Lula e a nova política
Lula é o mal, dizem aqueles que não votam e nem querem que votem nele. Isso se estende ao PT e à esquerda na medida em que é o maior líder vivo do PT e da esquerda no Brasil, bem como se estende a tudo aquilo que se relaciona a ele, ao PT e à esquerda, tudo que é pensado por eles, não necessariamente a partir deles de modo absoluto politicamente, pois nem tudo é pensado por eles. Há muitas justificativas dos que não votam em Lula para dizer que Lula é o mal, contudo, a principal delas foi dita por Deleuze em 1968, quando disse em seu livro Diferença e repetição que "(a diferença é o mal)", assim, entre parênteses, pois, a diferença deve ser presa. É porque é diferente, porque encarna uma política diferente, uma política da diferença, que Lula é o mal, que foi preso, pois a diferença é o mal para aqueles que defendem uma identidade social, política, econômica e nacional, para aqueles que não querem pensar diferente, nem pensar o diferente na democracia, que querem transformá-la numa ditadura e num fascismo, isto é, na defesa absoluta de uma identidade.
Votar em Lula hoje é renunciar a esta defesa absoluta da identidade que nega a diferença, que faz da diferença o mal para a sociedade, política, economia e, sobretudo, para a pátria e a nação, estes entes sobrenaturais da política em todos os povos. É renunciar à ideia de que a identidade é o bem e ao ser que se diz o bem, o "cidadão de bem", do ser que se diz diferentão, mas cuja diferença não é real, é uma cópia que, no fundo, no mais profundo de si, é apenas uma aparência da semelhança, isto é, de uma identidade reprimida, ansiosa por se fazer presente na superfície do corpo e da pele, uma diferença ansiosa por negar a si mesma, para não ser diferente, um democrata fingido que deseja o fascismo, um "bronzeado" que parece negro, mas, no fundo, é um branco querendo ser diferente para que se vote e continue votando nele.
Se hoje, a política no Brasil se faz no embate do bem versus o mal, sendo o mal Lula, o PT e a esquerda, este embate não é de hoje. Esta ideia é já muito antiga, desde os gregos ou, mais velho ainda, o paraíso cristão, e tantos outros lugares paradisíacos mitológicos do qual se sai porque se fez algo diferente do que deveria fazer, por ter desobedecido a um deus. Dizer "vai para Cuba" ou "vai para a Venezuela" nada mais é do que repetir o já repetido gesto original mitológico e religioso de um deus de expulsar aqueles que pensam e fazem diferente, de punir com a expulsão e, mais ainda, com o trabalho, ou sem ele, todos aqueles que não obedecem ao mando do patrão, o proprietário da terra, o dono da empresa. Dizer que a diferença é o mal e punir a diferença, aquele que faz a diferença, é o princípio da moral há muito tempo e, ao mesmo tempo, durante o mesmo tempo, para aqueles que pensam a diferença,
Tirar a diferença do seu estado de maldição parece ser, pois, a tarefa da Filosofia da Diferença. (DELEUZE, 2006, p. 57)
Tirar a diferença do seu estado de maldição não é, contudo, fazer dela o bem, remetê-la num discurso da identidade, mas pensar por que se diz que ela é mal, por que se recusa à diferença o bem, e, sobretudo, por que se faz mal à diferença, ao diferente, aqueles que fazem diferente. É pensar por que se deve renunciar à diferença e não se renunciar à identidade, por que se deve defender a identidade a qualquer custo, mesmo que isso produza milhares e milhões de mortos. Pensar por que se deve defender a "pátria" e a "nação" em vez de milhões de mortos nelas e por elas, por que se deve pegar em armas para matar todos aqueles que pensam diferente, "fuzilar a petralhada", aqueles que querem a diferença, um país diferente. Pensar, sobretudo, por que não se vota em Lula hoje, por que considerá-lo um mal e por que todo antipetismo e antiesquerdismo que se esbraveja radicalmente à mão armada contra ele ou se diz calmamente falando-se em lulismo em jornais tentando-se disfarçar a voz com uma escritura não menos vociferante contra o mal visto por eles.
Dizer que Lula, o PT e a esquerda é o mal faz parte da velha política da identidade que tem no pai, no macho, na pátria, na nação e seu apelo a si mesmos, de que tudo permaneça o mesmo, o seu princípio, pois esta é a Ideia, o Mesmo, ou ainda, o princípio de que, apesar das diferenças, se pense igual, o Igual, que se seja uma cópia, semelhante, ainda que seja diferente. É por isso que Bolsonaro, Moro e Ciro Gomes, este mais recentemente, e todos que os apoiam, dão no mesmo, pois ambos fazem parte de uma velha política da identidade da qual Lula não faz mais parte, da qual é um à parte, é uma parte que não representa mais um todo, a velha política como um todo. Mas que, como parte, ainda é remetida ao todo, à velha política, por aqueles que não conseguem escapar dela, da velha política do mal, de se denunciar o mal, de se dizer quem e o que é o mal, no caso, a diferença, o diferente, e se dizer o bem por si mesmo.
