O Natal é a mensagem
A cada ano, nesta época, o debate filosófico em torno do Natal é o mesmo e, muitas vezes, acalorado com argumentos a favor e contra: Papai Noel existe? Devemos acreditar em Papai Noel? Em questão está não menos o futuro da humanidade, no caso, as crianças com as quais pais e mães se preocupam se perguntando se devem ou não falar que Papai Noel existe e fazer as crianças acreditarem ou não nele.
Ao contrário do que se pensa, que o Natal é uma época de fraternidade, não tem época mais conflituosa, desgastante e de crise existencial do que ela, a começar pela pergunta sobre a existência do Papai Noel e que se estende ao Natal como um todo. Em primeiro lugar, há o conflito do que significa esta época do ano, pois para o norte-europeu germânico é a passagem mística do solstício de inverno com a celebração do yule; para os cristãos é o nascimento de Jesus Cristo donde derivaria etimologicamente a palavra natal (nato, nascimento); para as crianças de todo o mundo, ricas e pobres, é o momento de ganhar presentes do Papai Noel, um velhinho que mora no Pólo Norte e para o qual elas mandam cartas dizendo o que querem ganhar; por fim, para os capitalistas é a melhor época de lucrar mais explorando o trabalho de pessoas que estão desesperadas para comprar presentes de Natal e de pessoas desesperadas para conseguirem um emprego mesmo que não tenham nenhum direito trabalhista e tenham que trabalhar 12h ou mais por dia, pois querem ter dinheiro para comprar presentes de Natal como as outras pessoas.
Neste sentido, há o conflito quanto à reivindicação do significado do Natal e as confusões são inevitáveis dependendo do argumento em favor dele, principalmente em torno do Papai Noel, cuja defesa é a mais difícil por não se apoiar num misticismo germânico ou cristão e por ser ele criticado como influenciador do capitalismo. Em todos os significados do Natal, porém, há um idealismo que busca suprir e suprimir toda a realidade em torno de algo que não se deixa submeter a ela. É sempre algo ideal o que se tem em vista em cada dos argumentos a favor do Natal pelo que exalta: a natureza, a humildade e tolerância humana tornando-se divina e a ação social de um velho em prol do divertimento das crianças e, principalmente, daquelas que não têm nenhuma esperança na vida devido sua pobreza, os humilhados pelos capitalismo.
Como se não bastasse o conflito em torno do significado do Natal, há o problema do Papai Noel, pois nem o yule e o cristianismo são tão criticáveis em seus misticismo nesta época do ano como o ideal de um velhinho que mora no Pólo Norte e na época de Natal distribui presentes para todas as crianças do mundo. Isto porque cada vez mais a sociedade capitalista é o resultado do realismo positivista cientificista racionalista que não acredita em nenhum outro ideal a não ser o dele que é, no caso, o ideal geométrico e aritmético matemático cartesiano, para o qual a verdade está em si mesmo e não em algo alheio à sua razão e cujo ceticismo faz tudo o mais se submeter a ele. Ou ainda, um realismo positivista cientificista empírico que religiosamente diz só acreditar vendo a partir de sua visão do mundo submetido a fatos que somente são fatos se forem observáveis em laboratórios físicos, químicos e por modelos matemáticos. Não há deste modo nenhum pensamento ideal que não seja racional e tão pouco nenhum fato que não seja observável a não ser a partir da visão de mundo científica e, obviamente, o Papai Noel não se submete nem à razão e tão pouco à observação da ciência, haja vista que para a razão científica ele é simplesmente um mito, uma crença em algo que não resiste às menores dúvidas: onde nasceu? Como cresceu? O que come para ficar com aquela pança? Quando se tornou Papai Noel? Como ele consegue distribuir os presentes para todas as crianças do mundo? E para os pais também delas que continuam recebendo presentes de Natal como se fossem crianças? Pais e mães devem receber presentes de Natal se não mais crianças? E que machismo é este de Papai Noel? Cadê a Mamãe Noel? E por que Papai Noel é branco, que racismo é este? Por que não pode ser Papai Noel homossexual, bissexual, transexual e em todas as variações sexuais possíveis? Por que Papai Noel gordo e a geração saúde? E, talvez a pergunta mais importante de todas hoje em dia para muitos brasileiros, por que o Papai Noel se veste de vermelho como um comunista? Do ponto de vista empírico, a dúvida, porém, é mais simples, pois se diz simplesemnte que o Papai Noel nunca foi visto distribuindo presentes, por isto não existe.
