Falha humana
O ser humano é falho. É da sua natureza falhar. Não há nada que ele pense, crie ou faça que não falhe. Ele até mesmo cria as coisas para falharem em algum momento, tornando-as obsoletas, para ganhar mais dinheiro com suas falhas. E talvez a obsolência seja a caracterÃstica desta época contemporânea em que vivemos, chamada por muitos de pós-moderna na qual todos os discursos e ações se tornam senão falhos por se quererem falhos contra todo o discurso moderno e anterior a ele que se pretendia sem falha alguma, negando a própria natureza humana como falha.
Se a natureza humana é falha é da natureza humana também negar esta falha na medida em que ela acontece. A negação desta falha é a criação de um universo de valores que buscam demonstrar que a falha é um erro e que, não obstante, não falhar numa própria vez, isto é, não errar, o que quer dizer em contrapartida acertar. A todo momento que se acerta, o regojizo que há com isso advém da negação da falha, se ter conseguido negá-la, de se ter impedido dela existir, pelo menos neste momento, e no outro, e mais neste, sem precisar voltar atrás e refazer o que pretendia fazer, agora, sem falhas.
Existem falhas humanas que são relativas e negá-las são atos corriqueiros em nossa vida, como falha na hora de escrever ou falar algo, como eu agora que errei ao escrever o que escreveria agora neste momento. Diversos erros imperceptÃveis no texto, pois refiz em diversos momentos o que escrevi ao ponto de não se poder nem mesmo falar sobre eles tamanha a quantidade, um universo de falhas que aconteceram e ficarão perdidas na memória virtual, que podem ser resgatadas até um determinado momento, até que o texto seja ele mesmo salvo de toda falha, isto é, anule todas as falhas até então e fique somente ele do jeito que vocês estão lendo. Sem falhas, ou não, pois uma pode sempre passar num momento outro e, por isso é tão difÃcil para algumas pessoas escreverem, ou mesmo de publicarem seus textos, como eu em muitos caso, pois são muitas falhas a serem suprimidas numa revisão ao ponto de ser melhor simplesmente fazer o que se faz costumeiramente também em relação à s falhas quando não se pode negá-las: esquecê-las.
Ninguém tolera falhas, por isso mesmo não conseguimos escrever e não expomos publicamente elas, e, quando são muitas as falhas que temos e já não podemos negá-las, melhor esquecê-las. O esquecimento é a negação da falha humana quando ela já não pode ser negada, quando se nega a própria negação da falha como algo impossÃvel. O que de fato é, mas não percebemos, pois, assim como o texto ao fim publicado e que se espera numa publicação, esperamos que as coisas não falhem, que não haja falha no que fazemos e no que os outros façam. Queremos um mundo sem falha humana, algo impossÃvel, pois é impossÃvel esquecer a falha humana, que se vai falhar em um momento ou outro de sua vida. Mas não importa, o que importa é que não haja falhas.
A falha não seria simplesmente um erro e não seria negada se não existisse em relação a ela um mundo sem falhas, isto é, se fosse possÃvel negá-las não em um momento ou outro quando acontecem, pois, como se pode perceber nem sempre nos preocupamos com as falhas, elas acontecem. Dizer que elas acontecem demonstra justamente o que elas são, acontecimentos como quaisquer outros, mas que, diferente de outros acontecimentos, porém, são vistas a partir de um pano de fundo imperceptÃvel que é um mundo sem falhas no qual elas mesmas não existissem como acontecimento. O mundo sem falhas é um mundo liso, sem qualquer estria, pois estrias são falhas no corpo humano e também da terra e se há uma falha humana é senão porque há falha na terra, toda a terra mesma é falha, estriada, sem qualquer lisura. A lisura do mundo é o que torna ele senão plano e toda a negação das falhas humanas assim como da terra é um plano que acabe com a estriez da terra e do ser humano em seus corpos. Não existe esta palavra estriez como avisa a linha avermelhada em baixo da palavra assinalada pelo corretor ortográfico que não será visto na leitura, mas será sentida em sua aspereza, falsidade, mentira, desonestidade, torpeza,torpeza, desvergonha, imoralidade, aleivosia, deslealdade, farsa, hipocrisia, perfÃdia, impostura, descaramento, rudeza, severidade, traição, adversidade, grosseria, austeridade, dureza, espigão, rispidez, fingimento, tredice. Todas estas palavras que querem dizer o oposto da lisura que é nada mais do que qualidade do que é liso, do que apresenta uma superfÃcie plana, mas que é também sinônimo de integridade, honradez, retidão, boa-fé, correção, seriedade, decência, probidade, lhaneza, honestidade, franqueza, sinceridade, transparência, abertura, lealdade, exatidão, veracidade, verdade, justiça. Todas estas palavras que são valores para negar os valores relacionados à falha vista senão como um erro, criados para ocultá-la ou mesmo não fazer existir a partir de um plano liso, de uma terra e um corpo sem estriez, que seria senão o próprio mundo como algo puramente humano, pois dizer um mundo sem falhas é senão uma redundância. No limite, um mundo sem falhas é um mundo no qual já não é mais possÃvel as falhas mesmas do corpo, da terra, do ser humano, pelo menos o ser humano em seu corpo e na terra em que vive senão falhando, em que toda sua existência na terra é uma grande falha, a falha de ter saÃdo do paraÃso ou de qualquer mundo em que ele, seu corpo e a terra não eram falhos. Isto é, no qual ele, seu corpo eram senão lisos segundo o plano divino.
Poder-se-ia dizer que a criação do ser humano foi uma falha de deus em seu plano, que deus seria neste caso falho ou quisesse ter sido falho ao criar o ser humano e que, deste modo, ele seria senão o o mito de toda a pós-modernidade em sua obsolência. "Se até deus criou o mundo para falhar, por que nós não criarÃamos?", gritariam os mais fervorosos. Admitir que deus criou o ser humano para falhar é acreditar que estava em seu plano que ele admitir a falha humana, que ele a toleraria que sua criação fosse falha, em outras, palavras que ele não fosse punir o ser humano por causa disso. Todavia o mito, a saber, toda a história narrada sobre a criação do ser humano do ponto de vista cristão demonstra que deus não tolerou a falha humana em relação a seu plano, isto é, não tolerou o que aconteceu e que não era para acontecer, mas que ele sabia, pressupostamente, que iria acontecer, mesmo que não soubesse quando, pois o ser humano que tinha criado era senão falho, em outras palavras, não era ele, deus. Tanto não tolerou que puniu com a expulsão do paraÃso e até hoje a falha humana em relação ao plano divino não é tolerada e punida, e se ganha muito dinheiro e poder com isso, obviamente, ao se fazer o que deus fez com muito seres humanos tendo deus como exemplo ou querendo ser eles mesmos deuses. E gritariam os mais fervorosos religiosos tomando deus como exemplo para negar a falha humana: "Se até deus não tolerou a falha humana no paraÃso, por que nós deverÃamos tolerar?"
Alguns vão dizer que não há falha neste caso, no plano divino, que deus queria então fazer o ser humano falho e que, em contrapartida não houve nenhuma falha divina na criação, tão pouco haveria em deus. De fato, quem negaria isto, se isto é senão o que se deve acreditar, que não há falha em deus, nunca há falha em nada que ele cria, mesmo que o que ele crie, falhe, em particular o ser humano que não simplesmente é expulso do paraÃso porque falhou, mas porque ao falhar todo o plano divino do paraÃso se tornou falho. No caso, se tornou estriado, a terra em que ele vive atualmente, bem como falho seu corpo e mente e tudo que ele pensa, faz, cria e que é senão negado religiosamente por uma lisura pressuposta por um plano senão humano que pretende que o mundo seja como era antes dele ter falhado em relação ao plano divino.
