Da arkhephilosophia
Na primeira postagem deste blog foi explicado brevemente seu subtítulo, Filosofia em tempo real, mas nunca seu título atualmente Arkhephilosophia em vez de Arkhephylosophia como era anteriormente, tendo sido modificado o y pelo i, uma alteração circunstancial, mas não menos profunda em sua concepção a qual deve ser explicada assim como o seu subtítulo foi no começo deste blog, pois todas as postagens anteriores e posteriores a esta dizem respeito ao que é a arkhephilosophia aqui concebida como questionamento da origem da filosofia.
O que se entende ora por arkhephilosophia, este neologismo que antepõe a palavra arkhé à palavra philosophia, transliterações das palavras gregas ἀρχή e Φιλοσοφία, já estava pressuposto desde a primeira postagem deste blog ao se referir nela a um a-partamento que quer dizer uma separação que é ao mesmo tempo uma ligação e que é o que se coloca em questão com a arkhephilosophia, inclusive na transliteração das palavras gregas como processo de mapeamento de uma escrita em outro que difere de uma tradução por ser notadamente relacionada à escrita e não ao significado de uma palavra traduzido de uma língua para outra ou de um significante por outro. Se há uma fidelidade à língua grega é apenas em relação ao suplemento do signo como significante neste caso e não ao signo em seu significado, buscando-se uma aproximação entre a escrita grega e a escrita portuguesa, porém não totalmente como no caso da palavra arkhé que se translitera em geral por arché ou arqué, mas é aquela forma mais usual nos textos filosóficos, neste sentido novamente se ressaltando o modo como se escreve, inclusive comumente e não como se diz numa norma escrita, a qual a escrita em geral se esquiva. No caso da introdução do y em philo em princípio ao invés de i é algo inexplicável, somente percebida tempos depois que tornava a palavra, por assim dizer, intraduzível segundo o seu léxico. De certo modo, com a mudança da letra houve uma perda de originalidade na escrita, mas necessária para a compreensão do seu sentido, qual seja, o de origem da filosofia tal como se traduz de modo literal, por assim dizer, a palavra arkhephilosophia.
Esta questão linguística e gramatológica não é sem razão, pois em tudo isto está implicado a origem da filosofia que é o que está em questão nos textos deste blog, e o que se entende por a-partamento em relação à origem da filosofia, e à própria origem posta em questão nela, está diretamente relacionado à língua e linguagem, particularmente a filosófica em relação à realidade, motivo do subtítulo filosofia em tempo real. No caso, um a-partamento em relação à realidade a partir da língua(gem) filosófica colocada em questão por Sócrates na A República de Platão ao perguntar "Então, denominaremos filósofos apenas aqueles que em tudo se prendem à realidade?" Questão paradoxal e abissal que não foi questionada por Glauco no momento, apenas pressupondo aquilo que Sócrates queria que pressupusesse concordando com o mestre: "Sem sombra de dúvida."
Se para Glauco não há nenhuma sombra de dúvida que os filósofos são apenas aqueles que em tudo se prendem à realidade, a pergunta de Sócrates no fim do Livro V d'A República é um divisor de águas: d'A República composta de 10 livros e n'A República no que diz respeito ao que pretende Platão com ela. Isto porque ao estabelecer com esta pergunta em particular a diferença entre os amantes da opinião e os amantes da filosofia, estes presos à realidade enquanto aqueles não são, o que se tem a partir desta diferença, e da diferença em particular, é um a-partamento dos "filósofos daqueles que o não são" em relação à realidade, isto é, uma separação dos filósofos em relação àqueles que não são filósofos por meio desta separação, todavia, se ligando aos que não filósofos. Uma questão paradoxal, de fato, ao ser a separação uma ligação ao mesmo tempo, mas é isso o que quer dizer a-partamento aqui, a expressão deste paradoxo do filósofo em relação àqueles que não são, e que é senão a origem da filosofia.