Diante do penso, logo existe racional e do vejo, logo existe empírico, não há dúvidas: Papai Noel não existe, tão pouco o Natal que ele representa. Pode-se dizer também que não existe o Natal criado pelos cristãos como celebração do nascimento de Cristo, pois foi uma apropriação do período do solstício para propagar a fé cristã submetendo pela opressão outros misticismos. Tão pouco existe o Natal como festa yule já que os norte-europeus germânicos não celebravam o Natal propriamente dito hoje em dia, uma comemoração que não tem nenhuma relação com o solstício, seja o Natal do ponto de vista cristão, seja do ponto de vista do Papai Noel, ou do mercado capitalista.
Como se pode perceber, o Natal é um problema sério e a crise existencial não é à toa, ainda mais quando se pensa na realidade social que o envolve em relação ao capitalismo, motivo de uma denegação maior desta época e, mais ainda, do Papai Noel. Isto porque se o Papai Noel é, por um lado, um bom velhinho que distribui brinquedos para todas as crianças como símbolo do comunismo ou de um Estado social que supre o problema da exclusão capitalista, ele se torna no Natal o principal símbolo do consumismo estimulando toda a confusão de lojas lotadas no fim de ano com pais e mães fazendo o papel de Papai Noel e Mamãe Noel capitalista com o seu liberalismo e neoliberalismo econômico de eu pago, eu posso. Como se não bastasse isto, há ainda o problema do Papai Noel ser acusado de estimular a pedofilia ao colocar crianças no colo e destruir a infância que ele, em princípio, ele estimula com seus presentes.
Como se pode perceber, a vida do Papai Noel está cada vez mais difícil, e ele bem que pode advogar a máxima cristã de que nem deus, ou Cristo, agradou a todos, quem dirá ele, mas, a cada ano, ele se renova enquanto símbolo de renovação do Natal assim como o cristianismo e a festa yule. Para além do misticismo idealista ou do realismo positivista cientificista e econômico, o Papai Noel continua existindo como renovação de algo que permeia o idealismo e vai além do realismo, que é a vida encarnada no próprio Papai Noel e no Natal. Algo que devemos pensar hoje em dia na medida em que a vida se torna cada vez mais frágil diante de balas produzidas pelo positivismo científico realista de matar ou morrer para defender a propriedade privada capitalista e do fundamentalismo religioso que legitima matar e morrer em nome da propriedade privada de um deus, cristão no caso do Natal.
Para pensar no Papai Noel e no Natal que ele significa atualmente, e toda a problemática de seu significado, é preciso lembrar o que Marshall McLuhan disse em seu livro Os meios de comunicação como extensão do homem, no caso, de que "O meio é a mensagem". Ao pensarmos nesta sua frase célebre, podemos dizer que durante toda a história da humanidade, os meios ou as mídias foram uma forma de extensão do ser humano, dele comunicar a si mesmo a outrem, uma linguagem produzida de diversos modos para estender seu pensamento, não apenas comunicando o pensamento a outro, mas ampliando o pensamento do outro a partir de si mesmo e dele a partir do pensamento do outro. Outro que não é um ser qualquer, diferente dos demais, senão algo inominável e não identificável como ser, uma différance em relação a tudo que existe. É em relação ao outro que os meios de comunicação estendem o ser humano, fazendo seu pensamento e ele além de si mesmo em direção a algo que não é ele próprio em seu pensamento, e que não simplesmente difere dele e de seu pensamento como outro, mas que o difere, modifica-o, transforma-o, faz com que ele seja outro ou diferente a partir do momento em que se comunica com o outro, que uma différance acontece a partir de sua comunicação com o outro.
Esta différance que acontece em nossas vidas quando nos comunicamos com os outros e nos estendemos a ele em pensamento por qualquer meio de comunicação é a mensagem do Natal e do Papai Noel, uma mensagem que é de renovação, de uma mudança na vida como um todo, natural, humana, econômica e, não por menos, existencial no tempo presente sem qualquer ideal possível, isto é, nenhum fim racional. Se o meio é a mensagem como disse McLuhan, ao contrário da preocupação dele e de muitos atualmente, o que importa não é o meio, mas a mensagem do Papai Noel na época do Natal e em qualquer época do ano, do século, do milênio ou da humanidade. E isto é válido cada vez mais hoje em dia tendo em vista que a mensagem perde cada vez mais sua importância para os meios tecnológicos nos quais se propaga e que, ao mesmo tempo em que pais e mães se afligem em dizer se existe ou não Papai Noel e se as crianças devem acreditar nesta "mentira", por outro lado, eles não se afligem em dizer do modo mais crente e fiel possível diversas mentiras nas mídias, pois, para eles, como para McLuhan, o meio é a mensagem, isto é, o meio, a mídia, oficial ou de rede social, é a verdade e a vida assim como Jesus Cristo reencarnado nas mídias atualmente.
