Por ti não morrerei

maio 06, 2019

O amor não é feito de sacrifícios, mas de prazer. Estranha lógica a que faz o amor se relacionar à morte, Eros a Tânatos, o prazer a dor e quanto mais dor, mais prazer, mais amor. Estranha porque desequilibrada, desequilibrando-se, buscando constantemente se equilibrar, no limite, fazendo da maior dor, do maior sacrifício, da maior morte o maior prazer, o maior amor. Pois quanto maior a dor, maior o sacrifício, maior a morte e, segundo esta estranha lógica, maior o amor...

Estranha lógica, porque o que se sacrifica por amor é, no limite, o próprio amor. É o amor que morre, que começa a morrer no menor sacrifício que se faça por aquilo ou aquele que é amado, por amor. É, de fato, um amor pela morte e não pelo prazer com a vida com aquilo ou com aquele que ama, amor por amor. É um amor pela dor que é elevada ao sacrifício e às últimas consequências por aquilo ou aquele que ama. É um amor sem limites porque, no limite, é a vida que importa. É a vida o limite de todas as coisas e aquilo que nos limita constantemente e nos impele a mar, mas, pela qual, se diz muitas vezes, devemos nos sacrificar, devemos sacrificá-la, sacrificar nosso amor por ela, na vida. Uma vida, desse modo, que já nasce morta assim como o amor desde o momento em que começamos a vê-la como um sacrifício, como um penar, como um agonizar constante de forças naturais que se desfazem constantemente e que precisamos repor ou aceitar que vão, um dia, se acabar, e que tudo não passa de um longo, ou breve, penoso e doloroso caminhar para o fim, para a morte, a qual muitas vezes se diz, em sacrifício, de si, do outro, do amor, bem-vinda!

Estranha lógica como se percebe que transforma o amor, o prazer, a vida, em algo totalmente diferente do que são, o oposto do que são realmente e que requer que se transforme segundo uma lei eterna que diz que tudo é feito de opostos e que não podemos evitar a dor, o sofrimento, a tristeza, o sacrifício necessário e a morte que o amor nos traz. Devemos, neste sentido, amar, mas sempre lembrar com um ceticismo atroz que vamos sofrer, devemos sofrer se quisermos amar, que não existe amor sem sofrimento e que qualquer menor felicidade que possamos ter com o amor em nossa vida, e pela vida, trará em seu encalço um infelicidade não menor, nem igual muitas vezes, mas absurdamente maior, trágica. E é como tragédia cotidiana que o amor se apresenta desde os gregos nos palcos naturais e humanos transposta para os palcos elisabetanos na modernidade e para o cotidiano de mortes "passionais" apresentadas nas mídias cotidianamente para lembrar que o amor mata segundo a advertência desta estranha lógica e, segundo ela, devemos matar o amor, por amor, para que ele não nos mate.

Segundo esta estranha lógica de amor e morte não podemos e não devemos amar. Devemos, em princípio, sacrificar o amor em nossas vidas, de nossas vidas, e, deste modo, é a já a morte do amor que se professa com esta lógica e a partir do momento em que começamos a pensar a partir dela. Se não conseguimos sacrificar o amor, pois isto mesmo é algo naturalmente impossível, devemos, segundo esta lógica, evitá-lo constantemente num sacrifício constante do amor, por amar, punindo-nos por cada desejo desperto pelo amor a qualquer coisa, ao outro, a nós mesmos. Devemos seguir em uma linha reta o caminho que devemos percorrer até a morte e a vida eterna sem qualquer erro e qualquer desvio e qualquer retorno que o amor possa fazer para nos desviarmos da lógica de que devemos evitá-lo e, mais ainda, que devemos evitar o amor pelo amor, no caso, um amor pelo sacrifício do amor, um amor pela morte do amor, um amor pela dor que não rima com amor, pois, no fim, não é o mesmo, amor e dor são absolutamente diferentes, e nunca oposto, pois somente se opõe o que não é semelhante, o que não segue a lógica da semelhança, e não sendo semelhantes, amor e dor, nunca se opõe, a não se na estranha lógica que quer que eles se oponham e, sobretudo, se assemelhem, para que, devido a dor, evite-se o amor, não se deseje amar, para não sentir dor.