Este a-partamento é acentuado por Sócrates logo no início do Livro VI ao fundamentar a diferença dos filósofos como "aqueles que podem chegar ao conhecimento do imutável, ao passo que os que não podem, mas erram na multiplicidade dos objetos variáveis, não são filósofos" e, mais ainda, ao pressupor que a república como forma de governo do Estado deve ser governada senão pelo filósofo como homem sábio e justo por em tudo se prender à realidade com o seu conhecimento do imutável, a saber, o conhecimento das Ideias segundo Platão, um conhecimento inteligível e não sensível, racional e não passional. O paradoxo desta questão colocada por Sócrates, ou ainda por Platão, se acentua na medida em que ao mesmo tempo que o filósofo é considerado como o único que se prende à realidade não é assim que ele é representado na realidade desde Tales de Mileto quando é ridicularizado por cair num buraco enquanto olhava para o céu tal como descreve Diógenes Laércio. Neste sentido, existe até hoje a opinião de que o filósofo vive fora da realidade, no mundo das Ideias tal como diz Platão, mas ao contrário do que ele pensava, pois quem vive no mundo das ideias é considerado fora da realidade, não preso a ela, um louco no caso, característica acentuada particularmente pelos próprios filósofos ironicamente ou de modo cínico como faz Diógenes de Sinope, o Cão, que vivia num barril, e acentuada por tantos outros que foram considerados loucos por seus pensamentos e ações estarem em desacordo com a realidade e que realmente enlouqueceram na realidade tornando ainda mais crível a ideia de que o filósofo não vive na realidade e, sim, fora delas como um louco no mundo das Ideias. Uma forma de depreciar os filósofos, e a filosofia enquanto conhecimento, mas também de incriminá-los e condená-los à prisão, exílio ou à morte como aconteceu com Sócrates, Giordano Bruno, Galileu e muitos durante a Segunda Guerra Mundial e nas ditaduras militares na América Latina, fazendo do filósofo não apenas alguém que vive fora da realidade, mas que se quer fora da realidade literalmente, enlouquecido ou morto, por conta de seus pensamentos e ideias.
Ao contrário do que pressupunha Platão no fim de A República são os filósofos a serem expulsos da realidade da cidade-Estado por não se prenderem à realidade e não os poetas ainda que diga que estes não se prendem à realidade com seus mitos. Isso demonstra, de certo modo, por outro lado como os filósofos, e Platão mais ainda, vivem fora da realidade da cidade-Estado, no caso, da realidade mítica deste, e como sua cidade-Estado bela era tão ideal quanto o amor ou o amado para aquele que ama ao viver este fora da realidade por conta de seu amor como expressará o romantismo de modo trágico. Mas demonstra mais ainda o quão duvidosa é a questão socrática para além do que Glauco pensa e deve ser senão repensada no que diz respeito à origem da filosofia, pois é a esta questão que remete diretamente.
Ao se questionar comumente o que é a filosofia? o que se põe em questão é sua origem, princípio, início, comando, isto é, sua arkhé e, deste modo, uma arkhephilosofia na medida em que esta quer dizer origem da filosofia. Pode-se dizer que o primeiro a pensar a arkhephilosophia foi Aristóteles ao pensar a arkhé da filosofia em sua Metafísica diferenciando a sua filosofia primeira da filosofia da natureza dos primeiros filósofos e diferenciando, por assim dizer, a arkhephilosofia enquanto questionamento da origem da filosofia a partir da physis (natureza) realizada pelos primeiros filósofos da metafísica enquanto questionamento do ser enquanto ser ou substância da physis, isto é, da realidade da natureza. Neste sentido, remetendo a questão da origem da filosofia à natureza e à multiplicidade de seres e opiniões sobre ela em sua física no que diz respeito aos primeiros filósofos, e como pressupunha Sócrates e Platão, posteriormente remetida à ciência na modernidade, enquanto a questão do ser e da substância, ou ainda, da unidade e das Ideias, remeteria à filosofia primeira denominada então metafísica.
Se com Sócrates e Platão, há uma diferença entre o filósofo e o não filósofo, este último vivendo numa realidade mítica ou de aparências e não na realidade propriamente dita das Ideias, e há consequentemente um a-partamento daquele em relação a este na realidade e no que diz respeito à realidade, Aristóteles introduz uma diferença e um a-partamento dentro da filosofia entre os filósofos da natureza chamados de físicos, posteriormente chamados de cientistas, e os filósofo da realidade da natureza, os metafísicos, os filósofos propriamente ditos. Estes últimos considerados posteriormente ainda mais fora da realidade do que os primeiros filósofos estariam em relação à realidade mítica a partir da crítica à metafísica aristotélica da Escolástica na modernidade feita pelos filósofos racionalistas e, principalmente, pelos filósofos empiristas, e que a Crítica da razão pura de Kant busca atenuar de modo transcendental. Porém, em sua Crítica, Kant reproduz senão um a-partamento do filósofo com a realidade com sua concepção a priori do espaço e tempo a partir do sujeito que se se prende à realidade empírica não está, porém, preso à ela em sua realidade transcendental, metafísica, a priori, e, assim, está separado e ao mesmo tempo ligado à realidade de modo crítico, novamente se recolocando a questão de um a-partamento como separação e ligação ao mesmo tempo com a realidade enquanto origem da filosofia.
