Fora!
Não assisto Big Brother Brasil (BBB), o que não me evita saber pelas redes sociais o que acontece neste programa e todo dia saber do desejo de muitos que alguém seja mandado embora da "casa mais famosa do Brasil". Ao atentar para isto mais uma vez, um pensamento me veio à mente, um doloroso pensamento, que é o de ser expulso de casa, em geral por conta de uma discussão. Mais ainda, um pensamento angustiante do que este "Fora!" representa na medida em que uma casa representa tudo de bom que se anseia para si.
Já fazem 18 anos desde que o programa Big Brother Brasil começou a ser exibido, uma idade que deveria fazê-lo sair de casa, isto é, da programação da televisão brasileira. Mas como muitos programas que manipulam a emoção e fazem perder a razão fazerem sucesso na televisão, e devido o fato de filhos saÃrem cada vez mais tarde de casa, ele não deve sair tão cedo e ainda vai alimentar muito nas pessoas este anseio de mandar alguém para fora de casa. Um anseio bem diferente da sehnsucht romântica alemã, uma ansiedade pelo infinito, por aquilo que o ser humano, finito, não é, nunca vai ser, mas anseia ser a cada momento, e busca esta infinitude na natureza, numa divindade, e, principalmente, na arte. Um sair de si, de casa, dos limites, de toda familiaridade para alcançar um fora enquanto pura exterioridade para, paradoxalmente, fazer com que sejamos mais sensÃveis para nossa própria finitude, com o infinito em nós mesmos, fazer nos sentir em casa uns com os outros.
Estranho paradoxo sair de casa para se sentir em casa, mas apenas quando desejamos, ansiamos por isto, queremos conhecer algo para além do que nos é familiar, oprimidos por limites que os outros e casa nos impõem. Muito diferente do que acontece na casa para onde são mandados os brothers onde vivem numa casa sem pais e lutam pelo poder paterno, por ocupar a ausência do pai tornando-se lÃderes. Nada mais freudiano do que isto, e sintomático dos tempos atuais, em que jovens assumem cada vez mais o poder da casa na ausência dos pais, em geral do pai ausente, por morte ou por escolha, e da mãe, sem escolha, ausente pelo trabalho de cada dia.
Nesta casa sem pai e mãe, e sem leis, regida por apenas regras definidas pelo programa ou pelos próprios participantes, onde alianças são produzidas por afinidades eletivas é possÃvel perceber a que ponto a sociedade atualmente é pouco familiar e como a casa, este lugar de bem-estar se tornou um lugar de disputa de poder, de quem é o mais forte, ou ainda, de quem pode mandar quem para fora de modo patriarcal. Este é, ademais, o único objetivo deste programa que é o exemplo de um projeto polÃtico em curso: mandar embora quem se deseja, com quem não se tem afinidade como é denunciado na retórica no confessionário, confessado de modo privado, entre quatro paredes, um desejo recolhido, inconfesso para os outros com os quais se tenta ser brother. É toda uma polÃtica da amizade, como diria Derrida, que se vê neste programa na qual o que importa é se definir o inimigo, aquele que deverá ser mandado para fora, aquele que não é um brother, um irmão, um amigo.
No fim, ou antes do fim deste programa, desde o seu inÃcio, porém, chega-se à conclusão de que não há brothers, irmãos, amigos na casa, apesar do tÃtulo do programa, apesar do que possam se considerar nela e fora dela seus participantes, e independente do dinheiro envolvido como prêmio. Uma conclusão que Aristóteles pressupostamente chegou, e Derrida se detém sobremaneira a partir da repetição do que aquele disse por tantos outros filósofos: "Amigos, não há nenhum amigo." Todavia, deste lamento de Aristóteles segundo Derrida, e que Nietzsche diz ser o lamento de um "sábio moribundo", subvertendo o dito como "louco vivente" ao dizer "Inimigos, não há nenhum inimigo.", ou lamentando de outro modo a perda do inimigo e não do amigo, o que se tem neste programa é uma alegria pela perda tanto dos inimigos como dos amigos, por ter mandado todos fora de casa e ser, enfim, o dono dela, o lÃder supremo, o vencedor do programa, um rei sem ninguém para governar, isolado em seu trono como bem analisou Benjamin.