Não votar em Lula é não votar pela diferença, é não dizer sim ao diferente, a uma nova política, a política das diferenças, uma política de fato democrática, que não pensa que todos são iguais, (porque) todos são seres humanos, (e que) a lei deve ser igual para todos, pois a lei nunca foi igual para todos, pois todos que foram e são diferentes são tratados desigualmente por ela: indígenas, negros, mulheres, lgbtqia+, trabalhadores e pobres. A ideia de que a democracia é a política da igualdade é, no fundo, fascista e não por acaso o fascismo se instala na democracia, pois, esta o traz em si, em seu desejo de igualdade, o desejo do fascismo. Os gregos já diziam que se deve tratar os iguais como iguais e os desiguais desigualmente, esta é a lei e a política democrática deles, a lei e política democrática a qual idealizaram, mas que não se sustenta mais, não podemos mais repetir sem fazer diferente, sem pensar a diferença na democracia, a diferença da democracia, uma ideia e política democrática nova da diferença.
Se o Brasil é o resultado do encontro de povos desde o seu princípio, como também os gregos eram, não podemos ser como os gregos, o país de um povo, de uma nação, de uma identidade, nem tão pouco da mistura de etnias e raças pensada a partir de uma ideia higienista baseada numa teoria das cores que visa misturar todas as cores para que sejam uma só, o branco, europeu, cara pálida com coroa de ouro brilhante na cabeça em vez de um penacho colorido e com roupas coloridas. A democracia não se faz a partir de um povo, mas do encontro de povos desde os gregos, mas que eles negaram democraticamente ao pensarem em si mesmos como iguais, ao renunciarem à diferença, e fazerem da diferença um mal em si, uma má ideia, um simulacro. Já não podemos pensar mais deste modo, pois tal recusa da diferença é a recusa de cada povo e cada cultura à sua diferença, ao seu pensamento diferente e que nunca os povos serão iguais, a não ser na aparência, como cópias de uma identidade, semelhantes, irmãos, até mesmo de sangue, por se misturarem entre si e, nesta mistura, esquecerem suas diferenças.
Uma nova política a partir de Lula é uma política da diferença em que não somos irmãos, não somos semelhantes, não somos uma cópia, não somos iguais, não somos idênticos na democracia e que isso somente é o mal para aqueles que não querem pensar diferente, que não querem a diferença, que dizem que a diferença é o mal, e, se não conseguem recusá-la, tentam incluí-la num discurso da identidade, "salvar a diferença" de si mesma, do mal que ela é para eles, como padres e pastores cristãos que visam salvar indígenas e negros em sua diferença dos brancos europeus desde a colonização. Uma política da diferença é uma democracia em que se busca não a igualdade de todos, mas a equivalência de todos, que todos sejam equivalentes social, política e economicamente. É uma política sem fingimentos, sem vestimentas de padres e pastores fazendo discurso para irmãos que nunca foram de fato em suas diferenças, pois, no cristianismo, um irmão mata o outro quando este é diferente, mesmo que se arrependa no final, o que a morte de um irmão por outro denuncia toda a farsa religiosa de uma irmandade e de uma política de irmãos.
Uma política democrática da diferença não é uma política de irmãos, de iguais, mas de diferentes, de desiguais em forças, e em relação aos quais se busca equivaler, dar um valor equivalente. O voto como direito a todos é importante na democracia não porque torna todos iguais, mas porque dá o mesmo valor a todas as diferenças respectivamente, isto é, faz com que todas as diferenças tenham o mesmo valor, o mesmo peso em sua decisão nas urnas, que não votem por submissão a alguém por ter menos valor social, político e econômico. O voto é o direito à diferença mesmo que, matematicamente, seu peso seja um, e os votos sejam, assim, matematicamente, iguais num determinado número.
Se Lula se relaciona à nova política, mas não é seu representante absoluto, é porque a partir dele, e de muitos outros, se busca senão dar o mesmo peso para todos aqueles que são diferentes, à diferença. Como ex-presidiário, ele é o mal, justamente, por ser aquele que desde o encontro dos povos nestas terras é aprisionado injustamente como mal: o indígena e o negro, homens, mulheres e crianças tornados escravos e punidos ao trabalho pelos cidadãos de bem em nome do deus cristão que puniu pela primeira vez aqueles que pensaram diferente dele. E, não por menos, aprisionados ao trabalho como trabalhadores no capitalismo que, quando buscam escapar de toda forma ao trabalho, são vistos como vagabundos, criminosos e presos. Chamar Lula de ex-presidiário é uma velha política daqueles que querem aprisionar a diferença para fazê-la temida, é o moralismo da identidade que não quer que ninguém pense diferente senão vai preso, que nega o trabalhador como trabalhador, como aconteceu na ditadura militar defendida por Bolsonaro e no fascismo defendido por Hitler e Mussolini, e também na democracia grega, quando Sócrates pensa diferente e é morto por causa disso.