Se a partir do idealismo romântico alemão, notadamente de Hegel, se diga que o ideal é o real e se busque por meio de uma dialética histórica do Espírito prender os filósofos à realidade, sem sucesso segundo a dialética materialista histórica de Marx, ou problemática segunda a fenomenologia não mais do Espírito e, sim, da ciência segundo Husserl, ou do ser transformada em ontologia por Heidegger, isto demonstra o quão problemática ainda é a pergunta socrática na qual se detém a arkhephilosophia ao pensar a origem da filosofia como um a-partamento, uma separação e ligação ao mesmo tempo da filosofia e do filósofo com a realidade, pois, dito de modo claro e distinto como pressupunha Descartes, mas sem deixar de ser duvidoso como deve ser o pensamento filosófico segundo ele, a origem da filosofia e do filósofo é senão um a-partamento com a realidade.
Todos os ensaios, anteriores e posteriores, partem desse pressuposto aludido em alguns, esclarecido em alguns aspectos noutros, mas não manifesto explicitamente como se faz neste momento com o objetivo senão de dar a entender que o que se coloca em questão neles é a origem da filosofia e, mais precisamente, uma filosofia, no caso, uma filosofia da origem da filosofia, a arkhephilosophia. Uma questão filosófica e não histórica, ou ainda, geográfica, ainda que se remeta à história da filosofia e sua geografia em parte. No caso, uma questão em relação à filosofia a partir da própria filosofia, originária e não original, pois se se coloca em questão é a filosofia em si mesma, de novo, de modo idêntico, buscando-se diferenciá-la ou se diferenciar nela com um pensamento, ideia, conceito ou episteme, já não é tão somente tendo em vista ela de dentro e, sim, também de fora quanto à sua origem.
Ao se questionar a origem da filosofia é a origem que se questiona mais propriamente e a origem da filosofia é a consequência deste questionamento, algo que aparentemente não se tem feito a não ser a partir do que se entende por pós-modernidade e, principalmente, por um pensamento da diferença, notadamente o de Deleuze e Derrida. O primeiro ao questionar a identidade do filósofo e da filosofia em sua origem grega ressaltando a relação entre a diferença e repetição do ser em sua univocidade e do filósofo como estrangeiro, advindo do estrangeiro, de um devir do filósofo numa geografia. O segundo ao questionar a identidade do filósofo e da filosofia em sua origem a partir de uma metafísica do logos, discurso ou fala ressaltando a différance e escritura do ser em sua alteridade e do filósofo e a da filosofia como discurso em relação ao outro e não em relação a si mesmo, neste sentido, que se dirige ao outro como estrangeiro enquanto estrangeiro. Em ambos os casos, portanto, o que põem em questão é a arkhé ou origem a partir de uma identidade, unidade e simplicidade ressaltando-se uma "origem" a partir da diferença, multiplicidade e complexidade do pensamento a partir das quais se pensa atualmente a filosofia ou tem origem a filosofia chamada de pós-moderna que expressa deste modo a partir da diferença um a-partamento atual do filósofo com a realidade.
É a partir de um a-partamento com a realidade que se pensa aqui a origem na medida em que somente se pode pensá-la ao partir dela, ao se separar dela e é a partir desta separação que há uma ligação com a origem, notadamente uma identidade a partir dela. É somente a partir desta separação que a origem é pensada como aquilo que nos liga à realidade, natural, histórica, cognoscível ou ideal e que há, por sua vez, a origem da filosofia. Em outras palavras, somente podemos pensar a origem partindo dela e é assim senão que nos ligamos a ela. Portanto, é preciso partir da origem para chegar à origem. Um ciclo vicioso, de certo, mas que é senão o modo como o pensamento funciona e com o qual a filosofia senão se origina, a partir de um a-partamento em relação à origem em direção à origem que é, no caso, a sua, pois o ciclo vicioso é um ciclo diferente, descentrado e a origem da qual se parte nunca é a origem a qual se chega, ela difere, se altera, se multiplica e se torna cada vez mais complexa a cada a-partamento. Nem circular, nem retilínea, a história da filosofia a partir deste a-partamento da origem é espiral, com uma maior ou menor distensão a cada volta ou época que se constitui no momento em que outra se encerra em seu ciclo voltando ao ponto originário a partir do qual se desenvolve até se revolver em si mesma constituindo uma nova época histórica a partir de si. Neste sentido, não há uma dialética da história na filosofia, quiçá em toda a história, pois não há uma oposição dela em relação ao seu posto, a não ser que se considere como oposto a resistência que entorta a sua linha de pensamento e a encurva fazendo-a voltar sobre si mesma criando uma espiral do pensamento que se fecha ao retornar a si, se retomar, porém, se abrindo a um novo pensamento ainda que o mesmo em seu desenvolvimento. É, porém, por não conseguir ir adiante que o pensamento se curva e se volta para si, para sua origem, buscando-se pensar o que não tinha sido pensado antes, e a reflexão do pensamento ou o seu ir e vir é a produção dele numa espiral e de toda uma época filosófica a partir de si de modo idêntico de certo modo, mas também diferente, pois o pensamento difere de um filósofo em relação ao outro a cada momento no espaço e tempo.
