Foucault e a pedofilia na filosofia
A notÃcia de que o filósofo francês Foucault teve relações sexuais com crianças de 8 a 10 anos na TunÃsia, na década de 60, segundo a afirmação de Guy Sorman na publicação do Sunday Times, "French philosopher Michel Foucault ‘abused boys in Tunisia’", de Matthew Campbell, retoma um pensamento caro aos filósofos desde o Banquete, de Platão, até as obras de Freud quando a sexualidade é pensada desde a infância.
Trata-se da velha questão filosófica entre desejo e amor, na qual a pureza deste contrasta com a impureza daquele, e que atravessa a história humana, em particular do Homem, e deste como europeu em sua moral do amor religioso contraposta a uma ética do desejo filosófico.
Qualquer decisão, neste sentido, é algo particular ao se privilegiar uma e outra disciplina do pensamento, tendo como princÃpio a lei moral, e sua disciplina e controle necessário da vida de modo biopolÃtico, ou a ética fora da lei moral, que pensa a lei fora da lei, indisciplinada e sem controle de sua vida pela repressão biopolÃtica. Pode-se pensar os atos de Foucault tanto de um ponto de vista moral como ético, em trânsito, de modo indecidÃvel, mas não se pode furtar à decisão, seja qual for, legal ou não.
Moralmente, os atos de Foucault revelam o homem europeu que é reprimido em seu desejo desde a assunção dos padres disciplinadores que, com suas varas, pervertiam os corpos dóceis infantis disciplinando os desejos destes, porém, não seus próprios desejos pervertidos, denunciados pelo próprio Foucault. Não há dúvidas, neste caso, e Foucault mesmo admitiria isso, que tal ação é inadmissÃvel, por remontar a Má educação que Almodóvar nos lembra tão bem em seu filme com este nome e que violenta corpos ainda hoje dentro das Igrejas de todas as religiões, mas também nas escolas e faculdades universitárias de todo o mundo. Eticamente, Foucault também admitiria, o desejo não pode ser reprimido, não que não se o deva reprimir, pois, mesmo reprimido, ele retorna como um recalque, um fantasma, um assombro para aqueles que o reprimem.
Foucault não reprimiu seus desejos como se deve fazer, mas outros o reprimem, e eis que seu desejo retorna para lhe assombrar agora novamente. Não se pode defender Foucault, nem mesmo acusá-lo, por seu desejo, tão inocente quanto o das crianças que corriam, pressupostamente, para se relacionar sexualmente com ele. Se o desejo de Foucault é inocente, porém, ele não é, sabemos muito bem disso, pois não se pode negar que há uma diferença entre o desejo adulto e o infantil, que o adulto tem consciência do seu desejo e a criança não tem, no caso, não tem a consciência do sofrimento que o desejo pode causar para além do princÃpio do prazer ao satisfazê-lo.
É neste sentido que o Banquete de Platão nos adverte sobre o problema na relação pederasta dos velhos com os jovens, no amor pelos jovens, ou ainda pelas crianças, que ainda se deixam enganar pelo desejo pensando que há apenas prazer nele, sem sofrimento algum. É preciso pensar neste engano da criança, ainda mais quando é produzido por quem é mais velho em relação à ela, mas também em relação aos jovens e não por menos também a adultos, que tem consciência de que não há apenas prazer no desejo, há também sofrimento, mas são enganados quanto a isso. Se não se pode reprimir o desejo, pode-se reprimir o sofrimento que possa causar, e é, senão, neste sentido, que podemos julgar os atos de Foucault, e de todos aqueles que agem como ele, porém, não o próprio Foucault em seu desejo edipiano reproduzindo a culpa do homem europeu reprimido em seu desejo que violenta as crianças com sua vara, disciplinando o desejo delas. Muito menos se pode julgar a obra de Foucault que mais do qualquer outra, inclusive, por este fato, serve para se pensar a repressão da sexualidade, assim como a de Heidegger, por sua assunção ao nazismo, serve para pensar o nazismo em seu desejo antes mesmo de se dizer nazista, sem se admitir que é nazista, como analisam Deleuze e Guattari em O anti-Édipo.
Se não se pode separar os "atos" de "Foucault", tão pouco se pode considerá-los os mesmos, pois não se pode pensar o ser e sua aparência do mesmo modo. O que Foucault é não é o que Foucault faz. O ser está sempre na sombra de suas ações, apagado na aparência dos seus atos. Na aparência destes atos, já não se pode dizer quem é Foucault, e Foucault deve ser julgado senão por seus atos, estes considerados pedófilos dos quais se toma conhecimento, ainda que de modo vago, assim como os outros que compõem toda sua vida e obra.
Quem é Foucault, o pedófilo ou o filósofo, o que sente prazer com crianças ou o que sente prazer com o saber, não se pode decidir simplesmente a não ser negando um ou outro, isto é, utilizando um pensamento moral dialético, em que um prazer deve superar o outro, algo que é senão impossÃvel, e que Foucault recusou em seu pensamento e nos ensinou a pensar em seus limites institucionais e microfÃsicos. Devemos como filósofos pensar nisso, pois não podemos negar um e outro, tão pouco admitir um sem o outro, ademais que, desde Sócrates, nós, filósofos, fomos desde então punidos por perverter os jovens e, neste caso, também as crianças.