O plano divino não é falho, deus não é falho e não importa se se acredita ou não em deus, pois esta não é uma questão filosófica e, sim, religiosa. Não existe ateÃsmo senão para os religiosos e o ateÃsmo não é a descrença em deus, mas a descrença na religião, qualquer religião que tem a pretensão de levar o ser humano ao paraÃso novamente, a deus, redimido dos seus pecados por boas ações, isto é, sem falha alguma em sua vida, e como isto não é possÃvel, pelo menos purificado dela, isto é, perdoado quanto a elas, o que quer dizer, que elas tenham sido esquecidas, pois não podem ser negadas totalmente. Ademais, negar as falhas humanas seria negar senão o plano divino, de que ele criou o ser humano sem falhas, o que levaria a um problema para explicar como as falhas humanas surgiram se não foram de deus e como surgiu todo um conjunto de valores negativos e punitivos que depende da falha humana na criação dos seres humanos por deus. Como ficariam os religiosos sem a falha humana para culpar, fazer ressentir, ficar com raiva, se punir com violência ou com dÃzimo se deus tivesse feito o ser humano tivesse feito ele sem falhas? Seria ele deus, naturalmente, mas nisto nenhum religioso poderia crer, pois toda crença religiosa é na punição de deus da falha humana e sem se conceber a falha humana como um mal a ser punido, como deus fez, um mal que não poderia ser tolerado em sua mÃnima ação ou pensamento, não existiria a religião propriamente e tudo que os religiosos ganham com isso na terra em termos de riqueza como além dela em termos de paraÃso. E se eles querem viver no paraÃso, como todo ser humano que não admite sua própria falha, eles querem viver melhor ainda na terra antes de chegar lá e quanto mais se punirem, se ressentirem, ficarem com raiva, mais pagarem o dÃzimo para obterem algum lucro com este investimento econômico, mais ricos em alma serão e bens para o corpo eles terão.
Talvez os ateus sejam os únicos que acreditam piamente em deus, pois aceitam suas falhas e não a querem negar e fazem com que deus se redima senão a eles em sua perfeição, pois para deus ser perfeito em seu plano é preciso que admita a falha humana, e quem sabe se não seria este o plano divino? Não negar a falha humana com a expulsão do paraÃso, mas querer fazer com ela mesma fosse percebida como falha e humana, que o que se é planejado pode vir a ser diferente do que se pensava antes em ação. Que a falha humana não tenha o valor negativo que pensa que tem como erro e toda a variação de valores a partir disto, de um querer não falhar que seria o plano divino de querer que o ser humano não falhe? Pelo contrário, que a cada falhe ele se torne mais quem é e não melhor por negá-la? Como seria a existência humana mesma se não fossem as suas falhas, desde a primeira, considerada pecado capital, a mais importante de todos, não ter feito o que deus esperava do ser humano? ViverÃamos no paraÃso, de certo, mas se fosse para ser assim, deus teria feito o ser humano senão sem falhas, e não é esta a história... Sabemos bem e os religiosos nos fazem lembrar a todo instante disso, porque eles se lembram a todo instante disso sentindo a dor por terem sido expulsos do paraÃso, dor que não foi produzida por deus, que apenas fez o que pretendia fazer caso o ser humano falhasse, mas que o próprio ser humano faz a si mesmo quando falha, por ser falho, por não ter feito o que deus planejara para si, que ele vivesse no paraÃso.
Apontar a falha humana na terra ou em relação ao plano divino não é o mesmo que negar a falha humana a partir deste mesmo plano divino em relação ao ser humano no paraÃso. Negar a falha humana é, de antemão, pensá-la como um erro em relação senão a um plano divino, uma ordem preestabelecida a qual se deve obediência ou se deve conhecer. Uma ordem que é dada por deus e que é de um plano preestabelecido por si desde a criação para o ser humano na terra, isto é, o mundo no qual ele deveria viver se não fosse sua falha. Uma ordem para a qual toda falha é um erro e deve ser punida para que o plano continue do modo que se tinha planejado donde advém toda a culpa, ressentimento, raiva e riqueza com todas as falhas humanas. É preciso acreditar nesta ordem e no plano divino que ela pressupõe para que se negue as falhas humanas, e simplesmente não se aceite-as como falhas humanas.
Aceitar as falhas humanas não é tornar tudo que o ser humano pense e faça como algo bom. Isto seria o oposto de falhar, isto é, que algo aconteça independente da ordem pressuposta, divina, natural ou humana. Trata-se de não estabelecer em relação a falha humana um punição, uma dor infligida por ela, por culpa, ressentimento, raiva e que se obtenha riqueza com isto segundo um plano divino, natural e humano.Toda e qualquer punição de uma falha de pensamento ou de ação advém de uma ordem preestabelecida num plano divino, natural e humano que é impossÃvel de ser conseguido, logo, não há nenhuma possibilidade de remissão do erro que uma falha possa ser. Pelo contrário, é preciso que se erre para que haja necessidade de toda a lógica punitiva, isto é, é preciso que se considere a falha um erro em relação ao plano divino, natural e humano para que haja mesmo a punição e se as falhas humanas são tão temidas é porque não as temer é senão impedir que toda esta lógica punitiva se torne presente e todo um plano divino, natural e humano a partir dela. É acreditar em outro plano divino, natural e humano não sem falhas, mas no qual a falha está presente e, deste modo, retirar todo o poder e riqueza que se obtém com as falhas humanas consideradas como erros devendo ser punidas porque este o plano de deus, natural, divino e, não por menos do capitalismo em sua obsolência que diz: "Falhem! Quanto mais falhem, melhor!" Mas não obviamente porque as falhas são aceitas e perdoadas ou esquecidas por term sido simplesmente uma falha, mas porque se quer senão com elas exercer um poder e se obter riqueza com isto, pois toda riqueza surge senão como a vantagem de um poder, é um ter mais do que o outro custe o que custar, é a vantagem mesma que se obtém quando se tem poder que é a vantagem de não errar e de fazer com o que os outros errem para serem senão punidos por isto por aquele que tem o poder: deus, a natureza ou ser humano.
Somos falhos, isto quer dizer, não temos poder, não se pretende ter, tão pouco a vantagem econômica advinda deles que é a economia das falhas, de esconder as falhas e quem pretenderia mais esconder as falhas senão aqueles que têm poder, qualquer poder que seja? Poder é senão esquecer as falhas, buscar esquecê-las a todo instante em que se percebe que não se tem poder para isto, e todo discurso de empoderamento é um discurso que pretende esconder as falhas, sua próprias falhas, desmascarando as falhas dos outros como um mal para si. Todo discurso de poder dos homens sobre as mulheres e sobre todos os homens advém senão disto, deles esconderem suas próprias falhas pelo poder que é senão fazer esquecer propriamente as falhas, que se tem falhas, ou ainda, que não se tem, negando-as absolutamente.
Todavia, quando se diz que é falho por não ter poder, por não poder esquecer a falha, negá-la totalmente, o que se sente é que se devia ter poder, não ser falho, esquecer a falha não porque ela não seja importante, mas porque é importante demais para que os outros saibam e que, ao saber, podem ter poder sobre ela. É toda uma culpa, ressentimento, raiva e vantagem econômica quanto às falhas em relação aos outros que advém deste modo, toda uma busca de superar as falhas não porque são acontecimentos inesperados em relação um pensamento ou ação anterior, isto é, um efeito a um causa prevista, mas porque se quer que este acontecimentos sejam totalmente previstos obtendo-se algo a partir dele conforme um plano divino, natural e humano de se obter poder sobre outro e, riqueza, pois só há riqueza se houver poder de alguém sobre outro, se alguém obter vantagem econômica em esconder ou negar suas falhas ao outra. Toda negociação, ademais, depende disso, e é senão uma questão de poder não falhar, como toda economia que pressupõe uma falha do outro para se ter poder sobre ele. E não por menos toda uma tecnologia moderna é produzida senão para isto, o poder e a riqueza sem falhas humanas comparadas a das máquinas, que falham muito menos do que ele em um determinado tempo relativo, mas não absoluto, pois, afinal, são criações humanas e tendem a falhar, falharão algum dia, como o ser humano em relação à sua criação por deus.
