O animal apolítico


O homem é um animal político segundo Aristóteles, o que quer dizer de um modo bem simples que numa pólis, isto é, numa cidade-Estado, todo ser humano depende direta ou indiretamente de outros seres humanos. Um fato inquestionável em qualquer época da humanidade na qual o ser humano sempre depende de outro ser humano, convivendo diretamente com ele ou estabelecendo trocas em algum momento com outros seres humanos.

Dentre as principais mudanças que aconteceram na modernidade que a diferenciam de qualquer época precedente, a concepção de um indivíduo dotado de uma razão e vontade livre para decidir sua vida é a mais importante de todas, pois rompe com milênios de história humana em que o ser humano é obrigado a partilhar com os outros sua vida segundo uma concepção natural e tradicional que Aristóteles tão bem demonstrou em sua Política. Primeiro, porque homem e mulher constituem por meio de afeto ou não uma família, depois esta família cresce com os filhos que se tornam pais e se torna uma comunidade, depois várias comunidades familiares tradicionais se juntam, por fim, numa cidade-Estado (pólis). Deste modo, laços familiares se tornam laços comunitários, por seguinte, laços políticos do homem, o animal solitário em princípio, por uma necessidade da natureza se torna um anima político e vive literalmente feliz para sempre na pólis.

Desse ponto de vista, não havia a menor possibilidade para um grego do cidadão ser considerado um indivíduo em particular que possuísse direitos privados que fossem inalienáveis como acontece na modernidade. Nada que um grego possuía era dele realmente, por mais privado que fosse, mas da pólis, de todos que o reivindicassem em algum momento, não podendo um grego negar partilhar em algum momento de necessidade o que fosse seu, por exemplo, no caso extremo de uma guerra, mas em caso menos extremos também como em relação às ideias. Donde surge senão o princípio democrático em que todos partilham seus pensamentos em comunidade livremente sem a necessidade de privarem ele em algum momento, a não ser que seu pensamento pretendesse ser o único pensamento, isto é, pretendesse ser um pensamento não partilhado por todos, como foi o caso de Sócrates, acusado de inventar novos deuses, no caso, o seu daimon.

Duas questões em relação ao julgamento de Sócrates, neste sentido, parecem colocar em contradição a democracia grega em sua defesa da liberdade de pensamento: primeiro, como Sócrates pode ter sido julgado por manifestar seu pensamento se este era o princípio democrático por excelência dos gregos? Segundo, como uma nação declaradamente politeísta julgaria alguém por inventar mais um deus?

Como nos lembra Platão, as aparências enganam e só aparentemente há uma contradição no julgamento de Sócrates que foi justo não apenas em todo o seu processo legal, atendendo a todos os requisitos judiciários da época, mas também justo na decisão de condenar Sócrates, malgrado os motivos que o levaram a ser julgado não serem claramente os motivos pelos quais foi julgado de fato, pois sabemos por meio dele e de outros que os motivos eram bem diferentes do que disseram os que o acusaram. Foi tão justo que Sócrates não exitou, por fim, em estar de acordo com seus algozes, pois era senão as Leis da República que se impunham sobre ele como dialogara consigo mesmo na prisão à espera de ser executado ou se executar. E não adiantava Críton insistir para que ele fugisse e se livrasse de uma pena injusta para o bem daqueles que, como Críton, acreditavam que ele não tinha feito nada de errado. Sócrates sabia que infringira a lei ateniense naquilo que ela tinha de mais essencial, a política democrática, a qual ele se opunha criticamente em seu julgamento, mas também durante sua vida ao preferir uma vida solitária e privada do que uma vida na comunidade política, por mais que vivesse na praça dialogando publicamente com os cidadãos.

Se Sócrates foi um cidadão ateniense como qualquer outro que casou, teve filhos, defendeu Atenas como um bom guerreiro na batalha contra Esparta, se tornando célebre por salvar Alcebíades, gozou de bom relacionamento com várias personalidades de sua época como o poeta Agatão e dialogava com todos que não eram nobres de modo público, pouco a pouco ele contradisse tudo isto. Sobre seu relacionamento com Xantipa e os filhos, sabemos das intrigas com ela por não se preocupar com o que era necessário para a sobrevivência dela e dos filhos preferindo os diálogos com os outros. Como guerreiro, defendeu Atenas, mas com a derrota dela para Esparta ficou do lado da tirania dos Trinta a quem elogiou em sua Apologia, de certo modo, contra a democracia. Além disso, mesmo reverenciando os deuses gregos, ele assume um "espírito divino ou demoníaco" a quem prefere escutar em sua voz em vez da voz oracular dos deuses ou cantada dos poetas. E, por fim, preferia as conversas particulares ao debate público em prol das questões da cidade, o que o levaria justamente a ser julgado e condenado.

