Feliz Ano Novo?
A cada ano, uma contagem regressiva se estabelece para se desejar Feliz Ano Novo! Bilhões de pessoas desejam aos outros em comunhão ou a si mesmas em solidão que o ano seja novo, apesar de, nos primeiros segundos dele tudo continuar a ser o mesmo, e o feriado de Ano Novo apenas um breve interstÃcio na normalidade de antes. Algo decepcionante, mas não muito haja vista que o desejo de Ano Novo não é exatamente o que muitos esperam que se realize. Pelo contrário, em muitos casos, não se quer que o ano seja realmente novo ou, melhor, diferente.
É costume desejar Feliz Ano Novo!, mas o que não é costume é desejar que, de fato, o ano seja novo. Pelo contrário, há o desejo de que muitas coisas permaneçam como são, que não haja mudanças na vida, que não haja diferença no ano que se inicia. Rejeita-se o novo, mesmo o desejando. Normal, tendo em vista que o desejo, para muitos, é algo que deve ser rejeitado e só existe como falta ou algo proibido seja para um pensamento religioso, filosófico e mesmo cientÃfico. Desejamos no Ano Novo mudar de casa, cidade, Estado, paÃs, conhecer lugares diferentes, mas há o desejo de permanecer nestes mesmos lugares conhecendo apenas o nosso pequeno mundo, por pior que seja viver nele. Desejamos estar com outras pessoas afetiva e sexualmente, mas a pessoa com quem estamos é o que nos basta e pensamos que não precisamos dos afetos de outros. Algumas vezes, a pessoa é si mesmo, com a qual nos identificamos e com a qual nos apegamos a tal ponto de não querermos nenhuma outra pessoa entre-nós, isto é, entre o eu e si mesmo, e até mesmo ao ponto de alguns encenarem um casamento consigo mesmo e formarem um casal, quiçá uma famÃlia, de uma pessoa só. Desejamos outro trabalho, mas um trabalho novo pode dar muito trabalho, e preferimos então ficar com o mesmo trabalho para não dar muito trabalho, inclusive de procurar. Enfim, por mais que desejemos algo novo no próximo ano, pensamos que o velho nos parece de bom tamanho e não é preciso algo diferente para que sejamos felizes.
Nestes casos, a diferença é tediosa e mesmo algo que vem a nos tirar a felicidade que uma vida sempre do mesmo modo nos dá. Por mais tediosa que esta vida sempre a mesma também seja, melhor ela do que uma vida diferente. Muitas vezes nem mesmo conseguimos pensar numa vida diferente de tanto que nos acostumamos com a vida do jeito que ela é e acreditamos que ela é o nosso destino. Há uma felicidade, portanto, no comodismo, no sedentarismo, no determinismo. Séculos de evolução humana nos levaram a isso: o desejo de que nada fosse de fato novo, mesmo que assim desejemos.
Isso não quer dizer que não se possamos desejar algo novo, um ano novo, um Feliz Ano Novo!, que algo novo ou diferente nos possa trazer felicidade. Afinal, desejar não é pecado! O nomadismo também faz parte de nossa evolução e não foi totalmente superado pelo sedentarismo, nem tão pouco este é tão bom para nós como se pensa, nem para o corpo nem para a mente. A ausência de movimento para o corpo, mente, e até mesmo na história, é tão prejudicial quanto o movimento constante imaginado pelos sedentários em pânico por terem que se levantar da cadeira e andar um pouco ao ar livre. Nossos desejos de mudança são tão naturais quanto o desejo de permanência das coisas como estão. Por mais ordenado ou organizado que sejamos ou que desejemos que as coisas sejam, e que devem ser em alguns momentos para que felizes, a desordem e desorganização não deixam de fazer parte de nossas vidas, um desejo latente no meio de toda a normalidade social e evolutiva da espécie humana.
Há uma felicidade na ordem, mas também na desordem. Durante uma semana fazendo, em geral, as mesmas coisas, desejamos um pouco de desordem, não fazer o mesmo. O desejo de que as coisas continuem como estão não elimina o desejo de que possam ser diferentes, mesmo que não se saiba como. A cada fim de semana, esse desejo se fortalece na pergunta o que fazer?, e, no fim do ano, este desejo se amplia no pensamento para o que fazer no ano novo? E isso já nos seus primeiros segundos conforme os mais diversos ritos na terra, na água, no ar e no fogo, ou ainda, em muitos fogos de artifÃcio que desejamos que sejam diferentes do ano passado que já nem lembramos mais como foram e quanto tempo duraram devido a ressaca do dia seguinte se não fosse a Internet e o Google com as fotos do vexame que demos ampliando ao mundo nossa ressaca moral.
A cada Ano Novo é esta desordem que desejamos para nossas vidas, um pouco de caos na normalidade de nossa existência, um pouco de diferença em nossa identidade, porém, não muito. O novo não deve ser muito novo, não pode haver muita diferença. É preciso que algo permaneça em meio a todos os nossos desejos de mudança, nem que seja a lembrança do que passou e que dura em sua sensação em nossa mente, alma ou espÃrito. Por mais que desejemos um Feliz Ano Novo! não desejamos esquecer o Ano Velho que desejamos anteriormente como Novo, nem tão pouco todos os outros anos anteriores a ele, por mais que não nos lembremos de fato como foram, nem o que fazÃamos na passagem do Ano Velho ao Novo que agora será Velho também.
A cada passagem do Ano, do Velho para o Novo, resta algo que não queremos perder, não podemos perder, sob o risco de nos perder totalmente no Ano Novo que se inicia, de não nos reconhecermos, de não sabermos de nada do que virá. É um risco que muitas vezes não queremos correr, menos por comodismo e sedentarismo do que por necessidade de nossa existência, ou ainda, sobrevivência. Não queremos mudar, pois a mudança poder nos fazer ser algo que não desejamos ser, por estarmos felizes com quem somos, ainda que não totalmente. O Eu Velho ainda dá para o gasto, ainda que desejemos um Eu Novo com um corpinho mais desejável, de preferência sem precisar de academia e que possa comer de tudo sem engordar ou passar mal do estômago.
O acontecimento do Ano Novo nunca é verdadeiramente novo, e as previsões de um futuro melhor advém senão de causas adversas que não queremos ter em nossa normalidade como no Ano Velho que finda, ou em outros anos findados. Desejamos uma desordem, mas que não atrapalhe nossa existência, que a vida seja diferente, mas continue do mesmo modo que antes. Pensar assim é contraditório, mesmo paradoxal, mas desejar um Feliz Ano Novo! é desejar aquilo que de outro modo não pode ser desejado, aquilo que somente pode ser desejado negando, pelo menos em parte, nossa própria existência, aceitando que mude, que se torne diferente, abrindo-se ao novo e à felicidade que possa trazer pelo menos um pouco.
Por mais que desejemos que as coisas permaneçam como são, ao desejarmos um Feliz Ano Novo! é à diferença que desejamos, mas, para que haja algo diferente em nossas vidas, é preciso que não desejemos que as coisas permaneçam como são. Se é preciso que as coisas durem em sua intensidade de sensação na lembrança, é necessário que elas não impeçam que coisas novas apareçam, que haja uma diferença nas sensações, que a vida seja, de fato, diferente e o Ano, Novo. Enfim, que desejemos que o Novo, ou diferente, seja algo a nos fazer Feliz no Ano que se inicia.
Feliz Ano Novo? Sim. Com toda sua diferença, pois se tudo que pensamos é o mesmo, nada pode ser diferente.
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