Natal sem presentes...

dezembro 24, 2020

Há quem goste do Natal pelos presentes, as crianças principalmente. Há quem goste pelas comidas ou pelas bebidas, ou ainda, pelo excesso e exceção das festas quanto aos limites de comer e beber. Há quem goste por motivos religiosos ou simplesmente naturais como o solstício de inverno. Há quem goste do Natal porque é uma das melhores épocas do ano para ganhar mais dinheiro, e também para gastar, mantendo o mercado capitalista sem crise. Há quem goste do Natal para ser solidário pelo menos uma vez ao ano disfarçando com boa vontade sua má vontade durante o ano inteiro. Há diversos motivos para se comemorar o Natal, mas o principal deles é a presença de alguém em sua vida, estar próximo dela, reunido em família, entre amizades ou desconhecidos recém-conhecidos.

Num ano em que cada pessoa no mundo foi obrigada a se isolar, nunca se sentiu tanto falta da presença de alguém na vida, de estar próximo dela, reunindo-se com ela. Isso pode parecer estranho, afinal, estamos sempre próximos de alguém no nosso dia a dia. Todavia, essa proximidade é ilusória, pois durante o ano estamos isolados em nosso individualismo sem nos darmos conta de nossa distância em relação aos outros, mesmo quando estão tão próximo de nós, algo que a pandemia da Covid-19 nos fez perceber radicalmente. E nem mesmo as tecnologias foram capazes de nos fazer esquecer o quanto estamos sós no nosso dia a dia em nossas tarefas cotidianas e necessitamos da presença de alguém.

É este sentimento de solidão que se manifesta particularmente no Natal todos os anos e faz as pessoas se reunirem superando as distâncias que há entre elas. Há outras festas que reúnem as pessoas, obviamente, mas nenhuma delas como o Natal quando o objetivo é estarem juntas. O Ano Novo seria outra a fazer isso, mas nele as pessoas se reúnem para passar o tempo e no Natal é, pode-se dizer, para passarem um tempo juntas, pois os diversos motivos pelos quais se gosta do Natal, no fim, levam a isto.

Ninguém gosta de ficar só no Natal, pois a solidão que existe durante o ano todo se torna ainda mais visível. Comemorar o Natal é estar com alguém, seja parente, uma amizade ou alguém para ficar junto apenas esta noite, de conchinha. No Natal, mais do que presentes é preciso estar presente e este ano demonstrou como a presença de alguém é o que importa nesta época do ano, ainda mais com as perdas de parentes e amigos na pandemia. E se a Covid-19 se tornou uma doença cruel não foi somente por causa das morte que produziu, mas também por aumentar o afastamento das pessoas entre si, ainda mais por causas políticas.

Se este ano se tornou tão intolerável até agora é sobretudo por a pandemia aumentar a distância entre as pessoas, a qual é disfarçada no cotidiano por estarem próximas uma das outras, mas não unidas. A pandemia fez as pessoas sentirem vontade de se unir, algo bem diferente da vontade de sair de casa por simples individualismo. A vontade de se unir é vontade de estar presente, próximo, reunido come quem é necessário para sua vida, o que acontece no Natal a cada ano e neste ano em muitos casos não é possível.

Em tempos de crise como o que vivemos, a união é a força que precisamos para continuarmos existindo e sem a presença de alguém importante em nossas vidas isso se torna muito mais difícil. O Natal é o momento de pensarmos nisso, o quanto a presença de algumas pessoas importam para nossa vida, ainda mais depois nessa pandemia, quando correm risco de morte. Pior, quando a morte pode ser produzida por nós ao estarmos presentes, pois a pandemia tornou a todos assassinos em potencial e quem não se importa com isso é porque não se importa com a morte dos outros, nem de matá-los, mesmo seus parentes e amizades queridas, para além dos desconhecidos.

Neste Natal não são presentes que faltam apenas para muitos, é a presença de muitos com suas famílias, por estarem mortos ou em isolamento para não morrerem nem matarem ninguém. Mesmo presentes, é a ausência dos presentes que faz falta neste Natal e se não é possível desgostar desta época, há um desgosto por nela muitos não poderem estar presentes. O Natal, como símbolo de nascimento, da presença da vida na reunião de todos os parentes e amigos, se tornou amargamente um símbolo de morte e luto neste ano que não pode ser esquecido.

O gosto do Natal este ano é amargo, uma amarga lembrança do que ainda vivemos, de que ainda vivemos e de muitos terem morrido. Celebrar sua data este ano é celebrar os mortos em cada abraço e sorrisos não dados, perdidos na lembrança deste ano que acaba, mas antes de acabar levou muitas vidas queridas. Não há motivos para sorrir, mas ainda há para se unir, e lembrar de todos que estiveram presentes em muitos natais e hoje não podem estar presentes em vida.

Depois de um ano em que a distância que existe entre todos se tornou absurdamente mais sentida, a reunião de Natal é senão mais querida para nos lembrar como devemos nos manter unidos em defesa da vida daqueles que queremos próximos de nós, parentes, amigos ou pessoas desconhecidas, pois é a reunião de todos que importa no Natal, ainda mais neste ano de pandemia, sem pôr em risco ninguém, porém, com sua companhia, como deve ser senão todos os dias, independente da pandemia.

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