O fim de uma filosofia é o seu começo. O desenvolvimento de uma filosofia é o seu retorno à origem, quando chega senão ao fim, e não por menos se altera, se diferencia, multiplica-se e se complexifica em vários pontos se desenvolvendo novamente de modo repetido e diferente desde sua origem que não está dada antes que chegue ao fim, isto é, que retorne à origem e dela parta novamente. Se existe uma diferença entre uma filosofia da identidade e uma filosofia da diferença é porque esta está sempre partindo da origem enquanto aquela busca permanecer nela. É só aparentemente que a identidade permanece na origem ao considerar a origem um ponto de partida, nunca de chegada, concebida em si mesma, mas não para si mesma, origem idêntica e não diferente, única e não múltipla, simples e não complexa, que permanece no 1 e nunca passa ao 2 a não ser a contragosto, como aquilo a que se opõe. Se o 3 é algo importante para uma filosofia da identidade é porque é senão a superação do 2, da dualidade, pelo menos aparentemente, pois o que se tem é a instauração do conflito no pensamento, do 1 como a síntese dos opostos ou a crítica idealista ou materialista do 2, do conflito, mas que já não pode viver sem este, quando o 1 se torna incapaz de superar o 2, pois isto implica superar a si mesmo, deixar de se afirmar pelo 2, pelo outro, pelo conflito como o outro, de ser sem a necessidade de um conflito, e da violência deste. Pensada a partir de uma identidade a origem nunca se altera, é sempre a mesma, logo, o ser em sua origem é o mesmo, imutável, sempre, enquanto que a origem pensada a partir da diferença se altera, é sempre outra, logo o ser em sua origem é diferente, mutável, sempre, 1, 2, 3, 4... a relação que há não é de conflito de 1 com 2 superado com o 3 e, sim, do 1 com 2, com 3, com 4, que, se é conflituosa não é o conflito que os define como ser em sua diferença numérica. O 1 é um 1 independente do 2 assim como este independente do 1, a soma não define os números, ela é o conjunto dos números em sua relação entre si de modo diferente e não de modo idêntico. O 2, em outras palavras, não é igual a 1+1 que é, neste caso, o conjunto dos números 1, os quais diferidos em si mesmos formam o conjunto 2, portanto, a diferença em relação a 1 e, neste sentido, para somar 1 + 1 é preciso diferir o 1, isto é, pensar em dois 1, numa diferença numérica em relação ao 1, no caso, o 2. A soma 1+1 expressa assim a diferença do 1 em 2 desde o princípio e 2, deste modo, não é a igualdade de 1 +1, ele é a diferença de um em relação a outro número qualquer, assim como 3 é a diferença em relação dois outros números, e assim por diante é a partir de uma diferença numérica que os números são expressos.