Cada vez mais as pessoas acreditam, desde McLuhan, que o importante são as mídias e não as mensagens e cada vez mais o capitalismo estimula a produção de mídias e uma produção através nas mídias. Não importa o que é dito enquanto mensagem, mas em que mídia é dita a mensagem: no Instagram, Facebook, Whatsapp ou Twitter ou em jornais, blogs, páginas e canais midiáticos de textos, áudios e vídeos. A verdade está na mídia e não na mensagem propagada por elas. O que se perde com isto pode-se perceber a olhos vistos e contradiz cada vez mais o que McLuhan pensou como extensão em seu título, no caso, de que os meios de comunicação são uma extensão do homem, isto é, que eles estendem a humanidade, ou ainda, servem para que a humanidade se comunique e, deste modo, haja uma aldeia global, na qual todos possam se comunicar. Contradiz na medida em que se pensa a comunicação não apenas como o endereçamento de uma mensagem a outro por algum meio de comunicação ou mídia simplesmente, mas como uma ação comum, uma ação social, ou ainda, uma interação social na qual aquele que comunica uma mensagem recebe uma mensagem diferente de volta pelo mesmo meio em que se comunica e que é possível se comunicar. No caso, quando se pensa que a comunicação não é a via de mão única de uma mensagem, uma doutrinação por meio da palavra escrita ou ouvida, da imagem ou do vídeo sem qualquer interação com o outro, sem o retorno de uma mensagem diferente e com a inevitável modificação dela e de si por meio dela.
A importância que McLuhan deu aos meios de comunicação é, inegavelmente, a importância que muitos dão aos aplicativos, redes sociais e à Internet atualmente. Não importa a mensagem do aplicativo, seja ele de jogo ou de qualquer outra coisa, ou a mensagem das redes sociais e na Internet, a conexão que o aplicativo produz é mais importante do que a mensagem dita nela. O que se pode perceber é que a mensagem enquanto princípio e fim da comunicação, com a qual a comunicação se estabelece e se diferencia, aquilo que se quer comunicar a outro e que se quer saber de outro, já não é mais importante, assim como o Papai Noel e o Natal em certa medida. A comunicação pressuposta na troca de mensagens foi suprimida pela importância dos meios de comunicação que não mais comunicam, pois suprimem a própria comunicação ao apenas informar uma mensagem por meio de uma linguagem matemática aritmética arquitetada geometricamente por algoritmos de modo neutro sem qualquer responsabilidade pelo que é dito, isto é, pela mensagem enviada.
Cada vez mais as pessoas não se responsabilizam pelas mensagens e, portanto, não visam se comunicar pelos meios de comunicação, apenas se preocupam em informar o que sentem, o que comem, o que deve ser feito, o que não deve ser feito, o que pensam, o que deve ser pensado, o que não deve ser pensado, no que acreditar e no que não acreditar, e fazem o que os meios de comunicação fazem tornando-se também elas meios de comunicação de uma mensagem que não é pensada em si mesma. Há uma sujeição, neste caso, não apenas das mensagens aos meios, mas também das pessoas aos meios de comunicação e não por menos da mensagem do Papai Noel e do Natal.
Se é preciso pensar nos meios de comunicação atuais para pensar no Papai Noel como representante do Natal em particular é porque é preciso pensar na vida submetida às mídias atualmente e, principalmente, das crianças, não porque as mídias são um mal em si mesmo, mas porque elas propagam cada vez mais mentiras sobre a vida como se fossem a realidade e fazem de si mesmos a realidade, e as pessoas confundem o virtual com o real, bem como, ao contrário do Papai Noel e do Natal, não trazem nenhuma esperança ou perspectiva de vida por vir. Pelo contrário, as mídias trazem cada vez mais o desespero de pessoas aflitas com a realidade social ao propagarem suas dores, opressões, tristezas e violências muito mais temerosas do que o colo do Papai Noel. E quando há esperança ou perspectiva de vida nas mídias não é a ajuda de alguém, mas uma auto-ajuda, na medida em que o outro com o qual se comunicam não é necessariamente alguém disposta a ajudá-las, somente programas computadorizados para propagarem mensagens felizes em algum momento a partir de algum algoritmo ou pessoas em busca de ganhar dinheiro vendendo a felicidade com mensagens de auto-ajuda em redes sociais do tipo seja feliz sozinha sem pedir ajuda a ninguém.
É sintomático em relação a esta questão dos meios de comunicação se perceber, neste sentido, a preocupação de pais e mães em falar ou não sobre a existência ou não do Papai Noel e com acreditar ou não nele na época do Natal, quando elas acreditam cada vez mais em tudo que aplicativos e redes sociais informam. Ou seja, que duvidem do Papai Noel por ser uma "mentira" inventada pelos cristãos, pelo capitalismo, pelo comunismo ou por um bando de velhinhos pedófilos e não duvidem de muitas informações em redes sociais e aplicativos em nome de deus, da família e do cidadão de bem, pois, para elas, o que os aplicativos dizem está acima de qualquer dúvida, como estão os deuses, não importa o que dizem. Já o Papai Noel, bem...