Toda a causalidade pensada pela ciência e tecnologia moderna é a tentativa de evitar as falhas humanas ou pensar um mundo sem falhas humanas à semelhança do paraÃso divino e, não por menos, de seres humanos falhos, que não servem para o conhecimento, apenas para o trabalho, ou nem para este em comparação com as máquinas, e nem para a convivência social, pois não serem seres perfeitos, isto é, buscarem o poder e a riqueza sobre os outros, como disse Adam Smith a fazer de toda a natureza humana egoÃsta, não porque o ser humano assim seja de fato, mas porque deve ser assim se ele quiser ser moderno, obter poder e riqueza e, consequentemente toda a nação. Não existe riqueza das nações sem o egoÃsmo, disse Adam Smith, e isto era menos uma confirmação da natureza humana do que de como ela deveria ser para obter riqueza e poder. E quem negaria que foi assim senão historicamente? Que a história humana mesma não fosse a desta busca econômica de poder e o que se ganha com isso?
O que se ganha com o egoÃsmo é senão um eu, isto é, um ser humano sem falha alguma. Um eu ou sem falha alguma que é melhor do que outros que admitem suas falhas ou em relação aos quais se pressupõe falhas, pela cor, pela raça, por um lugar na terra de onde vieram, por um deus que não é o deus que o eu sem falhas acredita. Um eu que é um ser humano sem falhas tem algo que os outros não têm, falhas, mas que como é ser humano como eles não pode existir sem falhas, e que tal eu como ser humano sem falhas não é mesmo possÃvel segundo o plano divino. Então, um eu que é senão um ser humano que esconde suas próprias falhas para que outros não a conheçam e tenham poder sobre eles, por esconderem melhor do que si suas falhas. Todo jogo de poder que é senão um jogo econômico em se esconder a falha dos outros pressupõe um eu sem falhas, um eu liso, um eu pensado num plano divino ou a partir deste como um rei ou religioso-mor, aquele que está acima dos outros em qualquer sentido. E todo o poder é estruturado, hierarquizado ou organizado segundo a natureza a partir do quão se pode evitar as falhas ou escondê-las conforme um plano liso ascendente, porém, com estrias em determinados momentos deles, as estrias do poder senão a partir das falhas humanas. Quanto menos falhas, menos estrias, mais poder, eis a lógica do plano ascendente do poder em sua economia até alcançar um plano divino em que quem tem o poder é considerado senão deus e pode, deste modo, punir mais do que os outros, como rei, governante ou militar que representa a divindade dos seres humanos que têm poder sobre outros na terra e, são, senão considerados tão divinos como eles, ou ainda, tão divinos como deus, por serem sem falhas pressupostamente.
Um eu ou um ser humano sem falhas, isto é, ou um ser egoÃsta é a pretensão de todos os seres humanos que buscam o poder econômico e divino a partir das falhas dos outros e só assim podem conseguir isto. É preciso que todos sejam egoÃstas para que o poder econômico e divino possa mesmo existir e não há nenhuma oposição, como nunca houve, entre a religião e o poder e sua economia. A religião sempre estará do lado dos poderosos não porque ela queira que eles sejam mais poderosos, mas porque ela quer tanto o poder como eles, que todos sejam egoÃstas, contudo, sem querem ser. Pois obviamente o que Adam Smith e todos os religiosos querem não é o egoÃsmo de todos, pois isto seria um comunismo algo totalmente oposto do capitalismo que ele pensava e que não por acaso é o oposto à religião para muitos. E o motivo disso é óbvio: não pode acontecer de todos os seres humanos serem egoÃstas, isto é, quererem o poder e a riqueza em relação a isto, pois, isto levaria senão a um equilÃbrio dos poderes e riquezas, isto é, que ninguém tivesse mais poder ou riqueza sobre os outros e não é isto que a mão invisÃvel quer dizer obviamente, pois quem acreditaria que Adam Smith fosse um comunista? Que os religiosos quisessem de fato um reino de deus na terra no qual não houvesse mesmo a necessidade de punir e pagar o dÃzimo e que os mais religiosos de todos, quais sejam, os que têm mais poder não pudessem ter mais riqueza que outros, pobres religiosos?
Não, a mão invisÃvel do mercado não é o comunismo em que todos são de fato egoÃstas, isto é, em que todos são iguais em seu egoÃsmo, que são, então, sem falhas. A mão invisÃvel do mercado é aquela que é escondida atrás das costas para cruzar os dedos quando se diz que todos são egoÃstas, todos devem ser egoÃstas, pois o egoÃsmo, nele mesmo e de todos, é impossÃvel, pois é impossÃvel um eu sem falhas, e não é isso mesmo que se quer, mas que se queira, que se deseje, que se deva ser para obter poder e riqueza a partir deles, mas que nunca será. E todo o jogo capitalista é senão o jogo desta mão invisÃvel que faz que todos sejam egoÃstas, um eu e um ser humano sem falhas, para obter o poder e riqueza e quanto mais, obviamente, as pessoas forem assim, mais elas estarão daquilo que elas querem ser, egoÃstas É uma petição de princÃpio que se seja egoÃsta no capitalismo porque se não pensar em ser não se pode mesmo obter riqueza e poder nele e somente se obtém isto sem falha humana negada pelo eu esquecida por ele.
Ser egoÃsta, um ser humano sem falhas, é que se deve desejar e o que se deseja há muito tempo e se Narciso é o mito de todo egoÃsmo não é porque ele se apaixona por si mesmo no espelho d'água, mas porque o espelho o faz ser visto sem falha alguma, sem estrias, liso numa imagem. Narciso não se apaixona por si, mas pela imagem de si sem falhas. Narciso não se vê na imagem refletida na água ou no espelho e justamente porque não se vê nela se apaixona por ela esquecendo a si em suas falhas vendo na imagem de si seu corpo e a si mesmo sem falha. A beleza pela qual Narciso se apaixona não é a de si mesmo, mas a negação de si mesmo, de suas falhas e toda a estética clássica é senão narcÃsica, busca uma natureza sem falha num traço liso que é o traço geométrico, a linha, reta ou curva, que é sempre lisa. Não importa que a imagem refletida tremule em ondas num lago, rio ou oceano, mas que ela se reflita lisa, sem falhas, geométrica em suas linhas num mundo que já não é mais a terra, mas um mundo humano, mÃtico, no qual o ser humano vive ao lado dos deuses.
Se o mito de Narciso demonstra todo o egoÃsmo humano é porque há uma reflexão do ser humano numa imagem que seria de seu eu, isto é, de si mesmo, como si mesmo, e, portanto, egoÃsta, voltada para o seu ego que não é ele, mas o que ele gostaria que fosse, um eu sem falhas, um eu de poder e riqueza em relação aos outros. Narciso não se apaixona pelo que ele é, mas pelo que ele quer ser em relação aos outros ou se vê em relação aos outros, no caso belo, que é um poder e riqueza em relação aos outros, pois é algo que o outros não tem, e, deste modo, uma vantagem. O que isto é obtido por ele senão a partir de uma imagem que ao refletir o que ele é retira senão dele todas as falhas que ele vê nos outros, mas não em si mesmo. Faz de sua cara lisa com pó de arroz ou peroba, tanto faz o que lhe produz o efeito de reflexão de si mesmo como sem falhas ou egoÃsta, o que, para um grego clássico, se isto é possÃvel no mito e toda a estética dele enquanto história narrada por um poeta em sua beleza, tão pouco, isto é algo que ele deseje, pois o poder e a riqueza não eram algo que os gregos valorizassem de modo polÃtico, ou que aprenderem a desvalorizar em sua democracia tendo em vista aquilo mesmo que o mito pressupõe, isto é, que não cada um se apaixone pela imagem de si como sem falhas em relação aos outros, mas que ele seja como os outros, iguais a eles, em suas falhas, e Narciso é o lembrete mÃtico disto. E se não se podia evitar todo individualismo dos cidadãos na busca de poder e riqueza de modo egoÃsta e narcÃsica tão pouco isto era valorizado e era punido aqueles mesmos que assim tentassem ser, como Narciso, como Édipo, como Céu depois de tudo advir do Caos segundo HesÃodo.