Amor e dor nunca rimam, por mais que a língua desta estranha lógica faça parecer que sim. Amor e dor são coisas completamente diferentes, pois a dor somente aparece quando o amor já não está mais presente, quando o amor foi evitado ou morto pela lógica que o quer morto e, por isto, relaciona-o à morte e não à vida. É porque não se quer que o amor viva que se relaciona desde o princípio o amor à morte, dele, de si, do outro, de tudo aquilo que se possa vir a amar. É uma lógica nefasta que faz de cada desejo um sentimento de culpa, de cada realização do desejo, um ressentimento, e que faz, de cada repressão do desejo um desejo de medo, de vingança contra aquele que reprime seu desejo e, deste modo, faz do desejo um desejo de morte daquele que não realiza seus desejos e um desejo de morte de si mesmo por matar aquele que deseja, ou ainda, desejo de matar a si mesmo por não ter o que deseja.

Converte-se, segundo esta estranha lógica, cada desejo em um desejo de morte e cada amo é transformado no prenúncio desta morte, no ceticismo mais doentio que se possa ter, o ceticismo de amar, de viver por amor e não por morrer por ele. Um ceticismo que é, em princípio, o que mantém e sustém esta estranha lógica segundo a qual o amor não existe, finda por não existir, porque morto desde o princípio como ideia e, enquanto tal, como verdade, no pensamento de todos. Mata-se o amor enquanto ideia e, depois, diz-se que ele não existe, assim como mata-se o amor em desejo de amar para que ele nunca se manifeste em vida, como vida, como algo existente. Nunca vi ninguém viver de amor...

A estranha lógica que relaciona amor a sacrifício não é tão estranha, pode-se dizer. Não é tão estranha assim já que é extremamente comum o seu acontecimento nas tragédias teatrais, históricas, cotidianas da vida de pessoas e fatos há muitos anos que a fundamentam deste modo, além de tradições religiosas de toda a parte que professam o amor como morte anunciada, com um fim inevitável, trágico. Religiões, muitas vezes, para as quais não existe amor eterno e tão pouco a vida eterna se não for em princípio por um amor sacrificado, em sacrifício, sacrificando-se constantemente no cotidiano pelo outro, por todos. Não se pode amar eternamente e tão pouco viver eternamente sem que o amor seja sacrificado, a expressão mesma de um sacrifício, sem que ele negue a si mesmo, não seja si mesmo, amor, desejante, prazeroso, por algo, por alguém, de alguém por si mesmo.

É uma estranha e comum lógica que perverte os corações de todos aqueles que amam e desde o primeiro momento que começam a amar. Uma lógica que introduz no coração dos amantes a dor, a raiva, a inimizade, a hostilidade, a tristeza, a culpa, o ressentimento, a vingança, a morte em qualquer possibilidade do amor, do desejo de amar. Neste sentido, todo amor é realmente impossível, pois não há a menor a possibilidade, segundo esta lógica, de podermos amar,  desejar amar, ter prazer com o amor em vida, com aquilo e aquele que amamos e acolhemos em amor e desejo em nossos corações.

É uma estranha e comum lógica que transforma cada pulsar do coração amante do amante num pulsar de medo por amar, por saber que está amando, por não poder amar, não dever amar, por ter que sacrificar o amor que sente no peito, por ter que matar o amor que sente pelo que e por quem ama. Uma pulsão de sangue e desejo no coração convertida em pulsão de desejo de sangue e de morte do coração como símbolo de todo amor e de todas as pulsões do desejo e de vida que ele manifesta em si mesmo, como si mesmo. Uma transformação radical de toda a natureza que nos impele a amar, estar com outro, ter prazer com o outro e consigo mesmo a partir daquilo e daquele que nos dá prazer, porque, segundo esta estranha lógica, não podemos, não devemos seguir a lei da natureza que é, neste caso, a lei do amor, a lei do prazer, a lei da vida e nunca da morte, a lei humana que é, sobretudo, contra a natureza, que estabelece como costume e como direito e se faz justiça para evitar que sejamos naturais, para que neguemos, em princípio, o amor da natureza, pela natureza, que matemos, desde o princípio, a natureza, a mãe-natureza, se queremos sobreviver como humanos e sermos humanos. Lei, mais ainda, que perverte a própria natureza ao converter sua lei que nos incita a amar transformando-a numa lei que nos incita a matar, por amor a ela, por amor à natureza, porque é sua lei, um direito natural, o direito de matar e não o direito da amar tal como ela estabelece ao nos fazer vivo. Um direito de matar, ademais, por amor, por amor à natureza e tudo que existe, por amor à morte da natureza em cada ser que se faz presente nela em vida, um amor pela morte da vida natural que se torna, deste modo, natural, amor naturalizado como morte, pela morte, naturalmente.