Duas filosofias da origem e duas origens da filosofia, no mínimo, a partir das quais se coloca senão em questão a origem da filosofia a partir de uma arkhephilosofia, e não por menos a relação da filosofia com a realidade de modo paradoxal. Numa, a realidade permanecendo a mesma ao longo da história, mutável e imutável, a partir da origem, do 1 que iguala a si todos os outros números por identidade, e na outra diferindo constantemente, mudando de um pensamento a outro, de uma época em época na história e de um número a outro matematicamente. Pensada a partir da identidade a origem é um ponto sem retorno no qual tudo é o mesmo desde o princípio, tudo é um, e é pensada como fora da realidade, enquanto ao ser pensada a partir da diferença a origem é um retorno a si, diferente, um deixar a origem para retornar a si diferente. Em ambos os casos há um a-partamento com a realidade, uma separação e ligação ao mesmo tempo com ela, mas há um a-partamento absoluto quanto à origem no que diz respeito à identidade e relativo no que diz respeito à diferença, pois no a-partamento absoluto da identidade há uma repetição do mesmo, ainda que diferente, e no a-partamento relativo da diferença há uma repetição do diferente, nunca o mesmo. O pensamento da origem a partir da identidade é um pensamento sem retorno, motivo pelo qual se expressa numa linha reta e o círculo nada mais é do que uma reta perfeita, encerrada em si mesma. O pensamento da origem a partir da diferença é um pensamento que retorna a si constantemente e que difere a reta e o círculo fazendo-os imperfeitos numa espiral na qual o pensamento se volta para uma origem que é o ponto de partida dele em si mesmo, origem diferente da que partiu, e originando-se a partir desta diferença como o 2 a partir da diferença do 1. Há diversos pontos de partida ou origens do pensamento numa espiral pensados a partir de uma filosofia da diferença enquanto há apenas um ponto de partida ou origem do pensamento na linha reta e no círculo a partir de uma filosofia da identidade.
Do ponto de vista de uma arkhephilosophia não existe deste modo uma origem da filosofia, há no mínimo duas, diferentes, múltiplas e complexas, e toda e qualquer identidade pretendida quanto a uma origem da filosofia segundo um determinado ponto de partida pressupõe senão uma separação em relação à origem como modo de se ligar ela ainda que negue isto. Há, portanto, um a-partamento na origem com a origem da filosofia, pois a origem deixa de ser una para ser duas e múltipla ainda que pareça a mesma, idêntica, imutável como pressuposto por uma filosofia da identidade que nega a multiplicidade ao pensar numa origem única, do ser enquanto ser e não enquanto não-ser, como é pensado em sua origem múltipla a partir de uma filosofia da diferença. Que se diga, neste caso, de modo absoluto que a filosofia se origina na Grécia não quer dizer que a filosofia é grega, pois não é apenas entre os gregos que ela se origina, e, portanto, não há uma única origem da filosofia, a Grécia, segundo uma linha reta histórica, há uma multiplicidade de origens e que, ademais, não estão diretamente ligada à pólis ou surgimento desta e, sim, à terra e a um a-partamento com ela, pois é a terra senão a origem da qual parte a filosofia, isto é, pois é um a-partamento em relação à terra a origem da filosofia.
O que se entende aqui por terra quer dizer a origem da realidade na medida em que a realidade é concebida senão a partir da terra enquanto origem e é um a-partamento com a terra o que se coloca em questão na origem da filosofia. O que aparentemente seria uma troça com Tales de Mileto ressaltando que o filósofo vive a olhar para as estrelas deixando a terra de lado é algo bem mais complexo do que se imagina, pois em questão está a origem da filosofia em seu a-partamento com a terra considerada senão como origem de tudo na mitologia grega segundo Hesíodo da qual parte a filosofia, isto é, se origina. Se o filósofo visa o céu e busca cada vez mais se aproximar dele com suas Ideias ou conceitos de modo abstrato ou transcendente ou absoluto de modo transcendental é uma separação com a terra o que pretende entendida como realidade, no caso, a mítica para a qual a terra é a origem de tudo, buscando a partir de suas Ideias e conceitos senão uma ligação com a terra e a realidade de modo originário, isto é, como uma origem que já não é mais a mítica da terra e, sim, filosófica, uma terra verdadeira como diz Platão a partir de uma Ideia da terra ou terra idealizada na realidade. Neste caso, se podemos dizer que a origem da filosofia está pressupostamente na afirmação de Tales de Mileto de que a água é a origem de tudo é porque para Hesíodo, seu contemporâneo, a Terra é a origem de tudo e, neste sentido, há uma diferença em relação à origem que deixa de ser mítica para ser filosófica e, independente de ser a água a origem de tudo, a terra não é mais pensada como a origem a não ser mesclada com a água, o fogo e o ar como em Empédocles.