Se existe uma beleza no mito de Narciso não é a dele refletido na água que o espelha sem falhas como belo, mas no próprio mito em demonstrar a falha de Narciso em pensar que a imagem refletida na água era si mesmo enquanto belo em comparação com os outros que não eram belos, portanto, feios ou tão belos quanto si. Sua morte afogado nestas águas demonstra senão a advertência do mito de que não se deve buscar ser um um ser humano sem falhas, um eu, ou egoÃsta, pois isto o levará a morte, isto é, a não-existência, e se fazer perceber que isto não existe esta beleza em si mesmo ou em si mesma que não seja a própria morte do ser humano. Não seria o belo canto das sereias que levaria Odisseu a quase morrer como muitos outros navegantes em busca de uma terra bem-aventurada de prazeres? Buscar a beleza em si ou em si mesma é sempre um advertência dos mitos que se são belos é porque a beleza deles não é uma ausência de falhas, mas a advertências quanto a querer negar as falhas como humanas e nada mais falho do que os mitos e os deuses gregos neles em semelhança aos seres humanos e nada mais belo do que ver os seres humanos não refletidos nos mitos, mas como parte do mito, da narrativa mÃtica que se é, uma inspiração divina, é não por menos uma inspiração que se faz a partir do próprio ser humano e não como uma negação dele sem qualquer participação na criação dos mitos. Os deuses gregos não são sobre-humanos, isto é, uma negação completa do ser humano em suas falhas como no caso dos deuses de outras religiões em que o ser humano é excluÃdo de toda qualquer relação com deus por sua falha e de qualquer semelhança com ele mesmo que tenham sido criado em imagem e semelhança dele antes de sua falha capital que é senão romper com esta imagem e semelhança, a qual se deve buscar de modo narcÃsico através da religião, eliminando de si em imagem e semelhança com deus qualquer falha.
Se existe uma diferença entre os gregos e os cristão ou qualquer outra religião monoteÃsta não é em termos de quantidade de deuses, mas em termos de qualidade dos deuses no que diz respeito à s suas falhas, isto é, em termos de valores em relação à s falhas que, no caso, monoteÃsta são sempre humanas em comparação a deus que é senão o único ser sem falhas, o eu realmente egoÃsta, aquele cuja imagem não possui nenhuma falha em relação a todos os outros seres naturais e humanos, isto é, criados pelo ser humano, suas obras. O deus monoteÃsta é o eu sem falhas, que já não é mais humano, mas divino em si mesmo, mesmo que tenha sido humano, pois se tornou sobre-humano, isto é, superior a todos os outros em termos de valores porque é sem falhas e todos os valores são medidos quanto à s falhas humanas. Não há no deus monoteÃsta qualquer traço humano em sua tortuosidade, qualquer escritura mesma dele, pois tudo foi escrito por deus na própria pedra como mandamento, e tão pouco a história desta escritura foi escrita pelo próprio ser humano, mas por deus numa intervenção literalmente divina, sem qualquer participação do ser humano nisso em seu corpo ou mente, ou ainda, vontade. Há uma completa negação do ser humano nas religiões monoteÃstas não apenas nos seus valores ascéticos, mas em tudo que diz respeito à sua vida que não faz parte de um plano humano e, sim, divino, pois admitir o ser humano dentro da perspectiva monoteÃsta seria admitir senão suas falhas e a falha de toda escritura ao ser escrita pelo ser humano, bem como de toda a história narrada por ela. Bem como não pode surgir a partir de toda religião monoteÃsta senão uma hierarquia de valores medida a partir do quanto se nega as falhas no ser humanos e aquele que mais nega a si como humano mesmo é senão considerado mais divino de todos, um deus ou um rei.
Não se pode pensar a partir da religião monoteÃsta senão a existência de um poder monárquico e de uma riqueza que seja a de uma única pessoa em relação a todas as outras e que, senão, é mais bela por isso. É todo uma narcisismo que funda a religião monoteÃsta no qual existe simplesmente um ser superior e não outros e toda religião monoteÃsta busca senão de modo egoÃsta demonstrar isto em relação a todas as outras religiões numa guerra santa, que é a própria busca de um único deus pela religião monoteÃsta. Não há como dissociar as guerras de toda uma santidade, deste modo, pois todas as guerras tem como fundamento o monoteÃsmo religioso de um ser superior que advém da mesma perspectiva egoÃsta a engendrar toda a busca de poder e riqueza como bem demonstrou Adam Smith. Não é possÃvel dissociar o poder e riqueza das Nações ou do Estado que representa uma nação de uma religião monoteÃsta, pois, deus, poder e riqueza tem como pressuposto um eu, um ser humano sem falhas, divino no caso, que ascenda a divindade na terra e acima dela, que seja um rei, portanto, para os seres humanos, alguém humano, mas que não é mais humano na medida em que é refletido como divino pelas águas que purificam seu corpo e mente ao fazer dele à imagem e semelhança de deus que não tem falha alguma como ser humano.
A pureza da água de Narciso na qual todas as religiões monoteÃstas buscam se batizar, está em tornar o corpo e mente lisos, limpos das estrias da terra, suas falhas, e, portanto, puros como deus, admitidos num plano divino sem qualquer relação com um plano humano. A morte de Narciso é uma morte simbólica também nisto, pois representa, no fundo, a busca desta imagem sem semelhança com o ser humano e, sim, com deus. Busca desta semelhança no fundo das águas que leva senão à morte de si e também dos outros que não são belos ou tão belos como si refletido nas águas de modo divino como superior a todos os outros seres humanos porque não tem falhas, assim como não as tem os deuses das religiões monoteÃstas. O batismo nas águas é uma purificação do corpo e da alma, bem como da mente, de toda e qualquer relação do ser humano com suas falhas considerando-se senão num plano divino no qual, não por menos, tudo que ele pensa e faz não é uma falha segundo o plano divino na medida em que ele é mais fiel a deus, isto é, se vê mais em imagem e semelhança a ele punindo senão a todos por seus pecados que ele já não mais tem, pois é egoÃsta ao extremo, isto é, não vê no que pensa e no que faz falha alguma.
Se existe algo que os gregos não são é egoÃstas, seres humanos sem falhas. Pelo contrário, são as falhas que os definem como nenhum pouco egoÃsta, e se há superioridade deles em relação a todos os outros povos é senão porque souberam o máximo limitar o ser egoÃsta, pensar o mÃnimo possÃvel o ser um humano sem falhas e mesmo deuses sem falhas, no caso, humanas. E, devido a isto, talvez haver tão poucas guerras entre os gregos, mesmo a Grécia sendo constituÃda por uma diversidade de povos e de deuses, porém, sem guerra santa entre eles mesmo ainda que cada cidade venere um só deus, como Atenas à Atena e que a mais conhecida guerra entre eles, no caso, a do Peloponeso não ter sido em absoluto por causa disso, mas senão pelo narcisismo dos atenienses em sua busca de poder e riqueza a partir das outras cidades Estados após a guerra contra os persas. Em termos mÃticos, por Atena querer ser superior a Ares o deus dos guerreiros espartanos, algo que nenhum guerreiro admitiria, isto é, que alguém seja superior a ele, principalmente em batalha, mais que em poder e riqueza.
É a limitação de todo egoÃsmo em deuses e seres humano que dá senão origem à democracia grega como forma de governo das falhas e não de negação delas em um grupo ou em única pessoa considerados sem falhas em sua linhagem e, deste modo, tendo mais poder e riqueza que outros, além de serem considerados divinos em sua linhagem mesma descendendo diretamente dos deuses. Há, neste sentido, uma inversão clara de perspectiva do politeÃsmo grego em relação ao monoteÃsmo descendente de Abraão. No caso dos gregos, são os deuses que são à imagem e semelhança dos seres humanos e não o inverso como no monoteÃsmo e, deste modo, falhos como os seres humanos, bem como os mitos são histórias nas quais os seres humanos têm parte ativa em sua oralidade e escrita, mesmo que sejam inspirados pelas Musas que, ao se expressarem ao seu modo em HesÃodo, por exemplo, atestam aquilo que é a caracterÃstica mais diferenciadora destes mitos, que é o fato de que o que elas dizem poderem ser tanto mentira como verdade e, não por menos, ser também tanto mentira ou verdade o que os poetas dizem. O que, longe de se levar a uma descrença quanto à religião, introduz uma curiosidade em relação aos mitos como enigmas ou problemas a serem pesquisados e investigados quanto ao que querem dizer, se é verdade ou mentira mesmo o que os poetas dizem.