Esta estranha e comum lógica que fundamenta cada expressão do amor como expressão de morte é considerada deste modo como universal, do próprio Universo que se expande morrendo, matando a si mesmo, e que não se pode ir contra ela na medida em que se parte dela para querer negá-la. Não se pode negar aquilo que é universal mesmo que seja por algo particular. Em princípio, não se nega algo universal por nenhuma particularidade, apenas transforma-se o que é universal em algo diferente, em uma nova universalidade, numa nova lei que passa a reger e ser regida por uma nova lógica então universal. O que se, pode, em princípio, é evitar a lei universal que faz do amor um sacrifício e que faz de tudo que é possibilidade de existência do amor e do desejo algo que deva morrer por um desejo de morte, amor que deva ser morto, deva-se matar, por amor a si mesmo.

Evitar esta estranha, comum e universal lógica que nos impele a matar o amor e matar por amor, sacrificar o amor e sacrificarmos por amor, porém, é possível. É preciso, neste sentido, mudar nossa compreensão do amor e dizer por ti não morrerei. Por ti, que amo, não morrerei, por ti, quem amo, não morrerei. Por ti, qualquer desejo e pensamento que me faz matar o desejo e o pensamento do amor não morrerei. Por ti, costume, direito, justiça, lei humana que me faça matar o amor desde o princípio, não morrerei. Por ti, natureza convertida em morte de si mesma, não morrerei. Por ti, qualquer coisa divina que me impila a matar o amor e o desejo, não morrerei.

É preciso converter o amor que faz com que nos sacrifiquemos pelos outros em amor pelos outros, portanto, dizendo, por ti não morrerei, entendendo-se deste modo que a vida do outro é tão importante para nós como nossa própria vida, fazendo da vida do outro a nossa própria vida, como aquilo que nos mantém vivos, e o que deve naturalmente nos manter vivo. Esta é, senão, a lei da natureza, a lei do amor, a lei da vida, sem a perversão da natureza, do amor e da vida por esta estranha, comum e universal lógica humana. É a lei que faz de cada ser vivo necessário para a vida do outro e que sem o outro não podemos viver assim como sem nós mesmos não podemos viver e que é preciso amar outro para além de sua morte, da nossa morte, sem qualquer sacrifício, mantendo-nos vivo e ele vivo a partir de nós mesmos. Amar o outro em nós, em nosso corpo, em nossa mente e sem o qual não podemos viver.

A lei da natureza, do amor, da vida, é a lei que nos impele a amar e viver naturalmente e que, se há morte, pois não é possível negar a morte naturalmente, a morte não é o objetivo da vida, não é matando o outro ou pela morte do outro ou nossa morte pelo outro que vivemos ou sobrevivemos, é pela vida do outro que vivemos, por cada ser que habita em nós, mesmo depois de morto, nosso corpo, nossa mente. Precisamos do outro para viver, precisamos amar o outro para vivermos, e, sem o qual, morremos, eis a lei da natureza antes que a estranha lógica que relaciona amor e morte comece a nos matar e começa, desde o princípio, a fazer isto, desejar que nos matemos, por amor a uma lei contra a natureza, contra a vida, contra o amor.

Mas conseguimos viver de amor? Perguntaria o grande cético. Só se vive de amor, responderia o grande racionalista, aquele que não nega a natureza, não nega a vida, não nega o amor, não nega nenhum sentido, sentimento e sensação da natureza, da vida, do amor em seu coração e vive intensamente em si mesmo a lei da natureza que o impele a amar, não morrer por amor, por qualquer ceticismo em relação ao amor, em relação à natureza, em relação à vida. Grande racionalista que se opõe à toda a estranha, comum e universal lógica que pretensiosamente se incide nos corações de todos e os impede de amar como o grande racionalista ama e que se é um grande racionalista é senão porque é o amor a sua lei, a lei da sua razão, a lei da razão de viver, uma razão natural que ninguém contradiz porque indubitável. Uma razão que não nega a natureza, a vida e o amor à natureza e à vida, uma razão maior do que qualquer outra razão que pretenda se impor contra ela, que venha a se tornar razão de morte da razão, morte do pensamento, morte do amor que nos faz pensar no amor.

Contra todos aqueles que, segundo sua estranha, comum, universal lógica diz que devemos nos sacrificar por amor a qualquer coisa acima de tudo devemos dizer Não! se queremos realmente amar, se realmente é o amor que sentimos, se realmente é o amor pela vida o que temos, o amor à natureza, não a engaiolada, domesticada, para o nosso bel-prazer, este prazer que nada tem de belo, porque prazer consumido em si mesmo a partir do triunfo pela posse de algo sobre o qual se quer ter poder, prazer que é de morte do outro para viver e sobreviver eternamente pela morte dele sem qual ele não vive.