O que se tem com Tales de Mileto na origem da filosofia não é uma questão elementar como pensa Aristóteles, ou se pode pensar ainda hoje, no caso, uma análise em relação a este ou aquele elemento da natureza como origem da natureza física, pois trata-se da questão da diferença da origem em si mesma, de um a-partamento dela, de uma separação dela consigo, e de uma diferença dela em relação a si, antes como Terra, mítica, agora, como água, ar, fogo, ser, número, átomo filosófica. É um a-partamento com a terra enquanto origem, isto é, como Terra, o que se coloca em questão na origem da filosofia e o que é cada vez mais acentuado por conseguinte por Platão ao buscar apartar ou separar a alma do corpo, mas também da terra, tanto o corpo como a terra considerados uma prisão da alma, tal como pressupõe também Hesíodo ao considerar a Terra como prisão e/ou cova para seus filhos. E é senão no apartamento ou separação da alma em relação à terra como corpo por excelência o que se coloca em questão na filosofia como preparação para a morte segundo Platão, pois não basta para a alma separar-se do corpo, é preciso separar-se também da terra não permanecendo presa a ela como um fantasma, ou seja, não ter ainda a aparência de um corpo na terra. Todavia, todo o platonismo se reverte na medida em que se há o pensamento de uma separação alma em relação ao corpo e à terra não mais como fantasma e, sim, em si mesma, de modo idêntico, invisível, imortal, imutável, a alma virtuosa vive senão numa terra verdadeira e a que não tem a virtude necessária retorna à terra e ao corpo para adquirir a virtude filosófica. Neste sentido, de um modo ou de outro, o apartamento ou separação em relação à terra pensado por Platão é também um a-partamento, isto é, também pressupõe uma ligação, no caso, com a terra, com a origem, de modo ideal.
O que se segue a partir de Platão, principalmente com a Metafísica de Aristóteles é um a-partamento cada vez maior da filosofia com a terra enquanto origem e necessário à origem da filosofia na medida em que é somente a partir de uma separação com a terra enquanto origem entendida filosoficamente como realidade natural que se pode chegar a uma realidade humana e sobrenatural, isto é, à metafísica ou filosofia primeira e, não por menos, à origem propriamente dita da realidade em ser ou substância. Se com Platão, partindo da origem mítica, a filosofia chega à origem dela mesma, com Aristóteles, a partir da origem da filosofia com os primeiros filósofos, os físicos, se chega senão à origem de uma filosofia primeira ou metafísica Assim, a origem da filosofia é um a-partamento, primeiramente em relação à origem mítica e, por conseguinte, com a terra enquanto origem, depois um a-partamento consigo mesma como filosofia natural com os primeiros filósofos tornando-se uma filosofia metafísica ou histórica na medida em que é uma história da filosofia o que se coloca a partir da Metafísica de Aristóteles em relação aos primeiros filósofos. O que se coloca a partir de Aristóteles é que se há um a-partamento histórico da filosofia em relação ao mito quando ela se origina, há também da filosofia em relação a si mesma desde sua origem a partir de cada filósofo e a diferença entre os primeiros filósofos não é simplesmente de que elemento é a origem da natureza, mas filosófica na medida em que cada elemento então determinado como origem, ou indeterminado como em Anaxímenes, é a expressão de um a-partamento entre eles quanto à origem também da filosofia, no caso, a partir de cada um deles e em si que nunca é a mesma, ainda que seja a mesma terra a partir da qual se originam diversas filosofias como a de Mileto ou a própria Grécia. A diferença não é simplesmente de elementos, é filosófica, e, mais ainda, quanto à origem da filosofia que de jônica, por exemplo, passa a ser eleata, ateniense ou grega, mas não se limitando a um lugar ou momento específico em sua origem.
Ao se analisar a história da filosofia é um a-partamento da filosofia na história o que se tem em vista, pois é a separação e ligação dos filósofos e suas filosofias o que se coloca em questão desde a origem. O que origina o pensamento filósofo é uma separação em relação à origem e uma ligação com ela por meio desta separação, como acontece com a filosofia de um filósofo a partir de outro, de outro lugar, de outro tempo e, consequentemente, no modo como se liga a este outro, passado ou presente, ou ainda, futuro a partir de Nietzsche. Nietzsche que foi o primeiro senão a recolocar em questão a origem da filosofia feita anteriormente por Aristóteles quando questiona novamente uma separação da alma com o corpo e, principalmente, com