O fim da filosofia no Novo Ensino Médio
Para quem ainda se iludia de que haveria filosofia no Novo Ensino Médio e se deixou enganar por uma falsa inclusão da interdisciplinaridade e transdisciplinaridade com os novos livros didáticos, quando isto já existia nos antigos, e mesmo entre projetos de professores de Humanas, a realidade que se demonstra claramente com a escolha do livro didático na área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas demonstra o fim da filosofia enquanto disciplina e sua figuração nos novos livros apenas como apêndice, algo descartável quando problemático, uma perfumaria ética aplicada a assuntos que não lhe dizem respeito e de cuja discussão pode muito bem ser excluída sem qualquer demérito para a compreensão, nem mesmo sendo necessário um professor formado em Filosofia para falar sobre eles.
Na prática, o que aconteceu foi esquematicamente o seguinte:
- Redução do conteúdo para o mínimo;
- Pulverização do conteúdo em diversos livros impossibilitando um planejamento coerente;
- e a PERDA DA AUTONOMIA NA ESCOLHA DO LIVRO DIDÁTICO, já que professores de História e Geografia são maioria.FILOSOFIA NO NOVO ENSINO MÉDIO NA PRÁTICA
A ausência da filosofia com seus conteúdos particulares e apenas figurando em assuntos que dizem respeito propriamente à História, Geografia e Sociologia já tinha sido percebida pelos mais atentos no documento enviado pelo Governo do Estado do Ceará, em particular, em consonância com o Governo Federal e MEC, e que fazem eco à Reforma do Ensino Médio que excluiu o ensino disciplinar em proveito de um ensino por área, valorizando para além das disciplinas, um "itinerário formativo" escolhido pelo estudante. A partir disso, o fim da filosofia era inevitável se levarmos em conta que a filosofia não é a discussão de assuntos históricos, geográficos e sociais e possui um corpus teórico em particular, em outras palavras, que não é uma conversa de bar sobre os assuntos da atualidade em comparação com sua realidade histórica passada, a não ser quando filósofos vão ao bar, e não para a sala de aula na escola, muito menos numa universidade. Se isso agrada à jocosidade filosófica quanto à inutilidade do filósofo, isso tem consequências que vão para além da jocosidade, com a perda de trabalho para professores de filosofia recém-formados e o desestímulo daqueles que trabalham, mas sem qualquer perspectiva de ensino em filosofia, já que o conteúdo é minimo e terão que ensinar História, Geografia e Sociologia.
Porém, para aqueles que acham que a filosofia se resume a uma prática sem qualquer teoria, numa ética aplicada sem qualquer relação com uma ética teórica, metafísica, ontológica, que o conhecimento é puramente científico, e deve ser visto como tal, os livros didáticos são ótimos. Contudo, enquanto as outras disciplinas mantêm seus conteúdos principais, com apenas algumas omissões sentidas, a Filosofia perdeu literalmente sua "alma" com os novos livros didáticos. Ela é apenas um "espírito" no curso da história, da geografia e da sociedade, sem se deter em nenhum momento em seu pensamento sobre si mesmo, seja em sua identidade, como eu e sujeito, seja mais recentemente em sua diferença, como outro e alteridade objetiva.
Em outras palavras, é a filosofia no Novo Ensino Médio é um indivíduo que já não se percebe e se pensa em si mesmo para além de sua aparência histórica, social e geográfica, e se isso está de acordo com o tempo "líquido" em que vivemos, está em desacordo com a filosofia propriamente que, se é líquida, não deixa de se deter de algum modo adquirindo uma "forma" em particular, seja a de uma "imagem-movimento", seja de uma "ideia", e é deste modo que a partir dela se analisa a realidade para além dos assuntos em sua temporalidade líquida, fazendo uma crítica a si a partir de um ponto de vista sólido, permanente, tendo em vista a própria permanência do ser em sua perseverança pela vida independente de sua história, geografia e da sociedade em que vive.
Para quem acha que é possível fazer filosofia sem crítica teórica, e que se deve apenas pensar na filosofia de um ponto de vista "prático", sem questionar o que é esta prática inclusive do ponto de vista filosófico, os livros didáticos são um anseio capitalista consumista realizado. Não à toa a filosofia propriamente no que é teoricamente se restringe à universidade, a única na qual ainda é acolhida e até desta corre risco de ser expulsa por ser antifascista na realidade fascista em que vivemos. Não é possível ser filósofo na prática sem sê-lo na teoria, mas o que se coloca a partir de agora é uma filosofia na "prática", no caso, numa prática fascista, em que ela é cada vez mais a resistência.
Em princípio, a resistência de uma minoria de professores, quantitativa e qualitativa, que já não têm mais o poder sobre si, sobre o seu conteúdo, sobre o seu fazer prático, reduzido à necessidade de discussão de assuntos sobre os quais deve conversar, mais do que questionar, pois o questionamento destes assuntos o levam senão a teorizar, algo impossível de acontecer ao observar os conteúdos de filosofia nos livros didáticos, que se resume a uma ou duas páginas e se exaurem em pouco mais de mais 10 páginas em cada um dos 6 livros nos quais se distribuem os conteúdos da área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas.