Contra todos aqueles que, com sua razão, segundo esta estranha, comum e universal lógica, fazem do amor um desejo de morte, de matar, de empunhar armas para matarmos o outro, uns aos outros, numa guerra de todos contra todos para satisfazer seu desejo de morte, de amor pela morte, amor pelo sacrifício, que quer que sacrifiquemos o amor, por amor, em nome de uma moral, de costumes, do direito de matar, de uma lei penal, de uma justiça para todos, devemos impor a razão do amor, da natureza, da vida, e, dizer, por ti, não morrerei! Viverei cada segundo para ver tu morreres pelo teu amor pela morte, tu morreres pela arma que tu empunhas e outro empunhará algum dia contra ti seguindo tua própria lei de matar e de se matar! Viverei para ver tu morreres pela natureza que tu desejas matar e que te matará segundo tua própria lei, a lei que tu professas, não a da natureza! Viverei para ver tu morreres de raiva, de rancor, de ódio, de ressentimento, de vingança enquanto eu viverei mesmo depois de morto, porque não é a lei da morte que me rege, mas da vida que tu nunca conseguirás ter mesmo vivo, porque tu a matas constantemente em ti e morrerás por ela, para defender a tua estranha, comum e universal lógica de amar por sacrifício, matar por amor ao que quer que seja, mas nunca pelo amor realmente, pois este se perverte em tua boca mentirosa que professa a vida com a morte, que desejas a minha morte, mas, por ti não morrerei! Por ti não morrerei, mesmo que a morte me venha por tuas mãos, mesmo que o amor à morte faça tu me sacrificares nelas, mesmo que a minha morte seja o teu desejo assim como é a tua morte o teu desejo.

Assim, devemos dizer a esta estranha lógica que perverte nossos pensamentos, sentimentos, nossa natureza a cada momento negando a vida, o desejo, o prazer, o amor. Lógica que relaciona Eros a Tânatos, que perverte toda a natureza, toda a vida na natureza, nossos corações, nossos pensamentos e que nos faz empunhar armas contra tudo e contra todos, instrumentos de morte para nos manter vivos, ferramentas de destruição em vez de construção, que nos faz falar em morte do amor, da vida, do outro, do que é diferente, a cada momento, levando à depressão de tudo que nos rodeia no mais profundo abismo no qual, toda esta estranha, comum e universal lógica se aprofunda e nos lança para nunca mais sairmos, nunca mais amarmos mesmo quando o amor da nossa vida, da vida, se faz presente, dizendo-nos que não podemos amar, não devemos amar e acabamos por não amar, por medo, por receio, porque temos e devemos sacrificar o amor segundo esta estranha, comum e universal lógica de morte do amor e amor pelo sacrifício e morte do amor.

Amar sem sacrifício, amar sem sacrificar a si, o outro, a natureza, a vida, eis o maior desafio ao grande racionalista que ama sem querer se sacrificar por amor, sacrificar o amor. Amar, naturalmente, sem qualquer empecilho, qualquer impedimento da razão cética que diz para não amar. Amor incondicional porque amor sem condições de ser compreendido por esta estranha, comum e universal lógica, e que é tão somente amor, que não necessita de qualquer condição para sua existência, que tão somente aparece à nossa frente quando menos esperamos, isto é, quando menos evitamos o amor, menos sacrificamos o amor, a vida, a natureza em desejo e em pensamento. Amor que brota do chão como semente e se faz na terra, sempre na terra e nunca no céu constelado de estrelas, pois é amor da terra, nosso pela terra como símbolo de todo amor possível, toda e qualquer possibilidade de amor, fiel e infiel, natural quando visto naturalmente e pervertido por estranha, comum e universal lógica humana que o faz antinatural e anti-humano logicamente.

Amor que nos faz dizer, por fim, por ti, viverei. Por ti, meu amor, viverei cada segundo da minha vida, sem qualquer sacrifício, amando-te e amando a natureza e vida que me faz viver naturalmente o amor, sem qualquer empecilho a ele, sem qualquer razão que o condicione, pois ele é a própria razão naturalmente. E mesmo que a morte me abata seguindo a estranha lógica que une Eros a Tânatos no mais profundo inconsciente do ser me separando de ti, viverei junto a ti, pois, por ti, meu amor, por amor, para sempre, viverei, pois não é nenhum sacrifício amar, meu amor, por ti.

Nenhum comentário:

Tecnologia do Blogger.