A verdade não é conhecida pelos gregos em seu politeÃsmo de modo único como é no monoteÃsmo. Ela não é possuÃda, mas conquistada. Não é aceita de antemão em sua narrativa que determina o que ela é ou quem a detém. Todos a detêm na medida em que não-esquecem dela como sua alétheia, mas de um modo inconsciente a partir dos mitos que são a recordação constante delas por meio dos poetas que não apenas as reproduzem, pois também as alteram ou mesmo a sistematizam ao seu modo como fez HesÃodo em sua Teogonia. Neste sentido, o ser humano participa completamente da origem divina dos deuses narrando nos mitos como isto se deu e como em diversos momentos de sua história, os deuses fazem parte de sua vida, de modo bastante presente. Se a história não foi assim, basta contar de uma forma diferente, e assim cada mito é narrado em diversas variações que não deturpam uma história original sobre os deuses ou fatos, mas o engrandecem ainda mais de situações que o tornam cada vez mais enigmáticos, curiosos, problemáticos, merecedores de pesquisa e investigação em todo seu simbolismo. Se apenas dois poetas se destacaram entre todos, não foi por eles deterem maior verdade no que diz respeito à história dos deuses e seres humanos, mas por a narrarem de modo enigmático, curioso e problemático interessando a todos que os ouviam e se tornaram senão célebres por isto, isto é, pela participação ativa deles na narrativa mÃtica dos deuses ainda que inspirados por estes.
O fato de serem os poetas aqueles que narram as origem dos deuses e que são, deste modo, os porta-vozes da religião grega e não sacerdotes que detém a verdade sobre as origens, demonstra que o politeÃsmo não tem a pretensão de detenção de verdade única que existe no monoteÃsmo, seja a partir de um único deus, de uma única escritura, de um único representante de deus na terra como seu profeta, seja de um único gênero a representar deus em toda sua singularidade, no caso, o homem como sacerdote, ou o principal. Homero e HesÃodo não são venerados por serem mais próximo de deus do que de outros, apenas por terem narrado melhor os deuses que não são também apenas de um único gênero, o masculino, mas feminino, e tão pouco são seus representantes apenas homens, pois também as sacerdotisas que estabelecem uma relação dos seres humanos com os deuses nos oráculos. O que, a partir disto tudo, de toda a história mÃtica, por mais que os gregos tenham sido povos monárquicos em grande medida, a democracia era algo inevitável já emergente no panteão olÃmpico dirigido por Zeus que, se era tido como pai ou rei, não tinha um poder absoluto sobre tudo, cada deus tendo o seu poder de decisão e igual aos outros em equivalência de falhas diferentes em cada um deles em sua timé, isto é, sua virtude pessoal, sua principal caracterÃstica de ação, seu domÃnio particular ou sua singularidade. E se Zeus governava a todos como rei e pai era porque ele não por menos conhecia cada um dos deuses em sua singularidade aproveitando o máximo delas, bem como de suas falhas, que ele não por menos também tinha e era advertido pelos outros deuses quanto a isto.
Se os deuses gregos são à imagem e semelhança dos seres humanos em suas falhas, isto não é um demérito deles como se propagou com as religiões monoteÃstas tentando separar cada vez mais os deuses dos seres humanos para melhor submetê-los ao seu poder e vantagem econômica em relação aqueles que querem alcançar deus, possÃvel somente por meio daqueles que o representam nestas religiões. A proximidade dos deuses gregos com os seres humanos em suas falhas dá uma perspectiva diferente das falhas humanas mesmas não se derivando delas valores determinados de modo absoluto apenas relativo. Se são absolutos em suas ações por terem um poder sobre-humano, as ações dos deuses gregos são não por menos questionáveis e relativizadas a partir de seu questionamento já que não são ações absolutamente determinadas como boas ou más pressupostamente como aquilo que deve ser feito, mas como o que se queria fazer requerendo em relação a elas toda uma série de justificativas que é senão o que os mitos demonstram em suas histórias em uma causalidade que remete sempre a uma origem primeira e último delas.
Não se trata de um simples querer dizer o que se coloca em questão nos mitos, mas toda uma série de ações causais de deuses e humanos entre si desde uma origem compondo aquilo que é um destino, o que devia acontecer, e de fato acontece, não porque estava determinado desde o princÃpio pelos deuses, mas porque foi assim determinado pelas ações dos deuses e seres humanos se entrelaçando-se como os fios tecidos pelas Moiras. Se o destino é inevitável como se pode perceber no mito de Édipo, isto se deve menos a uma determinação dos deuses do que a uma causalidade das ações que levam a ele em retrospectiva e que não permitem mais escapatória ao que se fez e ao que se deve fazer. Todavia, isto não quer dizer que há uma lógica necessária em relação aos mitos por causa do destino mesmo, tendo em vista que não se trata aqui de uma causalidade natural de ações que tem sempre um fim previsto. Pelo contrário, a antevisão do destino como em Édipo não é uma previsão lógica, pois a cada momento da história são as ações que determinam o que vai acontecer cujo fim, mesmo previsto é imprevisÃvel, posto que depende de todo um conjunto de ações que não são previstas mesmas. Dizer que Édipo vai matar seu pai e casar com sua mãe e ter quatro não quer dizer por que e nem como e toda história mÃtica é narrada a partir do como acontece e em cada situação que acontece podendo-se acontecer diversas outras na narrativa apesar dela seguir um único caminho, que não é o certo e muito menos o mais indicado, mas altamente questionável e ser um questionamento mesmo da realidade a partir do que acontece nela em termos de causas e efeitos o que se coloca em questão nos mitos e não uma demonstração da realidade a partir de causas e efeitos. Não é uma história de fatos preestabelecidos como se tem na modernidade seja no que diz respeito à natureza seja no que diz respeito aos seres humanos, mas de fatos que se estabelecem e a cada momento em que se estabelecem a história adquire um sentido diferente, seja quanto ao seu rumo, seja quanto ao significado deste rumo tomado.
São as falhas humanas e divinas que determinam a causalidade nas narrativas mÃticas e não a ausência delas e é o fato de não se poder evitá-las que faz com que a causalidade delas se tornem um destino, algo que devia acontecer, mesmo podendo ser diferente, pois as ações humanas e divinas levaram a isto de modo falho. O destino é, deste modo, a falha que remete a todas as falhas anteriores, levada a seu cúmulo ou a uma perspectiva absoluta, uma falha que faz com que se reflita não apenas sobre ela, mas sobre tudo que levou a ela, estendendo-se ao passado e ao futuro a partir do momento em que ela acontece no presente. O destino é justamente aquilo que não era previsto, que era imprevisto mesmo, aquilo que era falho em toda determinação pressuposta pelos seres humanos e pelos deuses e que se aconteceu foi senão devido a todas estas falhas que levam a um fim sempre trágico.
Se o ser humano é falho, tudo aquilo que ele faz é falho, todas suas ações são deste modo falhas, é inevitável, por sua vez, que o fim de suas ações seja uma falha, no caso, uma tragédia, uma ação que nem eles nem os deuses podem evitar. Tão pouco querem os deuses evitar as ações humanos que levam senão eles a um fim trágico, mesmo incentivando-as no sentido de que se é a guerra em todas as suas consequências o que querem, é a guerra que o terão com sua ajuda. Como imagem e semelhança dos seres humanos, os deuses gregos fazem o que os seres humanos desejam, têm vontade e almejam em suas ações, mesmo que elas sejam más ou levem a um sofrimento deles por meio de diversos sacrifÃcios. Neste sentido, os sacrifÃcios aos deuses gregos têm como objetivo satisfazer a vontade humana em todos os sentidos possÃveis de ação que não são evitados pelos deuses, ainda que estes tentem evitar que façam o que escolheram fazer e paguem com o sofrimento e a morte por isto. Se Aquiles quer ir à batalha, que esteja disposto a dar em troca a vida de Pároclo e a sua sacrificando assim seu amor pela fama de ser o maior guerreiro de todos assim como Agamenon a vida de sua filha virgem.
