este muitas vezes, pois é mais frequente e dificilmente se escapa de sua opressão com suas chineladas ou seus gritos histéricos que pulsam e expulsam toda a opressão que sente nos filhos. Uma opressão lembrada muito jocosamente por se tratar de uma mulher e não se dar muito crédito à sua violência, mas que é mais voraz por se estabelecer desde o princípio e sem motivo algum para os filhos quando são pequenos que, sem entender, aprendem que o amor e o ódio das mães por eles andam sempre juntos e também por isso amor e ódio sempre andam juntos em relação à ela a quem são dirigidas todas as ofensas que nunca são dirigidas ao pai, a não ser em sua ausência e, quiçá, nem nesta, como prova toda a psicanálise em seu complexo de Édipo e simbolismo do pai ausente.

Celebrar o dia das mães é bom, mas não esquecer a realidade das mães é melhor ainda, pois a relação de amor e ódio que se gera com elas se volta para elas na mesma medida e se se declara o amor por si no dia de hoje é o ódio que se declara a ela durante todo o resto do ano. Um ódio pela sua presença como mulher de certo ao homem, mas também por sua presença opressora na vida de muitos filhos criando todo um processo de culpa muito maior do que o criado por pais em sua presença e ausência cujo resultado são anos de psicanálise procurando o problema no pai quando o problema estaria na mãe e todo seu amor misturado com o ódio sem que se consiga discernir o que escolher, amar ou odiar aquela que ama e deu a vida por si. Por fim, se colocando o complexo de Cronos em sua fidelidade à sua mãe, Terra, a quem defenderia em relação ao pai não por menos também filho da Terra, com quem disputaria o amor dela e seria não por menos seria tão indigno quanto ele.

Terra, por fim, na qual se representa todo o problema das mães em nossa vida, aquela que tudo geraria, mas também por ela tudo pereceria pelo mais fiel amor.

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