Não foi a descrença nos deuses gregos, a perversão da juventude ao servir de exemplo para ela questionar os poderosos de sua época, tão pouco a invenção de um novo deus o que levou Sócrates a julgamento, condenação e morte, mas o fato dele não partilhar do princípio político da democracia grega, privilegiando as questões privadas como indivíduo em detrimento das questões públicas como cidadão, algo imperdoável em relação a qualquer grego por menor conhecimento que tivesse das Leis da República ateniense quanto mais em relação a Sócrates, alguém que as conhecia tão bem, um cidadão invejável que nunca saíra de Atenas. Sócrates sabia disso, tanto é que em sua defesa, ele chegou ao cerne desta questão desde o princípio ao se reportar aos juízes como um estrangeiro para que fosse melhor acolhido do que seria se fosse visto como um cidadão conhecedor das leis de Atenas, posto que sua condenação seria iminente. E, deste modo, suplicou aos juízes atenienses seus concidadãos:

Faço-vos, contudo, um pedido, atenienses, uma súplica premente; se ouvirdes, na minha defesa, a mesma linguagem que habitualmente emprego na praça, junto das bancas, onde tantos dentre vós me haveis escutado, e em outros lugares, não a estranheis nem vos revolteis por isso. Acontece que venho ao tribunal pela primeira vez aos setenta anos de idade; sinto-me, assim, completamente estrangeiro à linguagem do local. Se eu fosse de fato um estrangeiro, sem dúvida me desculparíeis o sotaque e o linguajar de minha criação; peço-vos nesta oportunidade a mesma tolerância, que é de justiça a meu ver, para minha linguagem, que poderia ser talvez pior, talvez melhor, e que examineis com atenção se o que digo é justo ou não. Nisso reside o mérito de um juiz; o de um orador, em dizer a verdade. (PLATÃO, 1999, p. 66. Coleção Os Pensadores)

A deferência de Sócrates aos atenienses não é um pedido de atenção simplesmente ao seu modo de falar diferente do modo que os juízes falam ou dos sofistas, ou ainda, daquele que o acusa, o "rapazinho" Meleto, é também um pedido para que ele seja julgado em sua própria linguagem e naquilo que ele diz como verdadeiro e não na linguagem da Lei ou dos costumes da cidade nas quais os atenienses acreditam como verdade (alethéia), aquilo que não deve ser esquecido. É um pedido que coloca diretamente a questão que percorre todo o seu julgamento, a de que ele é acusado de ir contra as Leis e costumes da cidade que são públicos valorizando questões privadas, no caso, as que ele coloca aos cidadãos interrogando poetas, políticos e artistas induzido pelo próprio deus Apolo depois que Querofonte consulta seu oráculo para saber se Sócrates era o mais sábio dentre os gregos, algo que ele duvida, como diz ao fazer um breve resumo da sua biografia desde este acontecimento. Uma questão que, neste primeiro momento, é uma questão de linguagem, mas na qual se coloca o direito dele poder ou não usar a linguagem que utiliza de modo privado e, deste modo, não se dirigir aos juízes de modo público, mas reservado, como estivesse em uma conversa privada com eles. De modo que não era aos 501 atenienses que o julgavam que Sócrates pretendia se dirigir, mas a cada um deles em particular, como se conversasse com eles nas praças, mas privadamente, falando uma linguagem que não os tentasse convencer, mas pôr em dúvida seus saberes de modo que não votassem em seu favor, pois sabia que se falasse diretamente a cada um deles e o escutassem como indivíduos particulares e não como defensores da lei e dos costumes atenienses, ele poderia ter alguma salvação.

A atitude de Sócrates em falar em público como se fosse em particular, como um estrangeiro e não como um cidadão ateniense se justificava por ele não se sentir à vontade no tribunal, mas também por ser julgado em tal idade por um "rapazinho", o que lhe enraivecia de fato. Todavia, o que mais lhe incomodava era que não se sentia um cidadão no sentido pleno desta palavra para um grego, isto é, como aquele que partilhava da vida pública, pois privilegiava a vida privada. Sócrates não apenas se via como um estrangeiro, mas também como um estranho entre os cidadãos por privilegiar as conversas privadas do que os debates públicos e sabia que isto era um problema para si, principalmente em seu julgamento, como disse em sua defesa:

É possível que pareça estranho eu me encontrar sempre próximo e me dar tanto ao trabalho de fornecer conselhos a este ou àquele em particular, se, ao se tratar de aconselhar a cidade e de ir à tribuna para falar ao povo, então me falte coragem. (PLATÃO, 1999, p. 84. Coleção Os Pensadores)