Qualquer planejamento no que diz respeito a uma relação entre conteúdos entre os assuntos propriamente filosóficos é uma perda de tempo, no caso, uma perda de meses e anos, dependendo dos volumes adotados para cada ano. Neste sentido, a discussão de um pensamento sobre um conteúdo no livro 1, por exemplo, adotado se for o caso no 1º ano, somente tem continuidade meses ou anos depois praticamente sendo impossível a lembrança e a relação de um assunto com outro senão com uma absurda digressão teórica. Esta perda de relação entre conteúdo é uma perda de tempo, mas, principalmente, de uma relação entre as ideias filosóficas, uma impossibilidade mesmo da existência delas numa compreensão, ou seja, a filosofia perde cada vez mais o seu sentido, se tornando mesmo desnecessária, assim como o professor formado especificamente para ela.
Na prática, o Novo Ensino Médio não destrói a disciplina em sua aparência, mas em sua essência, nas ideias que possam ser formadas a partir de uma perspectiva filosófica. Toda e qualquer reunião dos assuntos é impedida pela exclusão ou impedida de existir assim como a reunião de pessoas numa ditadura militar, pois se sabe que dali alguma ideia revolucionária pode existir, algum pensamento que abale o sistema político como um todo assim como o sistema econômico. Não há união dos pensamentos filosóficos entre si num determinado assunto, muito menos entre os pensamentos das diversas disciplinas e é uma conversa de surdos o que há, como na escolha do livro didático, em que cada um se fecha na sua escolha por disciplina, algo óbvio, e não importa se o livro escolhido não contempla os conteúdos de outra disciplina.
Se a interdisciplinaridade e transversalidade propõem uma relação entre os diferentes, e do outro incluído numa percepção individual, por vezes individualista, egoísta, o que se tem com a escolha do livro didático por área é justamente o contrário disso, e a valorização majoritária de algumas disciplinas em relação às outras, no caso, principalmente da História e Geografia. Se há uma exclusão da Sociologia também por um lado a partir de um devir-minoritário semelhante ao da Filosofia, é inegável que seus conteúdo ainda são mais "científicos" e, portanto, considerados, "práticos" ou "empíricos", diferente da Filosofia que é particularmente "teórica" e "abstrata". Porém, ainda assim sendo ambas submetidas à vontade da "maioria", de uma "democracia" que não passa de uma contagem de votos no qual elas são votos vencidos, já que um professor de Filosofia e um de Sociologia não são suficientes para se sobrepor aos votos dos professores de História e Geografia em maioria numérica.
A perda de autonomia do professor de Filosofia quanto à escolha do livro de didático e conteúdos específicos a partir destes é a perda do próprio rumo da filosofia no Novo Ensino Médio e, propriamente seu fim. Não há como pensar a filosofia sem pensar a perspectiva de um eu, de um sujeito que em sua razão se identifica para além da aparência que tem na realidade histórica, social e geográfica idêntico ou diferente em relação a outros. O filósofo não existe um pensamento da realidade que parta de si mesmo e não de outro, ainda que este outro seja ele mesmo, como o produto de uma realidade histórica, social e geográfica de modo objetivo.
Não se trata de uma defesa de um eu e de uma sujeito em sua identidade, mas de sua alteridade em relação à identidade histórica, social e geográfica em que vive, de um eu e de um sujeito que é, porém, que não existe ainda a não ser por meio das identidades constituídas. O filósofo é um eu e um sujeito que não se identifica consigo mesmo, que rompe com toda a identidade que não é constituída por si, que é o resultado da escolha dos outros, e é isto que ensina propriamente em sala de aula. É um eu sujeito diferente, por vir, e que ensina a ser diferente em si mesmo, a diferença em si mesma como a possibilidade de uma vida por vir na realidade e não fora dela.
O fim da filosofia no Ensino Médio, reduzida a conteúdos mínimos, dispersos em livros com conexão limitada e mesmo impossível, sobre os quais o professor não tem autonomia é o fim da possibilidade de um Ensino Médio diferente, de um "novo" que não seja o mais do mesmo, que não seja apenas informações sobre a realidade para o consumo e conversas mais intelectualizadas, porém, sem uma discussão mais detidamente, mais lenta e que resulte em mudanças mais duradouras e benéfica para todos e não só para os "escolhidos" e quem os escolheu. Mas se para alguns falar de fim da filosofia no Novo Ensino Médio é algo pessimista demais, pois ainda há filosofia, não é ao pessimismo que aqui se estimula, mas à resistência àqueles que querem fazer do filósofo um pessimista, alguém inútil e que se sente inútil na realidade. Não é a filosofia propriamente que chega ao fim e não chegará facilmente enquanto houver quem pense a realidade de modo diferente e não com a mesma em seu eterno retorno do mesmo.
A filosofia é resistência à realidade social, histórica, geográfica e é esta sua razão de ser, mesmo que alguns a tentem determiná-la a partir de sua aparência no mundo social, histórico e geográfico.
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