O Natal é a mensagem, assim como o Papai Noel, e se há uma descrença cada vez mais generalizada em relação a eles por quaisquer motivos é porque a mensagem não é mais importante do que o meio atualmente. A verdade ainda que possível da mensagem não tem mais importância, o que importa é a pós-verdade do meio, o que o meio informa e se acredita que é verdade por ser informado por ele, pelas mídias nas quais se acredita e nas quais não há qualquer questionamento da mensagem, pois são de confiança. Neste sentido, o Papai Noel e o Natal só são críveis na medida em que são reduzidos a meios de comunicação de algo e não a mensagem de algo.
Ao se questionar o Papai Noel e o Natal enquanto mensagem, devemos então inverter e subverter o que McLuhan disse, pois se o meio é a mensagem, não é o meio que importa, é a mensagem. Não importa se o Natal é yule, cristão ou a época do Papai Noel, o que importa é a mensagem que se envia com isto transformado em meio, uma mensagem que é de mudança, transformação, de différance da natureza, com o nascimento de uma vida e da esperança de uma vida melhor, mais divertida, para crianças sem qualquer perspectiva de vida na sociedade devido a pobreza produzida pelo capitalismo que não privilegia os mais pobres, só os mais ricos. O Papai Noel como representante do Natal não é o símbolo ideal de uma esperança mística religiosa ou do capitalismo, quiçá do comunismo, tão pouco uma mentira que se conta para crianças segundo a verdade racionalista positivista científica realista que não acredita em nada além de si mesmo como verdade, de modo autoritário muitas vezes por sua descrença nos outros. O Papai Noel, assim como o Natal que ele representa, é a possibilidade de uma renovação, de mudança, de uma transformação, de uma différance que acontece com a mensagem endereçada por uma criança a um velho que envia em troca um brinquedo como mensagem para ela e, nesta troca de mensagens, a vida se renova, modifica-se, transforma-se.
O presente dado pelo Papai Noel a uma criança simboliza a passagem de um tempo que passou, o passado do Papai Noel, para um tempo por vir, o futuro da criança, é a mensagem de uma mudança no tempo e na vida a partir do presente dado no Natal. Quando alguém mais velho dá um presente para uma criança, não importa se barato ou caro, como se fosse o e do Papai Noel, ele materializa o tempo de renovação, de mudança, de transformação da vida, a passagem da velhice para a infância e renovação desta infância com o presente em forma de brinquedo. Quando se dá um presente se renova a vida, pois é com o presente na realidade que a vida se renova, o passado se torna futuro, a dura realidade da vida se torna leve com os brinquedos de Natal. A velhice e a infância da vida se encontram no presente de Natal e a vida se renova deste modo.
Mas algo mais se renova com os presentes de Natal do Papai Noel e que é indispensável ao pensamento: a imaginação como possibilidade de esperança diante do realismo atroz ao qual a vida é lançada pelo racionalismo cientificista positivista das tecnologias e do capitalismo, bem como pelo misticismo religioso fanático que anuncia o fim dos tempos. Uma imaginação produzida com o brincar e com os brinquedos que tornam possível uma mudança de pensamento sobre a vida necessário em tempos sombrios. Pois ao se presentear uma criança com um brinquedo no Natal dizendo que foi o Papai Noel não é uma mentira que se conta, é uma possibilidade de mudança para além da realidade racionalista que se produz, o brinquedo e a brincadeira estimula a criança a pensar que a realidade pode ser diferente da que ela vive, que uma différance é possível e sempre possível na realidade.
Quem não acredita em Papai Noel e no Natal faz crianças não acreditarem na possibilidade de mudança, renovação, transformação, diferença, différance da vida, não acreditarem que a mensagem é importante, somente os meios racionais, tecnológicos e fundamentalistas religiosos não importam que eles digam mentiras e não tragam nenhuma esperança. Impedem que as crianças imaginem algo diferente da realidade em que vivem e se tornem elas um meio da realidade se propagar em vez de serem a possibilidade de uma mudança da realidade. Submetem e subjugam a imaginação infantil à sua racionalidade de modo autoritário como pais e mães realistas positivistas cientificistas fundamentalistas religiosos que acreditam que a verdade é a dos meios tecnológicos científicos e religiosos utilizados para dizer o que é a verdade.
Se o meio é a mensagem é com a mensagem que devemo nos preocupar no Natal e não com os meios. E a mensagem do Natal começa com uma carta endereçada ao Papai Noel no qual se deseja um brinquedo, que é o desejo de que a realidade seja diferente, que o presente modifique o tempo, que o passado simbolizado pelo Papai Noel se transforme no futuro simbolizado pela criança que renasce a cada presente assim como nós renascemos também com os presentes do Papai Noel no Natal.
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