Se a atitude dos gregos é egoÃsta como a de Aquilos ou de Agamenon, não por menos o egoÃsmo é punido com dor, sofrimento, morte, é o que demonstram os mitos gregos. Qualquer ação individual se queira deve ter como retribuição isto como a justiça divina por esta falha humana, a pior de todas deste modo, aquela que busca criar a imagem de um ser humano sem falhas. E se são estes que se tornam os heróis gregos, aqueles que trocam sua vida na terra cheia de falhas pela morte, e são eles lembrados por isto recebendo inclusive uma recompensa divina na Ilha dos bem-aventurados, é porque as falhas deles são valorizadas e não negadas e o egoÃsmo é vista senão como uma imagem do ser humano em suas falhas e não de um ser humano sem falhas, como um vÃcio e não uma virtude a sua busca do poder e riqueza por meio deles.
Há uma falha no eu grego que é do próprio ser humano e de tudo que diz respeito a ele que os gregos não esquecem, que é a verdade para eles e nenhuma ação humana é louvável tendo em vista esta falha, mas a destituição dela como algo mortal que deve levar a dor, sofrimento e a morte. É uma falha de natureza e não de caráter, neste caso, não podendo ser evitada por meio de boas ações ou pelo poder e riqueza mesmo. Admitir a falha como admitiam os heróis gregos levando até as últimas consequências suas falhas é o que fazia deles digno de honra para os deuses, mas também de desgraça em suas vidas de fama e seu destino era a tragédia para lembrar a todos o fim de todo egoÃsmo, de toda criação de uma imagem de si mesmo sem falhas. A fama dos heróis gregos como semideuses é tanto a lembrança daqueles que foram os melhores em suas ações, mas também os piores nelas na mesma medida, pois suas ações trouxeram para si e para outros, dor, sofrimento e morte. E, por nesta medida, serem semelhantes à s ações divinas que segundo a mitologia grega, principalmente de HesÃodo, trouxeram dor e sofrimentos imortais até o estabelecimento do domÃnio de Zeus sobre os deuses e o estabelecimento de uma justa medida para as ações divinas. De modo que se os deuses buscavam evitar o egoÃsmo dos seres humanos não era, todavia, porque eles seriam destituÃdos de todo e qualquer egoÃsmo, mas como ascendentes deles, isto é, seus antepassados diretos, tendo também eles errado em sua imortalidade, buscavam educar os seres humanos em sua mortalidade sobre as consequências de suas ações. E, não por menos, os heróis semideuses não eram os seres humanos considerados mais bondosos entre todos, mas aqueles que mais se pareciam com os deuses em suas falhas aprendendo com a dor e sofrimento com elas por toda sua vida mortal e imortal ao lado dos deuses sem possibilidade de retorno, pois somente aqueles que aprenderam com suas falhas, evitando-as o máximo que podiam alcançar a companhia dos deuses.
E como aprender com aprender a evitar as falhas senão falhando? Não se preocupando com elas a não ser na medida em que se tem que escolher fazer algo ou seguir em determinado caminho, sempre falho de antemão, mas requerido porque esta é a sua vontade e ele é livre para escolhê-lo mesmo que lhe traga dor, sofrimento e morte possivelmente?
Não se evita do ponto de vista mÃtico grego as falhas de antemão absolutamente, mas apenas depois que acontecem, pois evitá-las não é senão possÃvel nem pelos seres humanos nem pelos deuses que nã ose opõem aos humanos em suas ações ou são totalmente separados deles em suas ações. E não são apenas os que não tem falhas os que são bem-aventurados, mas o que são mais dotados delas em certa medida. Bem como tão pouco as falhas humanas são esquecidas de algum modo considerando-se determinado ser humano divino justamente porque não têm falhas, pois os deuses gregos também têm falhas e não são divinos porque são destituÃdos delas.
Desvalorizar as falhas criando um mundo humano e divino sem falhas não é o que os gregos pressupõem em seus mitos e a democracia que surge a partir disto foi a forma de governo mais próxima do que a religião politeÃsta grega pressupunha quanto à s ações divinas em relação à s ações humanas em todas suas falhas. Somente a partir de um politeÃsmo é possÃvel criar-se uma democracia no sentido de uma isonomia que se é entre os cidadãos é, não por menos, também entre os deuses e a justiça que prevalece entre os deuses em assembleia é não por menos a justiça que os gregos vão buscar democraticamente na ágora e em seus tribunais. E, não por menos, na ágora e nos tribunais, se os discursos de cada um são tão importantes para as decisões a serem tomas, é porque eles têm as narrativas mÃticas como modelos exemplares sendo a verdade não aquilo que alguém detém, mas aquilo que alguém possui em determinado momento numa inspiração divina, como se falasse por meio dos deuses, em sua fala lembrada aquilo mesmo que não pode ser esquecido, a verdade.
Que os gregos não possuam um código penal preestabelecido assim como não possuam um códice religioso em que se basear suas ações, mas diversas ações narradas em diversas circunstâncias diferentes, demonstra o quanto o discurso era importante para a determinação dos fatos não de acordo com uma ordem preestabelecida do que se devia ou não fazer, mas diante do que aconteceu e o quanto a verdade não era detida por alguém, mas descoberta a partir do discurso mesmo. Falar a verdade neste caso, não era dizer o que se considerava certo, mas narrar todos os fatos de modo que a verdade fosse lembrada neles mesmos tal como acontecia em relação aos mitos. Pensar no que determinava as ações, mais do que determinar as ações que cada um devia ter, eis a justiça pressupostamente para um grego, o que não quer dizer que determinadas ações advertidas pelos mitos não servissem já de modelos, contudo, não de modo absoluto, tendo em vista senão a variação dos fatos neles conforme quem os narrasse.
Ao contrário do que se pode pressupor e que mesmo se pressupõe filosoficamente, os gregos não foram um povo sem falhas, mas talvez o povo que mais falhou em sua história, contudo, o que mais aprendeu com elas. E, deste ponto de vista, se a filosofia surgiu na Grécia foi devida a todas as falhas dos gregos em seus deuses, mitos, polÃtica e justiça humanos, sem se poder determinar mesmo que não houvesse uma falha deles em relação aos outros povos. Considerar os gregos melhores que outros povos, neste sentido, é considerar que eles buscaram em suas falhas definirem-se mais como seres humanos do que qualquer outro povo que buscava justamente o contrário disso de modo egoÃsta como alguém sem falha alguma, pressupostamente divino senão por causa disso.
É a partir destas falhas que a filosofia vai se originar e, não por menos, contra elas se impor e levar senão à ruÃna os gregos antes dos gregos serem invadidos por qualquer outro povo. É a filosofia que destrói o politeÃsmo divino e multiplicidade de verdades mÃticas a serem substituÃdas por uma única verdade, a verdade filosófica, a verdade sem falhas, do ser humano sem falhas, de um eu que não falha em seu discurso, que permanece sempre o mesmo imutável e eternamente, e a partir do qual vão ser criados valores para negar cada vez mais as falhas como erros, mentiras e falsidades e, por isto, excluÃdas de um mundo filosófico, natural e humano sem falha alguma. Se a filosofia vai ser apropriada pelo cristianismo e se tornar propriamente cristão desde então e não mais grega é porque o cristianismo encontra na verdade filosófica a verdade do próprio monoteÃsmo, a verdade única transmuta todas as verdades numa só. O cristianismo é a realização da República de Platão seja na teoria com a Cidade de Deus, por Santo Agostinho, em que um mundo inteligÃvel, celestial é pensado em relação a um mundo sensÃvel, terreno, seja porque é o cristianismo a base polÃtica dos reis romanos desde o século IV quando se torna religião oficial de Roma e, deste modo, consegue instituir a tripartição social da república fazendo todos crerem que ou nasceram para serem produtores, ou nasceram para guerrear ou nasceram para governar, como se divide claramente a sociedade feudal medieval. E na qual o rei é filósofo porque é crente numa verdade única, imutável, eterna, permanente, a verdade do cristianismo superior à opinião comum dos cidadãos e que tem em vista uma realidade não menos eterna, a divina, da qual é destituÃdo todo o ser humano.
