A agonia da democracia brasileira


A democracia é uma agonia, mas nos dias atuais ela agoniza cada vez mais diante da ameaça de que sua agonia tenha um fim, pois se quer sempre por um fim à agonia democrática quando nela alguém busca alçar-se ao poder para defender um Estado antidemocrático, seja um Estado oligárquico, em que somente algumas pessoas consideradas a elite ou nobreza ou raça superior têm o poder de decisão sobre a vida de todos os cidadãos, seja um Estado monárquico ou tirânico ou ditador ou fascista em que apenas uma pessoa tem o poder absoluto de vida e de morte sobre todos cidadãos mesmo eleitos por eles.

O jogo de diferenças faz parte da agonia democrática cuja origem é grega, pois nela cada cidadão em seus diferentes aspectos sociais têm o direito de se expressar e ser protagonista ao poder participar publicamente em debates sobre os problemas da cidade, Estado ou país, pois a agonia democrática é a competição entre todos os cidadãos em seus discursos expostos publicamente em debates e que vença o melhor. Aqueles que são contra a democracia não querem, obviamente, debater ou que existam debates entre diversos agonistas livremente ou ainda que haja discursos contrários aos seus, no caso, o dos antagonistas. O antidemocrático quer apenas falar e nunca escutar os que discordam ou se opõem diretamente a ele, mais ainda, ele deprecia o discurso dos agonistas e antagonistas com ofensas, violência e mortes tentando evitá-los.

A agonia democrática vista a partir da história da democracia grega e ocidental não é deste modo algo ruim como se pode pensar a partir da palavra agonia em português cujo sentido mais comum é o de angústia, medo e desespero de uma pessoa incapaz, em geral, de fazer algo para se salvar e, por isso, agoniza, pois em vez de debater, se debate, se contorce toda diante de uma situação que a leva ao enlouquecimento ou à morte, pois como disse muito bem Kierkegaard, o desespero é a doença mortal. Mas agonia portuguesa ainda assim deriva da agonia grega, pois no limite, este desespero agônico por vir acontecer quando aqueles que agonizam em debate, em disputa, em discursos, tendem a se contrapor num combate que vai além das palavras, numa rivalidade que vai além do jogo de linguagem para um jogo de vida e de morte num conflito de punhos, armas e bélico como numa guerra. É neste momento que a agonia democrática agoniza, pois em vez de cidadãos que expõem seus pensamentos em discursos sobre os problemas que envolvem a todos na cidade, Estado e país, protagonistas e antagonistas rivalizam numa dialética numa tentativa de superar um ao outro e cujo fim é, deve ser, a morte do outro não apenas no corpus do seu discurso, mas em seu próprio corpo, violentado com a maior crueldade possível dependendo de quem vença no fim da história. Ou seja, a superação deixa de ser a dialética de uma tese e antítese de pessoas em debate como agonistas para ser uma dialética social, política e econômica pela sobrevivência do mais forte sem qualquer debate utilizando-se quaisquer armas possíveis para superar o poder do outro e instituir o seu próprio poder.

Não por acaso, neste sentido, quando a agonia democrática agoniza surgem discursos inflamados de violência e morte ao outro, quando não de um extermínio generalizado de uma raça que é considerada outra em sua etnia, cor de pele, gênero, sexualidade, língua e nacionalidade ou mesmo deficiência genética. Evitar a agonia democrática, isto é, evitar o debate e querer mesmo pôr fim a ele não se permitindo que os cidadãos debatam livremente é o que faz agonizar a democracia e em seu lugar impor um Estado antidemocrático cujo pior que já surgiu na história foi o Nazismo fascista de Hitler em que a agonia democrática se tornou a agonia de milhões de judeus, homossexuais, negros, ciganos e de alemães que morreram em defesa de um regime que não tinha nenhuma preocupação com suas vidas, que as dominava ao ponto de levarem-nas ao suicídio em massa em frentes de batalha e ambientes inóspitos como o da Rússia (antiga União Soviética).

Se o Nazismo fascista foi o pior e mais extremado fato da História de Estado antidemocrático não é porque ele matou mais pessoas, mas porque nenhuma perspectiva de debate se tornou possível nele, nenhuma forma de diálogo, seja por quem fosse antagonista direto dele, seja por quem fosse um agonista qualquer que discutisse suas ordens. O julgamento de Eichmann demonstra claramente como não importava qualquer argumento que não fosse o argumento nazifascista e a consciência evitava qualquer julgamento de uma razão, isto é, qualquer juízo de valor ou deliberação sobre alternativas possíveis ao fascismo, e nenhum debate na agonia democrática se torna possível até mesmo como diálogo interior dos cidadãos em sua filosofia, como em Platão, ou como uma dialética do juízo em Kant, ou ainda, como uma dialética do espírito no indivíduo e na história em Hegel, para além de uma dialética materialista de classes econômico políticas como em Marx. Em outras palavras, o fascismo nazista silenciou não apenas todos aqueles que Hitler considerava como uma raça inferior e estimulou a todos massivamente por meio de mensagens a acreditar nele, ele silenciou a própria consciência das pessoas em seu pensar por si próprias, julgar e deliberar em debate com outros ou em sua própria consciência e de decidir por argumentos e não por violência de mãos armadas o melhor para sua cidade, Estado e país.

É no silêncio imposto por um poder delegado a um fascista que a agonia da democracia agoniza, pois as pessoas temerosas em falar e impedidas mesmo de falarem sob o risco de morrerem, silenciam até a fala de seu pensamento e se debatem ao ponto do enlouquecerem com sua agonia. Um silêncio que deixa de ser a escuta do seu pensamento e dos pensamentos dos outros agonistas em debate, que deixa de ser um sinal de respeito ao outro que está próximo ainda que distante em debate para ser o silêncio de si mesmo pela ausência e impossibilidade de qualquer debate em sua consciência e de qualquer debate, conversa, diálogo com o outro próximo ou distante. Um silêncio que é imposto pela agonia enquanto angústia, medo e desespero de quem é impossibilitado de expressar seu pensamento na fala ou na escrita, de buscar um sentido diferente do que o fascista impõe ao dominar o pensamento de todos com palavras de ordem e progresso e todos que aderem ao discurso dele não veem nenhuma alternativa possível senão seguir o seu anseio de morte, do outro e de si mesmo em sua consciência inconsciente.

A democracia brasileira agoniza em sua agonia diante do fascismo de muitos atualmente devido a este anseio de morte cada vez maior que um regime fascista desperta nas pessoas como uma busca de prazer para suas angústias, medos e desesperos sem verem alternativa nenhuma em suas vidas que não a morte, do outro preferencialmente por levar à agonia de debater e pela agonia angustiante disso para si que agoniza em seu pensamento e jaz no mais profundo silêncio da solidão de suas palavras sem sentido algum, totalmente descontextualizadas da realidade, negando a própria realidade presente e passada em sua história.

O princípio básico de todo fascismo é o silenciamento da agonia democrática evitando qualquer debate entre as pessoas e nelas mesmas em sua consciência. É a morte do discurso em diálogo com outro num debate por um discurso como monólogo egoísta de uma pessoa que não quer ouvir a ninguém, apenas a si mesma, impondo sua fala com violência e ameaça de morte senão com a própria morte daquele que não a ouve no mais íntimo de sua consciência como cidadão. Quem não quer debater, não quer a agonia democrática, quer que a democracia agonize para que apenas ele fale acima de todos como deus e acima de tudo como presidente de um país.

Sem debate não há democracia, não há agonia democrática, há apenas o agonizar dela cada vez mais em direção ao fascismo.

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