O comunismo e a mitologia política do medo e da violência no Brasil

Uma mãe, de manhã cedo, levando uma criança atrasada para escola, grita para ela que corre à sua frente: se tu não conseguir entrar na escola, eu te mato! Eu poderia ter inventado esta história, como muitas outras histórias irônicas que conto sobre o "carinho" das mães, se eu não a tivesse presenciado recentemente. Ao ouvi-la, porém, falar daquela forma não pude deixar de lembrar dos meus exemplos em sala de sala e tantos outros semelhantes a estes fatos que fazem parte do imaginário popular relacionado às mães. Ao invés do tom ameaçador em primeira pessoa, que denuncia sua violência explicitamente, todavia, ela poderia ter inventado um monstro mítico para amedrontar a criança e talvez ao relatar este fato, ele seria mais crível do que a história de uma mãe que ameaça matar seu filho caso não vá para a escola. Mas isso não mudaria o fato de como gerar medo é algo frequentemente usado no Brasil para violentar crianças e que se estende à vida adulta, de modo que o que escutei da mãe não é um fato isolado, pois demonstra a raiz profunda da violência instaurada no país desde a mais tenra idade a partir do medo de monstros de todos os tipos.


As raízes do medo no Brasil são míticas. Há toda uma mitologia que fundamenta o medo no brasileiro utilizada para violentá-lo e ter poder sobre ele. Isto pode ser percebido no imaginário popular no qual são lembrados diversos monstros que incitam um determinado medo. Alguns são monstros antigos como o Curupira, Mula sem cabeça, Lobisomem, Boto, outros, versões modernas como Loura do banheiro, perna Cabeluda, o Velho do saco. Em todos eles, uma mesma mitologia na qual está presente apenas o medo sem que se referi a outros aspectos presentes no mito, como a busca de um origem ou ações heroicas de deuses e seres humanos na defesa do bem e da justiça contra um certo mal e a injustiça.


Desde criança, educa-se no Brasil pelo medo e pela violência através destes monstros que não fazem de nenhum mito específico muitas vezes, são apenas entidades sobrenaturais vazias de sentido ou de uma ação moral de maior valor racional. Não surpreende que ao se chegar a uma vida adulta estas sejam as principais características da atuação política do brasileiro, incapaz de raciocinar e de agir para além de toda a mitologia política do medo e violência. Todavia, diferente do que acontece na fase infantil desta mitologia, na qual pais inventam diversos monstros para amedrontar seus filhos e quando não dão certo, utilizam a violência que começa com uma simples palmada, na fase adulta esta mitologia política não é muito rica de imaginação e tem como único monstro amedrontador o comunismo que hoje engloba diversos outros monstros como o feminismo, o lgbtismo, o ideólogo de gênero, o esquerdismo, o petismo e tantos outros monstros que abalam as famílias tradicionais hoje em dia ironicamente na modernidade. Comunismo que é uma palavra por si só amedrontadora para aqueles que educados no medo e na violência pelos pais nascidos no período da ditadura militar e considerado por aqueles que defendem este regime político como o pior dos monstros.


Nada disso é novidade. Marx e Engels, em suas primeiras palavras do Manifesto Comunista, já denunciavam e ironizavam este medo por parte dos capitalistas da época, os burgueses, e até mesmo usaram este medo contra eles, quando escreveram a célebre frase: Um fantasma ronda a Europa, o fantasma do comunismo. O que não imaginavam era quanta violência este medo produziria em relação aos trabalhadores comunistas, até mesmo produzida por aqueles que defendiam teoricamente este manifesto. Nenhuma novidade também, pois Marx e Engels sabiam como as ideologias distorcem a realidade criando uma falsa consciência e apenas aqueles que têm consciência do valor do seu trabalho conseguem enxergar a realidade na prática e não simplesmente na teoria.


Já na época de Marx o comunismo amedrontava e gerava violência por parte dos capitalistas europeus e, depois americanos, mas tudo isto faz parte de um passado que para muitos não mete mais medo com a globalização do capitalismo, diferente do que acontece no Brasil no qual ainda hoje a política se mistura ainda ao mito em sua narrativas de monstros, o que, se há muito o capitalismo não produz violência em relação a quem é comunista, no Brasil isso ainda é algo possível na realidade e cada vez mais presente. Uma possibilidade real na medida em que há toda uma educação pelo medo e pela violência no país com raízes míticas e que, diferente dos mitos de origem e de heroísmo de todas as nações, não há nenhuma racionalidade na mitologia brasileira que se oponha ao medo gerado que se torna o fundamenta de uma violência cada vez maior a partir dele.