a terra buscando reverter a Ideia de Platão ao pensar em Assim falou Zaratustra uma origem da filosofia diferente e da diferença, posto que consigo o a-partamento com a terra não é absoluto e, sim, relativo, haja vista a fidelidade à terra que pressupõe. Diferente de Spinoza que questiona também este pensamento platônico, porém, apenas distinguindo a mente do corpo como atributos ou expressão de deus ou da natureza, neutralizando a ideia de que a mente age sobre o corpo ou este sobre ela, Nietzsche questiona o enfraquecimento do corpo e da terra buscando dar mais poderes a estes no sentido de potencializá-los em sua alegria como orienta Spinoza. Se há uma separação em relação à terra enquanto origem tendo em vista o céu com a subida de Zaratustra à montanha, há uma ligação mais próxima com ela do que havia até então, pois é a força da terra que se sente nesta subida, sua gravidade. A terra mostra sua potência sobre o corpo, mas também sobre a alma, e é preciso senão uma vontade de potência para ir além dela e se chegar ao cume da montanha, sobrevoando-a como uma águia no céu com os olhos, o que a terra é vista senão de outro modo a partir deste momento, sem gravidade ou, senão, com uma estranha leveza assim como o corpo nela e quando desce a montanha. Neste sentido, a subida e a descida da montanha de Zaratustra demonstram uma separação e ligação com a terra, porém, relativas, na medida em que ainda se está na terra em cima da montanha, mas diferente, e é a visão senão dos deuses que se tem na terra, uma visão olímpica como a dos poetas trágicos gregos que Nietzsche retoma. Contudo, não é como deus que o homem olha a terra é como um ser humano além de si mesmo, um super-homem, que abandona a sua terra enquanto origem e retorna à ela, porém, como uma terra diferente, e não mais ideal, vista deste duplo modo, em sua gravidade e leveza. O nacionalismo filosófico esboçado por Nietzsche, ou geo-filosofia como dizem Deleuze e Guattari, é menos uma relação da filosofia com o Estado nação como sua origem do que uma relação com a terra enquanto origem, da qual Zaratustra se separa subindo a montanha e a qual senão se liga em retorno desta à terra, sua origem, que já não é vista como a terra natal da qual partiu e da qual fala e, sim, uma terra diferente, a sua terra, uma terra por vir em relação a qual ele é senão um estrangeiro.
Se há uma fidelidade à terra por parte do filósofo não é no sentido de uma identidade a partir da terra de uma nação ou Estado e, sim, de uma diferença da terra ao se partir e retornar a ela. Ser fiel à terra não quer dizer, deste modo, ser fiel ao Estado nação, e, sim, à sua terra, sua origem a qual somente é percebida como tal ao se partir dela, se exilar ou se isolar nela numa montanha, floresta ou sertão, por exemplo, ou ainda, num apartamento. Ser fiel à terra não é permanecer nela, é abandoná-la, deixá-la, partir dela para retornar a ela, no caso da filosofia retornar em pensamento, ao se pensar na origem que, em princípio, miticamente, é a terra agora de modo diferente, como um conceito. Mesmo que permaneça numa terra por toda sua vida, como Sócrates, o filósofo não pertence a ela, há uma separação dele com sua terra, como também demonstra Sócrates ao se sentir estrangeiro em Atenas, não falar a mesma língua que os seus, a retórica sofista, e tão pouco comungar dos mesmos costumes do ethos grego algumas vezes, ainda que Platão tente defendê-lo quanto a isto no seu julgamento. Se Sócrates anda com pés descalços na terra já não é na terra que ele se encontra quando é advertido por seu daimon e em êxtase filosófico se alheio à terra, separa-se dela momentaneamente ainda que permaneça parado nela em seu a-partamento relativo com ela que Platão leva ao absoluto.
Talvez se questione qual a razão deste a-partamento, todavia, é a própria razão que o produz tendo em vista que é por uma razão que há um a-partamento da filosofia, isto é, sua origem em relação a uma origem mítica e em relação à origem dela em qualquer lugar e momento. Se o a-partamento é necessário é senão no sentido também da razão a partir da qual necessariamente há uma separação e ligação em relação à origem e, consequentemente, da filosofia em sua origem. Se é a razão a origem da filosofia, neste caso, é porque por meio dela que se parte da origem e se chega à ela, porém, uma origem não mais como mítica e, sim, filosófica e se se parte da origem da filosofia em qualquer lugar da terra originando-se em qualquer outro lugar dela. A razão é, portanto, o a-partamento a partir do qual a filosofia se origina separando-se e ligando-se à origem mítica, à terra, e se origina a partir de si mesma.