O ascetismo filosófico pensado por Platão em sua perspectiva ética de preparação para a morte não diz respeito apenas a uma preparação para aquilo que é natural, a morte como condição de tudo na natureza, mas uma preparação para a destruição de todas as verdades mÃticas que Platão tanto desejou por advir dos poetas e que o cristianismo levará a termo considerando verdades pagãs, providas de erros, mentiras, que são falsidades, logo, verdades-falhas que devem ser negadas por não serem a verdade. A preparação para a morte, ou seja, a própria filosofia é, deste modo, uma preparação para o crepúsculo de todos os mitos que ele a partir de então pretende encetar com sua filosofia das Ideias que se remetem a uma única ideia concebida como eterna, imutável, eterna, permanente à maneira de Parmênides, e que diz respeito não propriamente ao ser como neste, mas ao conhecimento do ser quanto à verdade. Uma verdade que passa a ser conhecida a partir de então pela filosofia e não mais pelos mitos e que logo será substituÃda pelo conhecimento da verdade do próprio cristianismo, no caso, a verdade de Jesus Cristo, de uma única pessoa em detrimento de qualquer outra por nele haver a transmutação do homem em deus na medida em que ele é o filho de deus tal como Adão no ParaÃso, que expia todos os seus pecados e por isto ressuscita, isto é, retorna à companhia de deus, sentado à direita de deus, pai, todo poderoso. E que, deste modo, ensina aos cristãos o caminho da fé que é o conhecimento da vida eterna a partir do próprio da dor, do sofrimento, de uma culpa, de uma raiva e um desejo de vingança, no caso, contra todo o judaÃsmo ou todos aqueles que fizeram ou não se compadecem da dor e sofrimento na cruz como eles.
Que haja plena relação do cristianismo com o platonismo, em particular com o Fédon, que antecipa todo o conhecimento cristão de remissão de pecados pela dor e sofrimento num inferno como região profunda da terra, o Tártaro para os grego, e que seja o cristão, como o filósofo, o único a escapar desta dor e sofrimento podendo gozar do paraÃso eternamente, a terra verdadeira, celestial, na qual existe tudo que existe na terra, mas de modo bom, belo e justo, pois é a todos que se redimiram dos seus pecados, vÃcios para os gregos, isto não é um mero acaso. Como não é um mero acaso toda a filosofia de Platão movida pelo ressentimento, raiva e desejo de vingança pela morte de Sócrates que morreria de modo tão injusto como seria a morte de Cristo na cruz, mais dolorosa senão por o deus judaico ser um deus sem falhas, que não admite falhas, o deus que expulsa o homem do ParaÃso por uma única falha, não ter obedecido sua ordem, senão direta para não comer um fruto proibido, a ordem indireta de seguir seu próprio pensamento e não mais o que deus pensara para si. E não por acaso os cristão aprenderão também isto com o deus dos judeus e contra os judeus mesmo causando a eles dor e sofrimento na mesma medida ou maior ainda.
Outrossim, não é por acaso que o cristianismo assim como Platão erigirá suas próprias imagens para promover seu conhecimento de um mundo superior em um novo testamento no qual a história passa ser conhecida de modo totalmente diferente. Platão como nenhum outro filósofo fez isto, buscando superar os mitos que existiam na Grécia antiga, não porque acreditasse neles, no todo ou em parte, mas por saber o quanto seus rivais, os poetas religiosos sobretudo, tinham nas imagens suas principais formas de demonstrar seu conhecimento. A alegoria da caverna na República não é apenas o programa filosófico de Platão que demonstra como um conhecimento inteligÃvel supera o sensÃvel, mas também como a filosofia supera o mito utilizando para isto uma narrativa mÃtica. Trata-se de produzir aquilo que Hegel muito tempo pressuporá em sua dialética como negação da negação a partir da qual se pode chegar senão a uma superação que não é a negação absoluta de algo, mas a negação de algo por si mesmo, de modo relativo, que prepara senão para uma negação absoluta que não é produzida de modo negativo, mas afirmativo, como uma afirmação destituÃda de toda negatividade que se destruiu a si própria num cÃrculo de autodestruição como a condição para a afirmação de uma verdade para além dele.
Platão usa os mitos contra os próprios mitos para que, em oposição dialética, eles se destruam fazendo-os colidir como átomos para chegar ao conhecimento de uma verdade única, indiscutÃvel que já não pertence mesmo ao discurso, isto é, à opinião em praça pública de modo oral ou à opinião em por escrito como em seus diálogos. Que os mitos estejam presentes nos diálogos platônicos e que, neles, ele repita o que diziam os mitos, não é nenhum problema para ele, neste caso, pois ele não apenas repete os mitos, ele também introduz diferenças neles, isto é, recria ao seu modo os mitos como os poetas faziam. Contudo, utiliza os mitos para um propósito bem diferente do que os poetas e os mitos se propunham que era narrar a história das origens dos humanos e deuses juntos a partir de um Kháos, isto é, de uma falha tal como aquele é concebido etimologicamente como as fauces de uma boca ou bico como pressupunha HesÃodo. No caso, o propósito filosófico de uma ordem que suprima esta falha, este Kháos que é o princÃpio de toda a multiplicidade divina dos deuses, mas não por menos de toda a multiplicidade de ações humanas que não são caóticas ou confusas em si mesmas. Pois o Kháos não é propriamente uma confusão como se entende costumeiramente na medida em que ele é, enquanto força originária, a separação de tudo que existe e tudo somente pode existir na medida em que há uma separação que é o próprio Kháos, como a primeira separação existente em seu abrir a boca, fender o bico e desta boca-bico fendido, que é senão a boca do poeta que canta como um pássaro divino, um pássaro de augúrio, pressagioso, e, em seu canto, prevê a confusão proveniente de um conflito que não é causado pelo Kháos mesmo, mas por Eros e sua variação Éris.
Kháos é aquilo que tudo separa, a separação em si mesmo, a origem de tudo por meio da separação, isto é, uma partenogênese, a origem de tudo a partir de si mesmo, que se divide em si mesmo para se fazer duplo, uno a se dividir em dois, ele mesmo e outro, Kháos e Terra. Se, como diz HesÃodo, "Sim bem primeiro nasceu Caos, depois também/Terra de amplo seio, de todos sede irresvalável sempre", é porque no princÃpio existia apenas o Kháos como uma boca-bico fechada, muda, sem antever nem pressentir ou antecipar nada além, sem qualquer inspiração divina das Musas, uma boca-bico de fauces separadas, porém, unidas uma a outra. Contudo, depois, por uma inspiração divina das Musas e do poeta, esta boca-bico se abre e dela advém o canto numinoso da Terra, isto é, o canto que nomeia a Terra em si mesma como um amplo seio provedor de todos os seres que têm sede irresvalável sempre dela como aquilo que alimenta todos os seres em seus seios sempre como uma mãe, a Mãe-Terra. Terra na qual todos os seres encontram o que os fazem vivos, viverem, mas que é também aquilo no qual, em suas profundezas, há também a morte, o Tártaro nevoento no fundo chão de amplas vias, aquilo que os pode fazer morrer, no caso, "Eros: o mais belo entre Deuses imortais,/
solta-membros, dos Deuses todos e dos homens todos/ele doma no peito o espÃrito e a prudente vontade."
É Eros, como paredro de Kháos, isto é, força originária de união contrária à força originária de separação, que leva a toda confusão na Terra que terá na Titanomaquia a sua principal expressão no qual todos os deuses da Terra colidem em Éris a partir de Eros. Uma união de forças em batalha na qual todos os deuses-seres colidem como átomos e da destruição deles entre si confundindo-se emerge Zeus como o átomo-pai, a força superior a todos eles, o Kháos a separar toda a multiplicidade de seres do universo em um cosmo, isto é, numa ordem segundo sua prudente vontade, e, deste modo, resistir a Eros e a Éris, mesmo que este sobrevenha a si em disposição. O que, neste sentido, se toda a Teogonia de HesÃodo, conforme sua ordem tem como pressuposição a elevação de Zeus como pai de todos os deuses, como o princÃpio mesmo de uma ordem ao mesmo tempo natural e humana, seu poder advém em princÃpio ou tem como origem o Kháos em sua limitação de Eros a partir de uma prudente vontade, isto é, aquela que sabe não por menos antecipa o futuro como Zeus o faz, mas tem a vontade como força e decisão de segundo esta antecipação do futuro, evita aquilo que lhe pode fazer mal, levar à sua destruição e morte ao destruir sua força de vontade, ou seja, o mais belo entre Deuses imortais, que doma no peito o espÃrito e a prudente vontade de todos os humanos, mas também de todos os deuses soltando seus membros em luta, Eros.