Se existe uma relação mítica entre violência e poder, tal como analisou Walter Benjamin, o fundamento dela está no medo, principalmente o medo da morte. É o medo que gera a violência a partir da qual se estabelece o poder e se há uma mudança na história quando outro poder se estabelece de modo revolucionário é porque, por um breve momento, o medo deixou de gerar a violência e esta o poder sobre aquele ao qual se quer amedrontar, violentar e ter poder. A violência é uma ação natural proveniente do medo a partir do qual se pretende estabelecer um poder sobre aquilo ou aquele que amedronta. Não se pode ter poder e violentar aquilo ou aquele que não tem medo de si, seja um animal irracional ou racional, e todo torturador sabe que seu poder e violência deixam de existir quando não se tem mais medo da morte que ele pode produzir. Se o medo é instintivo e gera uma violência e poder diretamente proporcionais a ele diante do ataque iminente de algo, ele é também racional quando se utiliza meios para amedrontar, potencializar este medo por meio da violência do instrumento e não por menos se ter um poder maior sobre aquele que é amedrontado. Em ambos os casos, a violência não é aquilo que se opõe ao medo estabelecendo uma segurança por meio do poder que ela estabelece, é aquilo que está de pleno acordo com ele, aumentando ou diminuindo conforme ele, e ninguém é ou está de acordo com a violência e o poder gerado por ela senão pelo medo maior ou menor que sente.


É preciso estar com um medo constante para querer estar armado e gerar violência e poder rapidamente. É preciso toda uma mitologia política de medo para se gerar uma política de violência que estabeleça um poder sobre quem quer amedrontar, no caso, todos os cidadãos. E é preciso ter medo para se submeter à toda a violência e poder sobre si como cidadão. No caso do Brasil, é preciso ter um medo cada vez maior do comunismo, como se tem medo de todos os monstros míticos infantis, para cada vez mais ser gerada uma violência e poder militar pelo Estado ou por uma Ditadura Militar. Comunismo que é o Leviatã para a mitologia política brasileira, o qual não representa o Estado diferente do que pensava Hobbes, pois o Estado é sempre heroico para os brasileiros com suas forças armadas militares. Como o Leviatã, o comunismo não pode ser despertado, pois trará a destruição de tudo, sendo assim o monstro ou fantasma a meter medo constantemente nas pessoas para que elas se predisponham à violência e ao poder contra todos aqueles que se dizem comunistas. Porém, diferente do que pensam os brasileiros ignorantes políticos, Hobbes estava certo quando disse que foi uma guerra de todos contra todos num estado de natureza que gerou o contrato social que fundamenta o Estado político e não menos certo quando usou o monstro bíblico do Leviatã para representá-lo, pois sabia que toda a violência e poder do Estado são fundamentados senão no medo e não por menos no medo mítico dos monstros. O que era exatamente este seu objetivo de sua teoria política para impedir que o Estado absolutista fosse destruído em sua época pelas revoltas populares e liberais que amedrontavam e seriam a base do comunismo moderno, o qual, porém, levaria o liberalismo revolucionário europeu ao seu próprio limite, fazendo-o retroceder ao conservadorismo gerador de medo, de violência e de poder contra o comunismo, até a constituição de um novo Estado absolutista, os governados pelos militares nas Ditaduras em toda parte do mundo.


Como dizia minha tia-avó, um medo pequeno tem medo de um medo maior e este maior é o comunismo, desde a época da ascensão liberal capitalista na época de Marx e Engels até hoje no Brasil. Não porque ele seja um monstro mítico de fato, mas porque o medo maior de todos aqueles que querem impor medo, violência e poder é que não se sinta medo deles e, deste modo, se oponha a toda a violência e poder que pretendam ter sobre is. É por fazer das pessoas livres de toda uma mitologia política do medo, da violência e do poder que o comunismo é ainda tão temido no mundo, e no Brasil em particular, por todos aqueles que vivem com medo e devido a isto são de acordo com a violência e o poder não apenas sobre os comunistas, mas sobre si mesmos. É por ser o comunismo aquilo que liberta de todo o medo e torna o ser humano livre em seu corpo e mente que ele é senão aquilo que engloba todos os ismos que amedrontam as pessoas , porém, que o comunismo nunca será um aparelho Estado, mesmo que este se aproprie dele como aconteceu no século XX, mas uma máquina de guerra constante contra o Estado e todo seu poder advindo do medo e da violência a começar pelo que fazem muitos pais com seus filhos.


Não sei se a criança que corria para não chegar atrasada conseguiu entrar na escola com medo da mãe, mas espero que ela e nenhuma outra tenha medo do poder absoluto de vida e de morte que muitos pais arrogam ter sobre os filhos e que Hobbes pretendia que o Estado tivesse sobre todos cidadãos a partir do medo de monstros, como também querem muitos brasileiros que defendem o militarismo do Estado, e que o conhecimento que ela adquira na escola a liberte de todo o medo, violência e poder que seus pais e quaisquer outros pretendam estabelecer sobre si.

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