Mais ainda, ele sabia que o motivo de estar sendo julgado era este, que estava por trás da sua acusação de inventar um novo deus, pois o que levava ele a privilegiar as conversas particulares em detrimento dos debates públicos era senão a existência em si de um "espírito divino ou maligno", uma voz que o impedia de "ocupar as coisas do Estado", já que, diz ele peremptoriamente, "se eu tivesse, por algum tempo, me ocupado dos negócios do Estado, teria sido morto também num curto espaço de tempo e não teria realizado nada de útil, nem por vós nem por mim." (PLATÃO, 1999, p. 84. Coleção Os Pensadores) De fato, isto quase aconteceu, segundo ele, na única vez que assumiu a magistratura da cidade quando ficou contra a decisão popular de punir dez capitães que se recusaram a recolher náufragos e mortos na batalha naval das Arginusas, e quase foi preso por isso, temendo também sua morte. Momento senão que o fez perceber que "aquele que luta em defesa do que é justo, se de fato pretende escapar da morte, mesmo que por breve momento, deve viver de forma privada e não exercer funções públicas." (PLATÃO, 1999, p. 84. Coleção Os Pensadores)

Mas como alguém que defende o que é justo poderia ser visto como alguém contrário às leis da república democrática ateniense? A não ser que não acreditasse que estas leis fossem justas, algo que Sócrates considerou, de certo modo, no caso da pena aos capitães a qual se opôs como injusta ressaltando que ela foi "quando a cidade ainda era regida por uma democracia", quase sendo preso e morto por isto. Ao contrário do período posterior a isto, quando a oligarquia dos Trinta em sua tirania o deixou livre mesmo se negando a seguir a ordem dela de executar Leon de Salamina para tirar-lhe do poder.

Estes dois fatos demonstram de modo claro que Sócrates não partilha da comunidade política seguindo seus costumes e leis democrática ou tirânicas. Ele sabe que tem um pensamento particular, divino ou demoníaco, advindo de uma voz que o adverte desde criança no que deve fazer, uma consciência particular em detrimento de uma consciência coletiva como cidadão. O fato de Sócrates ter sido contra no julgamento dos capitães e também contra a decisão dos Trinta em relação a Leon de Salamina demonstra claramente isto e se ele defendia a lei e o que era justo segundo ela, tal lei e justiça não era a lei para todos definida de modo costumeiro, mas uma lei e justiça particular que ele considerava verdadeiras. É a esta lei e justiça verdadeira em particular a si que ele obedece e segue sem qualquer questionamento, pelo menos até se ver só na cela da prisão à espera de sua condenação, quando percebe o real motivo pelo qual foi julgado, condenado e morrerá.

É na solidão da prisão, depois de ter escolhido a morte como condenação que Sócrates percebe como ele se opunha às leis da cidade e era não apenas um estranho, estrangeiro, mas também um criminoso e não importava se fugia ou não, seria sempre um criminoso, alguém solitário pelo resto de sua vida. Pois era isto o crime propriamente, aquilo que definia que ele não fazia mais parte da pólis, não era mais um cidadão, que nunca ia poder mais voltar à Atenas caso fugisse, tão pouco poderia conviver fora dela, algo que de fato nunca quis, tendo saído de Atenas apenas forçosamente.

Se Sócrates se contentava com suas conversas particulares em lugares privados, a conversa com Críton na prisão mostra um Sócrates completamente diferente do que era antes da condenação. Diferente porque, pela primeira vez, não é alguém que Sócrates questiona neste diálogo, mas a si mesmo, em suas atitudes, particularmente a atitude de tentar fugir, criando um diálogo com as "leis da República" para que Críton entenda melhor a decisão dele de não querer fugir. Um diálogo de Sócrates consigo mesmo, questionando a si mesmo a partir das leis da República, no qual as primeiras palavras da República já dizem tudo, por assim dizer, imaginando que ela o interpelasse no momento em que pretendesse fugir junto com Críton e lhe dissesse:

"Sócrates, o que vais fazer? Executar teu plano não significa aniquilar-nos completamente, sendo que de ti dependem as leis da República e as de todo o Estado? Acreditas que um Estado pode subsistir se as suas sentenças legais não têm poder e, o que é mais grave, se os indivíduos as desprezam e aniquilam?" (PLATÃO, 1999, p. 109. Coleção Os Pensadores)