É o momento de maior loucura da razão em sua lógica dialética, segundo Derrida, quando não há mais inimigos, mas também nenhum amigo, nem a si mesmo, pois:
Brother Brasil, e a referência à casa é tudo menos a uma casa familiar de irmãos, pois como já se disse alhures a referência é ao livro de George Orwell, 1984, com o qual a palavra irmão adquiriu a conotação de inimigo, aquele a ser destruÃdo e que tudo destrói. Seria preciso uma análise profunda para observar esta transformação do irmão amigo em inimigo, como faz de certo modo Derrida em PolÃticas da amizade, saber o que acontece quando há a perda do pai, quando sua ausência se faz presente na vida dos filhos e estes enlutam e lutam para supri-la, para se colocarem no lugar do pai, para serem os lÃderes e, no poder investido a si e por si, ou por outros sem poder evitar, definirem quem são os inimigos, eles em primeiro lugar. Tal transformação passa senão pelo que Orwell vislumbrou já em 1948, ao fim da guerra, com ascensão deste "Grande Irmão" como lÃder-inimigo supremo, depois que os filhos de Europa se digladiaram para ocupar a liderança do continente europeu e do resto do mundo em contrapartida. Orwell que soube ler Carl Schmitt melhor do que ninguém e o colocou como divisa do nosso tempo em que diante de irmãos, dizemos não há irmãos!, de amigos, dizemos não há amigos!, e, para consolo quiçá, dizemos aos inimigos, não há inimigos! Antes de lhes dizer: Fora!
Ao dizermos Fora! não é apenas uma expressão de raiva que se manifesta em nós, mas de uma profunda desrazão, de uma razão que se aprofunda ao ponto de se perder, de não ter mais razão, nem mesmo desconhecida no coração como pensa haver ainda Pascal. Há nesta vocação uma invocação do mal, de um mal que não é banal, nunca vai ser, pois é o mal de todos os males, um absoluto que não se relativiza jamais, posto que é um fora de tudo e não apenas um fora dos eixos como parece ser. Ao se dizer Fora! se quer dizer muito mais do que um vá para outro lugar, um vá para o seu quarto por exemplo, pois ao dizer-se Fora! é já de um lugar que se envia alguém, mais ainda de um lugar que é uma casa que simboliza todos os lugares do mundo, um lar, um chão, uma terra.
É assim sem lugar, sem chão, sem casa, sem terra, desterritorializado sem qualquer possibilidade de reterritorialização nômade o que se sente quando alguém nos diz Fora! Sem saber onde, sem ter para onde ir, pois onde não é mais uma condição de possibilidade de nossa existência. Não há mais espaço para nós, somente o tempo, um interior que não é um lugar, mas um fora de lugar na medida em que é um fora para além do espaço, daquele espaço no qual nos encontrávamos tão familiarmente nele e em si mesmos.
Quando estamos em casa, tudo que queremos muitas vezes é estar fora de casa, mas este fora de casa ainda pressupõe um retorno à casa. O mesmo quando nos mandam para fora de algum lugar e temos um outro lugar para ir. Muitas vezes nos acostumamos a ser mandado para fora ao ponto de fora ser um lugar no qual gostamos de estar. Esquecemos e fazemos questão de esquecer do fora como a segunda pior pena determinada pelos gregos, o ostracismo, este fora absoluto da vida grega, da comunidade, da famÃlia, de qualquer casa grega.
Cada vez mais vivemos o fora sem saber que o vivemos. Vivemos sendo expulsos e gostando disto. Vivemos expulsando e gostando de expulsar, sendo incentivados a dizer Fora! Aprendemos a excluir de nossas vidas todas as pessoas que não queremos por perto, que não são nossos brothers, irmãos, amigos e até os que são, ou podem ser. Vivemos o sonho capitalista de sermos lÃderes da nossa própria vida sem ninguém por perto, pois, amigos, não há amigos. Irmãos, não há irmãos também. Inimigos, muito menos. Somos somente nós, amigos e inimigos de nós mesmos a cada dia numa casa que não é uma casa, um lar, na qual vivemos fora de tudo e de todos sem saber para onde ir depois que mandamos todos fora!