Se Zeus se eleva como deus superior a todos os outros deuses é porque ele é o único a conter Eros e Éris, não permitindo nenhuma confusão proveniente dele em sua prudente vontade, mesmo que a eles se submete, pois Zeus não é destituÃdo de Eros e Éris, de desejo de unir sua força em batalha com outros. Ele foi preparado senão por Terra para isto e é ela senão que faz com que ele se torne o deus que é superior a todos os outros, direta e indiretamente aquela que dá a ele o poder de Kháos, o pressagioso Kháos que antecipa a tudo, mudo, com sua boca-bico fechado. É a partir da Terra que Kháos se torna o princÃpio do poder de Zeus em sua presciência, previdência e providência como aquilo do qual tudo provém na Terra. Isto porque é a Terra que busca a todo momento fazer que se retome o princÃpio da separação de Kháos contra o princÃpio da união de Eros e de confusão dos seres em Éris, tentando equilibrar os seres dando a eles uma prudente vontade.
Toda a Teogonia de HesÃodo se tem como pressuposição a elevação de Zeus, esta somente é possÃvel a partir da Terra que se opõe a Eros e Éris desde o primeiro momento em que se manifestam no desejo de cópula do Céu consigo e por ele detestar os filhos proveniente desta união por Eros prendendo-os e privando-os de vida na Terra ao fazer dela cova por toda a imortalidade. Céu que fora parido por Terra como igual a si mesma para protegê-la cercando-a ao redor e também ser ele "aos Deuses venturosos sede irresvalável sempre", segundo o princÃpio de separação do Kháos do qual ela descende e também Céu em seu canto numinoso. Contudo, Céu se submeteu ao poder de Eros em sua prudente vontade ao se unir em desejo amor à Terra e, a partir desta, iniciar senão a Éris ou discórdia dele com seus filhos a levá-los a uma privação da vida nela por uma arte maligna.
Se Eros advém na Terra ao mesmo tempo ou posterior a si em tempo, ele não deixa de ser inferior à Terra em poder pela relação direta desta com Kháos e ter ela o mesmo poder originário dele de separação e contraposição a Eros. Assim é que Terra consegue dominar Eros e fazer ele se submeter a si e não por menos todos aqueles que são dominados por ele, e consegue fazer isto fazendo com que ele se volte contra si mesmo senão a partir de Éris. Neste sentido, se Eros leva Céu a se colocar em Éris contra seus filhos a partir de uma arte maligna cuja primeira expressão seria senão a do incesto de Céu com Terra sua mãe, que leva à morte os filhos naturalmente por assim dizer, ou senão a uma deficiência deles em corpo e em curvo pensar, Terra faz com que também por Eros seus filhos se voltem contra Céu em Éris, no caso, sendo fiéis a ela por desejo amoroso por si deste modo pondo-se em luta contra o pai. Contudo, não uma luta direta como a que Eros leva inevitavelmente Éris, mas indireta, por meio de um ardil que leva senão à castração de Céu por Cronos, o único filho que tem-fé na Terra, ou manifesta seu desejo amoroso por ela, e que, portanto, submete Eros a si e em Éris vai em sua defesa.
A castração de Céu por Cronos de curvo pensar, isto é, de um pensar que se curva à Terra em Eros e Éris por ela, faz surgir Afrodite considerada "Amor-do-pênis porque saiu do pênis à luz" a partir do sêmen do pênis castrado de Céu, que também por isto é considerada Celestial, e que tem em Eros e Desejo suas companhias. Isto demonstra, num primeiro momento, o poder do Kháos sobre Eros a partir da Terra que ao voltá-lo contra si mesmo por uma prudente vontade, no caso, dela Terra que em seu ardil trama uma emboscada para Céu também por uma maligna arte demonstra todo seu poder de antecipação advindo do Kháos, que também é expresso pelo que diz aos filhos de que Céu "tramou antes obras indignas", deste modo, não apenas antecipando o futuro, mas ponde o futuro em relação ao passado de um modo previsÃvel, isto é, algo previsto pelo que foi feito a eles e a si, no caso, as obras indignas de Céu. Advém, em contrapartida, a partir disto as ErÃnias ou o desejo de vingança a partir do amor à Terra que leva senão à discórdia como uma primeira expressão da justiça como "punição" dos "malignos ultrajes" do pai que considera senão a atitude incestuosa de Céu a partir de Eros e mortÃfera a partir de Éris aos filhos como um mal a ser punido. Todavia, um mal que não pune na mesma medida, posto que o ardil de Terra não é contra Céu propriamente, mas contra o domÃnio de sua prudente vontade por Eros que o leva a estas atitudes, de modo a restabelecer o Kháos na Terra, isto é, a separação entre os seres e a multiplicidade deles a partir de si sem que um deus único se eleve em seu poder sobre a Terra a partir de Eros e Éris.
Se com Cronos e sua irmã Réia submetida a si como sua mulher em incesto e com a qual ele tem vários filhos a história do seu pai Céu com a Terra se repete de modo traumático na medida em que também ele é dominado em sua prudente vontade por Eros e levado a Éris contra os filhos não os privando de vida na Terra, mas em si mesmo ao engoli-los, e tudo vem a se confundir novamente e de modo ainda pior numa Titanomaquia, quando todos os seus deuses-seres filhos e parentes de Cronos se opõem a ele, por fim, sendo vencido por Zeus também de curvo pensar em relação à Terra e com a ajuda dos seus irmãos e tios Titãs aprisionam Cronos, isto demonstra, por um lado, a força de Eros, mas também, por outro, a força de Kháos a partir da Terra na medida em que é esta que trama novamente o ardil que levará à derrota de Cronos colocando agora sua filha Réia contra o irmão e seu filho Zeus contra o pai, o que, por fim, o último ardil de Terra contra Zeus ao por em luta contra ele TÃfon, mais do que uma oposição direta a Zeus é senão a última prova a que ele é submetido para se tornar o deus pai de todos os deuses e que pode senão reinar sobre a Terra em sua prudente vontade, pois detém o poder do Kháos a se opor a Eros e a saber lhe impor a prudente vontade, dominando outrossim seu próprio desejo de poder por meio da luta, buscando, ao contrário, uma união por meio de alianças e desejos amorosos a partir do juramento de Estige.
Pode-se pressupor a partir de HesÃodo todo o fundo mÃtico no qual Platão vai beber a água como sua fonte, bem como todos os filósofos anteriores a si e toda a Grécia senão no governo de sua pólis. Pode-se ver em Zeus o princÃpio de uma unidade absoluta que a filosofia vai pressupor, bem como de uma ordem na natureza que os primeiros filósofos vão buscar demonstrar de vários modos. Mas já aà o mito deixaria de ser uma multiplicidade de narrativas de deuses e seres humanos para ser a expressão de uma verdade única, a da filosofia, como uma falha que não seria a falha do Kháos mais, senão a da razão a separar agora tudo que é mito como falho, como verdades que não verdades, que são mentiras, opiniões que não detêm conhecimento da natureza, dos humanos e dos deuses, ou de uma vida olÃmpica. Os filósofos destituem, deste modo, Kháos e Terra em seu poder originário de separação que pare todos os seres para, eles mesmos, no dizer de Sócrates, parirem pela razão agora ideias em outros e em si mesmos e deste modo todo um mundo inteligÃvel se separar de um mundo sensÃvel mÃtico e toda uma unidade dos seres se separar da multiplicidade de seres deles.
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