É CaRNavAL!!!!!!!

fevereiro 10, 2024
É CaRNavAL! Dia de festa pagã, a mais pagã de todas as festas, a única festa pagã de todas, o verdadeiro paganismo, em que é proibido qualquer tentativa de moralização poética, moral, política, religiosa, filosófica, científica, isto é, que qualquer realidade queira se impor na qual se obriga a ser de um determinado modo. Festa na qual a única obrigação é viver uma fantasia, vestir a fantasia, ser quem quiser ser não importa quem seja, a negação de uma identidade. É o momento de sentir o prazer de outro modo que ser, de deixar de lado toda a anamnese platônica da realidade de uma Ideia, toda a metafísica aristotélica da substância de um ser, toda a ontologia clerical da existência de um ser e toda a determinação impossível de outro modo que ser. Momento de deixar a alma se esvair do corpo e ser pura encarnação, carnal, um corpo no meio de uma multidão de corpos sem outro objetivo que não seja sentir a alegria de viver, de CaRNavALizar a vida, dar uma leveza à ela em meio ao peso da realidade sentida todos os dias.

A força antigravitacional que esta palavra CaRNavAL tem se opõe à todo o peso da existência de um ano, de séculos, de milênios de humanidade. Quando se diz "é CaRNavAL!"já não se fala de algo que é, de um ser, de sua essência, de sua existência, da sua substância, de qualquer ideia que seja, poética, moral, política, religiosa, filosófica ou científica. Já não se pode dizer CaRNavAL sem que a palavra de deus ou do ser humano perca seu poder, sua proposição, o seu se posicionar antes de qualquer posição, seu logos, seu discurso de verdade. Não há verdade no CaRNavAL. E dizer isto tão pouco é uma verdade.

A palavra CaRNavAL é, como tudo na festa pagã, uma fantasia da realidade, um outro modo que ser, em que ser já não importa. Do CaRNavAL não se deve ter lembranças a não ser de uma realidade distante, que é apenas uma ressaca do corpo e da mente como uma ressaca moral. Não se pode viver uma fantasia, se fantasiar, sem esquecer o ser, sem que o ser já não importe e, muito menos, seus atributos e propriedades poéticas, morais, políticas, religiosas, filosóficas ou científicas. Negar a fantasia no CaRNavAL é ser incapaz de esquecer a realidade ainda que seja por alguns instantes, por alguns minutos, por alguns dias, apenas alguns dias no ano de muitos anos de existência. É fazer do ser e da realidade a única possibilidade de vida, de um outro modo que ser impossível.

Esta incapacidade de esquecer a realidade, de esquecer de ser, é o que faz adoecer muitas pessoas com preocupações. Não se pode deixar de ser, ser é a única coisa importante numa vida preocupada. Não por acaso os filósofos, e Parmênides em primeiro lugar, são os que se preocupam mais com a vida, que a tornam mais preocupante, os que tornam impossível um outro modo que ser, isto é, uma vida diferente da que é e que não pode deixar de ser. A filosofia fez do ser a única possibilidade de viver. Viver se tornou ser. Não se pode mais viver diferente, isto é, diferente do ser. Colocou-se sobre a vida, qualquer tipo de vida, todo o peso da existência de um ser, em que até mesmo uma essência leve é algo pesado, o ser mais pesado na existência. Deu-se à mais leve expressão da vida, a fala, a linguagem, uma realidade que não tinha, que não tem para nenhum outro animal, que vive a fala e a linguagem mais do que a existência de um ser que fala uma determinada linguagem. Um animal, não se reduz, como o ser humano, ao que fala, à sua linguagem. Sua "fala" e "linguagem" fazem parte de sua vida que não é, não se diz que é, não diz a si mesmo o que é, que é um ser. Dizer animal ou, mais particularmente, dizer animot (fazer do animal uma palavra) é falar de um outro modo que ser, de uma diferença do ser, já na linguagem, que não se reduz à linguagem, nem ao ser.

No momento em que a filosofia, mas antes dela, uma moral poética política religiosa, fez da vida um ser, do viver um existir, ela esgotou todas as possibilidades de uma vida diferente e não é colocando reticências à vida no fim dela que uma vida diferente do ser se torna possível. Um outro modo que ser para a vida somente é possível quando se nega o ser plenamente, quando não se busca ser, o ser, quando se deixa de ser, mesmo que isso seja impossível. Deixar de ser é a única forma de viver. É a única forma em que ver não quer dizer ser, em que ter visto, vi, não é o passado de uma existência, de um ver algo existente, em que vi-ver não quer dizer existir em algum lugar, em algum tempo, de algum modo, ter uma determinada posição, se posicionar de qualquer modo, não quer dizer transformar a vida em algo estático negando-lhe um dinamismo que tão pouco no caso da vida quer dizer vir-a-ser, o pensamento de que algo há de vir, um devir do ser. Devir não é viver na medida em que é vir-a-ser, virar-ser.