A prisão é a marcação e demarcação da diferença, daquilo que é visto diferente pelos ditadores, pelos fascistas e pelos democratas que se dizem cidadãos de bem. Prender é o último recurso de uma identidade que não aceita e tão pouco tolera a diferença, e ao qual muitas diferenças não têm direito, pois, a morte é o primeiro recurso da defesa da identidade, em defesa da lei da igualdade, falha desde o princípio, quando o diferente é morto por pessoas armadas, cidadãos de bem, PMs e, não por menos, também, por criminosos que buscam na identidade marginal uma identidade perdida. É por um retardamento da morte que se pensa na prisão, como último gesto de "benevolência" e só por engano que se pensa nela como anterior à morte que é sempre primeira, pois o diferente deve morrer para que a identidade viva e sobreviva.
A prisão é o lugar em que a diferença é vista como mal, com o qual se marca aqueles que pensam diferente e com os quais não se quer que se tenha relação. É o lugar do excomungado da religião dos irmãos e dos iguais, do desigual, o canto da desonra, o "cantinho do pensamento" no qual se pensa "no mal" que é e/ou fez. Era senão necessário para direita ditatorial e fascista prender Lula, como também vários integrantes do PT e da esquerda, para defender a identidade de uma nação e pátria que nunca existiu aqui, pois nunca houve e nunca haverá nação e pátria chamada Brasil, não importa os que defendem o verde e amarelo. Era necessário isso para que a direita buscasse eliminar de vez a diferença, defender a pena de morte do diferente, do "bandido", no caso, de Lula, de quem é do PT, de quem é de esquerda, como na ditadura militar e no fascismo, que nunca foi e nunca será de esquerda. Não se pode votar num bandido, diz a direita, nem em quem defende bandido, como o PT e a esquerda fazem. Votar naquele que foi preso representa o mal.
O problema é que a diferença enquanto mal não pode ser presa. Não há justificativa para isso. A diferença é inocente por natureza, tendo em vista que a própria natureza produz a diferença, mas, principalmente, a diferença é inocente por direito. O direito à inocência é o direito à diferença, à toda e qualquer diferença, pois, não importa o quão diferente seja, a diferença é inocente perante a lei até que se prove o contrário, isto é, até que se julgue e se sentencie que a diferença é um mal, pois a diferença é sempre fora da lei. A diferença nunca está prevista na lei e o que não está previsto na lei não é mal, tão pouco, o bem, mas é feito mal na medida em que a lei determina que é mal, e por isso era preciso prender Lula, para que se fosse visto como mal, para que sua diferença, do PT e da esquerda na política fosse vista como um mal.
Lula é inocente, pois a diferença é inocente, não se pode culpar ou maltratar a diferença. A diferença é livre de culpa e de todo o mal mesmo que não seja o bem. É para livrar a diferença do mal que o voto em Lula é necessário. É preciso uma nova política que não aprisione mais a diferença, que não faça do diferente um criminoso, um pária da sociedade, da política e da economia. Lula livre é o sinônimo de uma diferença livre, de uma democracia livre, de todos nós livres de todos aqueles que querem fazer da da diferença, e da nossa diferença, um mal.
Votar em Lula é um voto útil para valorizarmos a diferença e renunciarmos à identidade dela como mal. É nossa tarefa pensar a diferença diferente. Um país diferente é um país da diferença, que não vê a diferença como um mal e a identidade como um bem, nem a inversão disso. Renunciar à identidade não é renunciar à cultura de um povo, ao que faz que cada povo seja diferente, é renunciar à defesa da morte do outro por ser diferente, por ser um povo diferente. À cada vez que se defende a identidade, um outro morre, a diferença morre por ser diferente, por não defender a identidade de um povo.
Lula é o mal. É preciso reafirmar isso. É preciso dizer SIM a isto, ele é o mal, pois é diferente, a prisão marcou e demarcou precisamente sua diferença como ex-presidiário. Mas porque Lula é diferente, ele está livre, não pode ser preso, é inocente, e para que estejamos também livres em nossa diferença inocente é preciso votar nele. A liberdade é o direito à diferença, dos diferentes, daqueles que não podem ser presos a e por uma identidade, à ideia de uma identidade. A liberdade é, e se sempre será, aquilo que se liberta de uma identidade, neste caso, da identidade de uma velha política.
Uma nova política da diferença é um política à parte, que se separa da velha política, mas não deixa de carregar esta velha política em si, como parte de si, uma dentre tantas outras partes diferentes que não pertencem mais a si, como Lula não pertence, como todos aqueles que querem ser livres dessa velha política da identidade branca já não mais pertencem. Já não fazemos mais parte dessa velha política, ainda que estejamos presos nela e à ela, por natureza e culturalmente, de fato e de direito. Mas pensamos que é preciso uma nova política, uma política diferente e esta nova política começa votando em Lula, isto é, renunciando a todo e qualquer mal que ele, o PT e a esquerda representem numa velha política que quer que os vejamos deste modo. Votar em Lula e em todos aqueles que não querem a velha política da identidade é votar à esquerda, pois à direita, não é possível nenhuma diferença, já que representa e sempre representará a velha política da identidade.
E o mensalão e o petrolão ? é a nova política?
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