Que a razão se expresse num logos enquanto discurso falado de modo metafísico e etnocêntrico ou num grama enquanto escrita de uma língua(gem) que se pretende não mais metafísica e etnocêntrica, isto é, logocêntrica, isto demonstra como há um a-partamento da filosofia em sua origem a partir da língua(gem), ou ainda, do signo linguístico em sua estrutura ou regime de signos, como significado e significante ao mesmo tempo, este último como separação em relação à origem e aquele como ligação com ela. Neste sentido, se a terra é a origem da qual parte a filosofia, ela é o signo significante em relação ao signo significado, no caso, a origem, ou seja, a terra significa a origem enquanto significante em relação a um significado. Mas também a origem significa a terra, pois um signo é signo do outro, sempre do outro, e o que se entende por signo aqui é esta relação estrutural ou o regime estabelecido entre o significado e o significante ou de um signo com outro signo. Ou ainda, de signos diferentes ou em diferença num devir, pois um signo nunca se remete a si mesmo, e esta é senão a origem do signo ou a origem enquanto signo, isto é, o a-partamento da origem em si mesma assim como do signo em si mesmo, diferindo-se a partir da língua(gem), pois somente é possível pensar a origem partindo dela em direção a si, porém, como outra, diferente, assim como se parte da terra a uma terra diferente ou para outra terra e, portanto, somente se pode pensar o signo a partir de outro signo, um signo diferente, um signo significado e outro significante, um devindo outro, do 1 devindo o 2.
Se a origem da língua(gem) é o signo, o signo é, portanto, a origem que já não é ela em si mesma porque diferida pela língua(gem) da mesma forma que a cadeira enquanto signo aqui não é a cadeira em si mesma, a qual é identificada em sua forma ou matéria, posto que se diferencia ao ser significada, isto é, ao se tornar um signo, ou ainda, ao se originar enquanto signo na relação do significado com um significante pressupostos no signo cadeira. Não importa que cadeira se vise em sua forma ou se experimente em sua matéria, ou que cadeira funcione pragmaticamente para isto ou aquilo, a cadeira enquanto signo somente é vista, experimentada e funciona na relação do significado e significante estruturada a partir da língua(gem) em seu regime de signos. Por exemplo, ao se dizer Sente-se!, que pressupõe a cadeira observada em sua função, mas que pode ser diferenciada quanto a esta na medida em que não se senta direito, portanto, não obedecendo a palavra de ordem para se sentar.
Ao se partir da origem, ela é senão o significado do signo, todavia, ao se chegar a ela, ela é senão o significante do signo, aquilo que significa signo. A partir do signo há uma diferença da origem que passa a ser o significado de algo que não é ela em si mesma senão outra, no caso, o signo, ou ainda, o signo de elemento terra ou de qualquer outro elemento, ou mesmo de nenhum elemento no caso de uma Ideia, ser ou substância. Desse ponto de vista, o que se coloca em questão com o signo de origem e a origem do signo é um a-partamento da origem em si como outra, isto é, como signo a partir do qual a origem se torna senão diferente, múltipla, complexa ainda que seja identificada de modo simples ao se dizer que a origem de tudo é isto.
Pensar a origem da filosofia a partir de uma arkhephilosophia é pensar a origem em sua diferença num a-partamento, isto é, por meio de uma separação e ligação com a origem, e não apenas a filosofia no que ela é, isto é, em sua identidade enquanto Ideia, ser ou substância, ou ainda, conceito. Isto quer dizer pensar o seu a-partamento em relação à origem na medida em que é partir desta senão que se origina questionando o seu a-partamento. Se há um separação da filosofia em relação à origem, ainda mais no que diz respeito à linguagem, como se se originasse de si mesma como se pressupõe a partir de uma identidade quanto à origem, há ainda uma ligação com a origem na medida em que é a partir desta que a filosofia existe. A origem da filosofia não é tão somente uma identidade dela em si e consigo mesmo de modo ideal, é senão a afirmação de sua diferença em relação ao outro, à origem e, em particular, à terra como origem, uma diferença a partir de uma separação e ligação com o outro, a origem, a terra.
Não se pode pensar a origem da filosofia sem pensar na origem e a origem da filosofia é a diferença da origem produzida por si em relação ao mito, à religião e à ciência atualmente, além de múltipla em diversos aspectos, em qualquer lugar e momento. Pressupor que a filosofia se origina na Grécia e na ilha de Salamina mais precisamente, como dizem Deleuze e Guattari, é pressupor apenas uma origem da filosofia no espaço e no tempo, mas a filosofia se origina em qualquer espaço e tempo num devir a si constante, podendo-se filosofar em qualquer lugar e momento e por qualquer meio na medida em que há uma separação e ligação com a realidade e, portanto, um a-partamento filosófico. Se aqui se parte da terra como origem da realidade é senão porque há uma relação universal com ela como origem no mito e na religião assim como é tomada como pressuposto para uma origem da vida. E se o signo é tomado, por fim, como origem é porque é quanto à língua(gem) que se coloca a questão da origem atualmente e, não por menos, de uma origem da filosofia, enfim, de uma arkhephilosophia.
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