O que vi, o que ver, não é, nunca é, nunca foi, nunca vai ser quando se vive. "Viver ultrapassa todo entendimento" da existência. Não se pode viver e ser e existir ao mesmo tempo. Não há tempo mesmo ao se viver. Perde-se todo e qualquer tempo, toda e qualquer localização do tempo num espaço ao se viver. Não há tempo e espaço a priori à vida, num outro modo que ser, somente ao ser e ao existir de um determinado modo, o humano. É preciso pensar a vida para além de seu ser e de sua existência, de um ser e de uma existência enfadonha, que já não se suporta mais, que é incapaz de CaRNavALizar, que faz de todo CaRNavAL uma festa poética, moral, política, religiosa, filosófica, científica dando-lhe a medida do homem, de um ser humano, de uma existência, de um cultura. O CaRNavAL não pertence a nenhuma cultura em particular, é a negação mesma de toda e qualquer cultura humana particular, é o momento em que toda e qualquer cultura humana particular se olha no espelho e não se vê, não é o que parece ser, não tem nenhuma aparência com o ser, por mais que pareça. É o momento em que parecer é não-ser.

O logos sofista e filosófico não pode ser a medida de uma vida, muito menos de uma vida no CaRNavAL. O discurso e todo seu poder moralizante de uma festa em nome de alguém, de um povo, de um deus, não pode se impor como medida da vida, do contrário, a vida perde todo e qualquer sentido, sufocada pelo ser, sua essência e sua existência. É preciso um pouco de ar para viver, o que quer dizer que é preciso dar ao corpo um pouco de leveza, um pouco de ânimo, dar um respiro à vida, respirar se não se deseja que a vida seja um total desânimo, que a vida seja um pura realidade, sem qualquer possibilidade de fantasia, de se fantasiar, em que não é possível um outro modo que ser diferente do que é.

Vivemos numa realidade doente de realidade, em que não se é capaz mais de escapar à realidade, em que qualquer linha de fuga da realidade é cortada por alguma razão, esta vigia da consciência e da boa consciência, impedindo que qualquer inconsciente projete sobre a vida real uma fantasia que é vista já como uma fantasma. Os fantasmas nada mais são do que fantasias sem corpo, sem vida, o que não se pode ver, viver, sem temer. Não são as expressões de um inconsciente, mas de uma consciência que transforma a expressão inconsciente numa fantasia em uma negação da alma, do espírito, de deus. Os fantasmas são as negações das fantasias inconscientes do corpo que deseja viver, negações de um outro modo que ser, que deseja CaRNavALizar e não pode, não deve, na realidade. Deve ser de determinado modo, deve se comportar conforme determinada cultura, ser a si mesmo e não ser o outro, deve viver como Parmênides disse que se deve viver, isto é, como um ser, ser o que é, assim como deuses e humanos querem que seja.

A filosofia, aquela que se diz mais próxima do ser, mais próxima da realidade, da verdade da realidade, é a que está mais distante da vida, o que impede qualquer expressão do viver, o CaRNavAL. É somente se esquecendo que é filósofo que se pode CaRNavALizar se fantasiar de outro modo que ser que não o filósofo, ser sofistaA fantasia de CaRNavAL de todo filósofo é ser sofista, esquecer por um momento a preocupação com o ser, a realidade, a verdade, o ser que se diz que é a vida de verdade na realidade.

É quando se nega uma fantasia de CaRNavAL que se percebe a noção do ridículo, que o CaRNavAL é o ridículo, ridicularizar, a si e ao outro, a si mesmo com a fantasia de outro, tentar deixar de ser, rir de si mesmo e do outro. Perde-se a alegria de CaRNavALizar a vida, de rir dela, do que é. Se torna incapaz de viver. A vida se torna ridícula, mas como algo negativo, como uma negação da vida, com choros em vez de risos. Uma tragédia em vez de uma comédia. É uma incapacidade de se relacionar com o outro, qualquer outro, a não ser com sofrimento, por meio de sofrimentos, de uma empatia em vez de uma simpatia. 

CaRNavAL é contato com o outro, abraços, beijos, um agarrar de corpos querendo ser um só corpo no meio de uma multidão, corpos sem alma, apenas com ânimo por estarem juntos. CaRNavAL é vida na sua mais pura encarnação, a vida de um corpo, de uma carne que não se faz espírito, tão pouco se espiritualiza, que é pura carne em desejo de viver, corpo em desejo de vida. É a vida que se espera no CaRNavAL, uma vida que não se vive em nenhuma outra época do ano, durante toda uma existência. quando se é o que tem que ser. É a vida que já não se pode deixar de viver para ser.

É CaRNavAL!!!!! 

Amanhã tudo volta ao normal.
Deixa a festa acabar,
Deixa o barco correr. 
Deixa o dia raiar, que hoje eu sou
Da maneira que você me quer.
O que você pedir eu lhe dou,
Seja você quem for,
Seja o que Deus quiser!
Seja você quem for,
Seja o que Deus quiser!

 

 




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