Já fazem 18 anos desde que o programa Big Brother Brasil começou a ser exibido, uma idade que deveria fazê-lo sair de casa, isto é, da programação da televisão brasileira. Mas como muitos programas que manipulam a emoção e fazem perder a razão fazerem sucesso na televisão, e devido o fato de filhos saÃrem cada vez mais tarde de casa, ele não deve sair tão cedo e ainda vai alimentar muito nas pessoas este anseio de mandar alguém para fora de casa. Um anseio bem diferente da sehnsucht romântica alemã, uma ansiedade pelo infinito, por aquilo que o ser humano, finito, não é, nunca vai ser, mas anseia ser a cada momento, e busca esta infinitude na natureza, numa divindade, e, principalmente, na arte. Um sair de si, de casa, dos limites, de toda familiaridade para alcançar um fora enquanto pura exterioridade para, paradoxalmente, fazer com que sejamos mais sensÃveis para nossa própria finitude, com o infinito em nós mesmos, fazer nos sentir em casa uns com os outros.
Estranho paradoxo sair de casa para se sentir em casa, mas apenas quando desejamos, ansiamos por isto, queremos conhecer algo para além do que nos é familiar, oprimidos por limites que os outros e casa nos impõem. Muito diferente do que acontece na casa para onde são mandados os brothers onde vivem numa casa sem pais e lutam pelo poder paterno, por ocupar a ausência do pai tornando-se lÃderes. Nada mais freudiano do que isto, e sintomático dos tempos atuais, em que jovens assumem cada vez mais o poder da casa na ausência dos pais, em geral do pai ausente, por morte ou por escolha, e da mãe, sem escolha, ausente pelo trabalho de cada dia.
Nesta casa sem pai e mãe, e sem leis, regida por apenas regras definidas pelo programa ou pelos próprios participantes, onde alianças são produzidas por afinidades eletivas é possÃvel perceber a que ponto a sociedade atualmente é pouco familiar e como a casa, este lugar de bem-estar se tornou um lugar de disputa de poder, de quem é o mais forte, ou ainda, de quem pode mandar quem para fora de modo patriarcal. Este é, ademais, o único objetivo deste programa que é o exemplo de um projeto polÃtico em curso: mandar embora quem se deseja, com quem não se tem afinidade como é denunciado na retórica no confessionário, confessado de modo privado, entre quatro paredes, um desejo recolhido, inconfesso para os outros com os quais se tenta ser brother. É toda uma polÃtica da amizade, como diria Derrida, que se vê neste programa na qual o que importa é se definir o inimigo, aquele que deverá ser mandado para fora, aquele que não é um brother, um irmão, um amigo.
No fim, ou antes do fim deste programa, desde o seu inÃcio, porém, chega-se à conclusão de que não há brothers, irmãos, amigos na casa, apesar do tÃtulo do programa, apesar do que possam se considerar nela e fora dela seus participantes, e independente do dinheiro envolvido como prêmio. Uma conclusão que Aristóteles pressupostamente chegou, e Derrida se detém sobremaneira a partir da repetição do que aquele disse por tantos outros filósofos: "Amigos, não há nenhum amigo." Todavia, deste lamento de Aristóteles segundo Derrida, e que Nietzsche diz ser o lamento de um "sábio moribundo", subvertendo o dito como "louco vivente" ao dizer "Inimigos, não há nenhum inimigo.", ou lamentando de outro modo a perda do inimigo e não do amigo, o que se tem neste programa é uma alegria pela perda tanto dos inimigos como dos amigos, por ter mandado todos fora de casa e ser, enfim, o dono dela, o lÃder supremo, o vencedor do programa, um rei sem ninguém para governar, isolado em seu trono como bem analisou Benjamin.
