Feliz Fim de Ano Novo!
Fim, do latim finis, do grego telos, tem vários significados, todos eles negativos por se relacionar com a morte, o fim da vida, o fim de todos os fins. Mas há um problema, do grego problema, ou aporia, do grego aporia: não sabemos exatamente quando é o fim. E, quando percebemos, já chegou. Estranhamente, o tão temido fim não é mais temido. O fim se tornou um final feliz. Enfim, acabou!
Não saber exatamente quando é o fim nos traz ansiedade, uma palavra que também tem um significado negativo, mas que, para os filósofos românticos alemães, chamada de sehnsucht, é algo positivo, um anseio pelo infinito, pelo que não tem fim, pelo fim do fim. Toda ansiedade pelo fim acaba no fim do fim, no infinito, quando, enfim, chega o fim, isto é, quando, pensa-se, de modo absoluto, que não há mais fim. Porém, novo problema, nova aporia: no infinito, o fim nunca acaba. O fim não tem fim. A ansiedade pelo fim se torna também infinita, pois nunca saberemos quando será o fim. Ansiamos pelo fim do fim, pelo final feliz, mas, no fim, o fim não acaba. Da ansiedade romântica pelo fim passa-se, na realidade, ao desespero sem fim, por o fim não ter fim, por não termos o fim.
Ansiosos, temendo pelo fim, querendo por um fim ao fim, somos levado, em desespero, ao fim de tudo, ao fim imediato, ao fim da vida, à morte. Neste sentido, diz o filósofo dinamarquês Kierkegaard, o desespero é uma doença mortal, uma doença que leva à morte, ao fim da vida. Uma doença propriamente humana, um desespero humano, que nenhum outro animal tem, salvo por engano, por não saber, como os humanos, o que é o fim, e pôr fim à vida sem saber que é o fim dela, assim como pouco importa para o animal, o inÃcio dela, tão pouco a própria vida. E talvez viva a vida melhor do que qualquer ser humano, sem saber o que é a vida, o inÃcio ou o fim dela, como as crianças que vivem e morrem sem nunca saberem que viveram e morreram, enfim, sem ansiarem e se tornarem ansiosas pelo fim da vida e sem se desesperarem com o fim dela, quando as matam, inocentes numa guerra, quando militares anseiam por matar crianças de outros povos.
Nenhuma época parece ter sido tão ansiosa e tão desesperada pelo fim quanto a época atual em que o nÃvel de ansiedade é medido de várias formas, causada por vários motivos, e o desespero é quase total, ansiando-se pelo fim imediato, por alguém que ponha fim em tudo, por um fascismo que venha por fim à toda balbúrdia, por um silêncio e um silenciamento total ao menor barulho possÃvel, ao menor fogo e fogos à vista. Psiu! O menor estalo é assombroso como um trovão prenunciando o fim dos tempos e a época atual somente pode ser comparada à s épocas de fim de milênio cristão quando as pessoas são atemorizadas pelo fim, pela frase de terror messiânica dos cristão mais fervorosos quando bradam nos quatro cantos do mundo que Jesus está chegando! Jesus, o Messias, aquele que anunciou no inÃcio dos tempos para os cristãos a boa nova, uma nova vida, é o que anuncia hoje o fim dos tempos, a morte, uma palavra de mau-agouro como no fim dos milênios cristãos. Cristãos anseiam e se desesperam com a vinda de Jesus, com o fim que com ele se aproxima, que traz consigo, pois, é agora o emissário da morte para os cristãos que gritam a todo instante que Ele está chegando, mas, para eles, este é o final feliz.
Outro problema, outra aporia: aquele que traz uma nova perspectiva de vida para os cristãos é o que traz a morte consigo, traz a cruz na qual muitos, junto com ele, anseiam por se pregar, desesperam-se para carregar até a morte, como se Jesus, ao carregar a cruz, ser pregado nela, quisesse o sofrimento, quisesse sofrer, quisesse ser torturado até a morte, quisesse morrer para salvar as pessoas do fim, do sofrimento, da morte, como se ele mesmo não quisesse se salvar da morte, do fim, não fosse humano, enfim, fosse, em vida, um deus, e como se deus nunca tivesse se tornado humano, nunca tivesse se encarnado, nunca soubesse amar, como se Jesus, deus, não amasse ninguém, e a morte não importasse no fim. Como amar ao próximo se não sabe o que é o amor? Como ansiar pelo fim, pela morte, salvar todos dela e de todo sofrimento, se não se sabe o que é sofrer, a morte, se não há nenhum anseio ou desespero por ela, por saber que se aproxima e quando se aproxima a morte, se não é, enfim, humano?
A diferença entre deus e humanos no judaÃsmo e cristianismo foi muito bem percebida por Kierkegaard com o desespero humano de Abraão quando olhou nos olhos de seu filho Isaac preste a matá-lo, a pôr um fim à vida dele. O temor e tremor de Abraão pelo fim é o desespero de todos os humanos diante da morte de que amam sem poder trocar de lugar com eles, por não poder morrer no lugar de seu filho, por ser seu filho a ser sacrificado e não a si a pedido do deus judaico-cristão. Deus não sabe o que é a morte, nunca saberá, pois não é mortal. Não sabe o que é o fim, posto que é infinito. Não sabe o que é o amor, se não tem um filho. Deus não é humano. Não teme e não treme diante da morte porque não ama a vida, a sua ou a de outro, a não ser que se torne humano, tenha um filho. É no olhar de Abraão, no corpo de Cristo, quando temem e tremem de amor pela vida, num total abandono por deus, em desespero diante da morte, que o deus judaico-cristão se encarna e se torna humano, um pai, e só como humano pode perdoar e salvar alguém da morte, seu filho, fazer do fim um final feliz, sem necessidade de sacrifÃcio humano.
No fim, quando chega realmente o fim, com o infinito, com Jesus, o Messias, com o deus judaico-cristão, quando não há mais sacrifÃcio humano, quando deus não pede mais para ofender, humilhar, torturar, violentar, estuprar e matar ninguém, nem envia ninguém para salvar da morte ou um emissário da morte, quando não há mais desespero pela morte, pelo fim que se aproxima, é que se pode dizer que o fim é feliz, que há um final feliz, mais ainda, que todo final é feliz, com beijos, abraços ou com uma felicidade contida, como no fim de ano em que se faz uma contagem regressiva ansioso, desesperado para que acabe e para gritar Feliz Ano Novo! Ou ainda, Feliz Fim de Ano Novo!, pois o ano que acaba agora é o que começou há um ano. É no momento em que um ano termina que sabemos realmente que o fim, enfim, acabou. Não porque não há mais fim, como no infinito, mas porque há um fim, por ser necessário que haja um fim, pois, sem fim não há alegria pelo inÃcio, por uma nova vida, há tão somente uma tristeza infinita sem fim.
Feliz Fim de Ano Novo!
P. S. O pássaro na foto se chama fim-fim. O fim-fim é uma ave passeriforme da famÃlia Fringillidae. Também conhecido como vim-vim (Maranhão e PiauÃ), fi-fi-verdadeiro, vem-vem (Natal/Rio Grande do Norte e no Ceará), guriatã-de-coleira (Bahia), vi-vi e puvi (interior de São Paulo), gaturamo-miudinho (Descourtilz). No Nordeste recebe a denominação de vem-vem, gaturamo-fifi ou guriatã. E aparece na música Cantiga de vem-vem, composta por José Marcolino e Panta imortalizada na voz de Luiz Gonzaga. Fonte: Wikiaves.
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