A questão da relação da pedofilia com a filosofia está, assim, na origem da filosofia quando esta é julgada pelas leis morais de cada sociedade como uma perversão das leis e costumes ensinados aos jovens por meio dos mitos, não se podendo perverter os mitos, isto é, o pensamento em sua infância, o pensamento infantil dos deuses e monstros, do bem e do mal indo para além destes. Porém, eis o problema, não se pode pensar a filosofia sem a perversão da infância no pensamento, portanto, sem pôr em crise o pensamento infantil em seu desejo de prazer sem sofrimento, do bem sem o mal, seja numa Ilha dos bem-aventurados, num paraÃso ou terra prometida, ou num terra verdadeira, segundo Platão. Isto é, sem fazer as crianças sofrerem em seu desejo de prazer sem qualquer mal. A questão é de que modo a filosofia perverte a juventude, em seu corpo ou em sua mente, em relação aos desejos.
Se a filosofia é a perversão da juventude ela é em relação ao pensamento, e coisa de velho neste sentido, ela não pode ser a perversão do corpo da juventude como acontece na disciplina, controle e lei moral biopolÃtica. É no pensamento que a criança e o jovem deve ser pervertido para se tornar adulto tendo consciência do sofrimento em seu desejo de prazer, para que este não o faça sofrer para além do princÃpio do prazer em seu corpo. É tendo em vista o cuidado o corpo em seu desejo de prazer, isto é, o cuidado de si, que a filosofia, deste modo, perverte a juventude, bem como os costumes e leis morais aprendidas desde a infância que se opõem aos desejos de prazer pelo prazer, e não pelo sofrimento que o desejo de prazer causa em alguns casos, impondo uma disciplina e controle biopolÃtico. Esta foi a perversão pela qual Sócrates foi julgado e, malgrado, também Foucault, apesar de seu julgamento ser quanto ao desejo de prazer pelo prazer.
Não podemos, neste sentido, ultrapassar os limites do corpo em nossos pensamentos, o corpo é o limite mesmo do pensamento, aquilo que limita a ação do pensamento em seu desejo de prazer pervertendo o corpo, negando-o, denegando-o, neutralizando-o, violentando-o e superando-o no que é a partir de uma alma ou espÃrito humano e divino. Qualquer ultrapassagem do pensamento em seu desejo de prazer em relação ao corpo é inadmissÃvel e repreensÃvel pelo pensamento que deve se limitar em seu desejo de prazer em relação ao corpo para não se exceder e se impor ao corpo, seja o de uma criança, o do jovem o de um adulto e, não por menos, também o seu. O desejo de prazer do pensamento não pode se impor ao desejo do corpo em seu desejo de prazer fazendo-o sofrer.
O problema da pedofilia de Foucault é, neste sentido, um problema filosófico, o da imposição do pensamento sobre o corpo, sem pensar no sofrimento do corpo que é o sofrimento do outro em relação ao pensamento, outro cujo corpo deve ser pensado para além do princÃpio de prazer do pensamento. Se não se pode negar o desejo de prazer do pensamento, tão pouco se pode negar o sofrimento que causa ao outro, ao corpo, ao corpo do outro, neste caso, o de uma criança e jovem, de modo pedófilo, assim como causa em um adulto e a si mesmo. Em ambos, deixa-se a marca indelével da violência que é, em princÃpio, uma violação do corpo, uma ultrapassagem dos limites impostos por ele a tudo que não é ele, isto é, a tudo que não é um corpo como ele em seu desejo de prazer, a tudo que é diferente dele em seu desejo de prazer e, portanto, fá-lo sofrer ou o faz mal, como o pensamento em seu desejo de prazer diferente do corpo. E, no que diz respeito à marca desta violência, sofrimento e mal, ela permanece numa criança e jovem por muito mais tempo, sua vida quase toda.
É preciso, neste sentido, pensar no amor ao saber do filósofo de modo ético, no desejo de prazer do pensamento em relação ao desejo de prazer do corpo para além do modo moral como se pensa ao se julgar o caso de Foucault assim como se julgou o caso de Sócrates, e ainda o caso de todos os filósofos imoralistas na história, como Giordano Bruno, Copérnico e Galileu que perverteram o juÃzo infantil eclesiástico medieval sobre a Terra. Não é voltando a uma infância do pensamento, no qual a filosofia é vista como perversa, e os filósofos pervertidos, que vamos chegar a um pensamento adulto, isto é, à consciência dos nossos desejos em seus prazeres e sofrimentos, discernindo até que ponto se deve satisfazer o desejo de prazer do pensamento para que ele não se torne sofrimento, deste modo pensando a arqueologia do saber e poder em sua verdade a partir de Foucault, ainda mais agora do que antes e não menos.
Se Foucault não pode responder mais por si, nós, filósofos não podemos deixar de responder e sermos responsáveis pela resposta à questão da pedofilia na filosofia.
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