É o momento de maior loucura da razão em sua lógica dialética, segundo Derrida, quando não há mais inimigos, mas também nenhum amigo, nem a si mesmo, pois:
Sem inimigo, fico louco, não consigo mais pensar, fico impotente para me pensar, para pronunciar 'cogito, ergo sum'. (...) Sem esta hostilidade absoluta, 'eu' perde a razão, perde a possibilidade de se posicionar, de pôr ou opor o objecto diante de si, perde a objectividade, a referência, a estabilidade última do que resiste, perde a existência e a presença, perde o ser, o logos, a ordem, a necessidade, a lei. Perde a coisa mesma. (2003, p. 182. Grifo do autor.)Perde a si mesmo, podemos dizer. Sem inimigos, não existe o programa Big
Brother Brasil, e a referência à casa é tudo menos a uma casa familiar de irmãos, pois como já se disse alhures a referência é ao livro de George Orwell, 1984, com o qual a palavra irmão adquiriu a conotação de inimigo, aquele a ser destruÃdo e que tudo destrói. Seria preciso uma análise profunda para observar esta transformação do irmão amigo em inimigo, como faz de certo modo Derrida em PolÃticas da amizade, saber o que acontece quando há a perda do pai, quando sua ausência se faz presente na vida dos filhos e estes enlutam e lutam para supri-la, para se colocarem no lugar do pai, para serem os lÃderes e, no poder investido a si e por si, ou por outros sem poder evitar, definirem quem são os inimigos, eles em primeiro lugar. Tal transformação passa senão pelo que Orwell vislumbrou já em 1948, ao fim da guerra, com ascensão deste "Grande Irmão" como lÃder-inimigo supremo, depois que os filhos de Europa se digladiaram para ocupar a liderança do continente europeu e do resto do mundo em contrapartida. Orwell que soube ler Carl Schmitt melhor do que ninguém e o colocou como divisa do nosso tempo em que diante de irmãos, dizemos não há irmãos!, de amigos, dizemos não há amigos!, e, para consolo quiçá, dizemos aos inimigos, não há inimigos! Antes de lhes dizer: Fora!
Ao dizermos Fora! não é apenas uma expressão de raiva que se manifesta em nós, mas de uma profunda desrazão, de uma razão que se aprofunda ao ponto de se perder, de não ter mais razão, nem mesmo desconhecida no coração como pensa haver ainda Pascal. Há nesta vocação uma invocação do mal, de um mal que não é banal, nunca vai ser, pois é o mal de todos os males, um absoluto que não se relativiza jamais, posto que é um fora de tudo e não apenas um fora dos eixos como parece ser. Ao se dizer Fora! se quer dizer muito mais do que um vá para outro lugar, um vá para o seu quarto por exemplo, pois ao dizer-se Fora! é já de um lugar que se envia alguém, mais ainda de um lugar que é uma casa que simboliza todos os lugares do mundo, um lar, um chão, uma terra.
É assim sem lugar, sem chão, sem casa, sem terra, desterritorializado sem qualquer possibilidade de reterritorialização nômade o que se sente quando alguém nos diz Fora! Sem saber onde, sem ter para onde ir, pois onde não é mais uma condição de possibilidade de nossa existência. Não há mais espaço para nós, somente o tempo, um interior que não é um lugar, mas um fora de lugar na medida em que é um fora para além do espaço, daquele espaço no qual nos encontrávamos tão familiarmente nele e em si mesmos.
Quando estamos em casa, tudo que queremos muitas vezes é estar fora de casa, mas este fora de casa ainda pressupõe um retorno à casa. O mesmo quando nos mandam para fora de algum lugar e temos um outro lugar para ir. Muitas vezes nos acostumamos a ser mandado para fora ao ponto de fora ser um lugar no qual gostamos de estar. Esquecemos e fazemos questão de esquecer do fora como a segunda pior pena determinada pelos gregos, o ostracismo, este fora absoluto da vida grega, da comunidade, da famÃlia, de qualquer casa grega.
Cada vez mais vivemos o fora sem saber que o vivemos. Vivemos sendo expulsos e gostando disto. Vivemos expulsando e gostando de expulsar, sendo incentivados a dizer Fora! Aprendemos a excluir de nossas vidas todas as pessoas que não queremos por perto, que não são nossos brothers, irmãos, amigos e até os que são, ou podem ser. Vivemos o sonho capitalista de sermos lÃderes da nossa própria vida sem ninguém por perto, pois, amigos, não há amigos. Irmãos, não há irmãos também. Inimigos, muito menos. Somos somente nós, amigos e inimigos de nós mesmos a cada dia numa casa que não é uma casa, um lar, na qual vivemos fora de tudo e de todos sem saber para onde ir depois que mandamos todos fora!
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