As leis da República democrática da cidade-Estado ateniense, por mais que valorizem a opinião individual, não podem aceitar que os indivíduos a desprezem aniquilando-as como Sócrates o fez de certo modo em diversos momentos, pois isto é considerado o que é mais grave para elas. Não se trata, neste caso, porém, de que a lei deve se aplicar a todos os indivíduos de modo indiferenciado, até mesmo a um célebre guerreiro como Sócrates, pois não é uma lei em abstrato que se coloca em questão, mas uma lei concretamente como uma dívida que todo cidadão ateniense deve às leis da República como se pode perceber na sequência do diálogo de Sócrates com elas. Uma dívida que é lembrada a Sócrates no momento em que ele pretendesse negá-la fugindo e que diz respeito senão a tudo que ele tem na vida, incluindo ela mesma desde o princípio, pois, dizem-lhe as leis da República: "Em princípio, deve-nos a vida, por haver sido por nossa causa que teu pai se casou com aquela que te deu à luz." (PLATÃO, 1999, p. 109. Coleção Os Pensadores)

Desde o seu nascimento, passando pelo sustento e a educação, a vida de Sócrates não é dele mesmo como indivíduo em particular, mas da República como cidadão ateniense e ele é tão filho dos seus pais como é da pátria a qual deve a mesma obediência e respeito por tudo que ela lhe proporciona, do contrário sendo considerado um criminoso,"culpado de três modos: porque desobedece àquelas leis que lhe permitiram nascer, porque perturba aquelas que o amamentaram e alimentaram e porque, após obrigar-se a obedecer-nos, ofende a fé jurada e não se esforça em persuadir-nos se lhe parece que existe algo de injusto em nós." (PLATÃO, 1999, p. 111. Coleção Os Pensadores. Grifos meus.)

Tudo que Sócrates era como um indivíduo era porque era cidadão de Atenas ao aceitar suas leis e jurar servir à elas e foi justamente o ter faltado à fé jurada por não se esforçar por persuadir no que existia nela de injusto que Sócrates fora condenado e morto. Lembremos, Sócrates não gostava de se manifestar publicamente e o único caso em que teve que fazer isto, foi um trauma para si, mas porque Sócrates o observou apenas a partir de sua voz divina ou demoníaca em particular e não do que acontecera de fato, pois, de fato, todos concordaram consigo e ele conseguiu, senão, persuadir do que era injusto naquele momento no que diz respeito às leis da República. Sócrates fizera neste momento o que a República democrática de Atenas esperava dele em suas leis, não as leis pelas quais ele foi julgado, mas as leis que ele agora reconhecia como as mais importantes de uma República, cuja principal era a de se esforçar para persuadi-la dos seus erros.

Ao contrário do que acontece em todos os outros diálogos platônicos em que Sócrates aparece dialogando com outras pessoas e questionando-as em seu saber, por fim, reconhecendo elas a sua ignorância quanto ao que sabiam, é Sócrates que é questionado neste momento e reconhece sua ignorância quanto às leis da República. Leis que não se restringem apenas à sua vida em fuga, mas também à sua morte onde quer que seja, pois dizem elas ao fim do diálogo com Sócrates em tom ameaçador: "Sempre, enquanto viveres, seremos tuas inimigas irreconciliáveis e, quanto estiveres morto, nossas irmãs, as leis que regem os infernos, não te receberão favoravelmente, sabendo que envidaste todos os esforços imagináveis por aniquilar-nos. Não sigas, portanto, os conselhos de Críton, e sim os nossos." (PLATÃO, 1999, p. 113. Coleção Os Pensadores)

Estas últimas palavras da República arrebatam Sócrates de tal maneira que ele sente todo o poder divino nelas a ferir-lhe os ouvidos com violência impedindo-o que escute qualquer outro discurso e, assim, reconheça sua própria ignorância quanto a elas, ou ainda, seu saber que nada sabia. Durante toda a vida, Sócrates buscou a solidão de seus pensamentos e foi justamente isto que o levou à prisão e à morte, pensando que a ele bastava a verdade e não a opinião dos outros, refutando-a sempre que podia, mas privadamente e não publicamente. O fato de ter sido considerado por meio do oráculo como o mais sábio o encaminhou cada vez mais a esta solidão em busca de alguém que fosse mais sábio do que ele, por fim, aceitando o que o oráculo disse, mas não por saber mais do que os outros em diversos assuntos propriamente e, sim, justamente por admitir não saber, por saber que nada sabia.

Sócrates não buscava o saber com os outros, mas a ignorância deles. Ele transformou a busca do saber compartilhado com os outros na busca de um saber privado de si mesmo, um saber da própria ignorância. Por mais sábio que reconhecer a própria ignorância possa parecer adquirindo-se um saber privadamente, isto em nada contribui para a cidade que necessita de um saber compartilhado com os outros para ser mais justa e melhor em sua educação. Compartilhar o saber e não levar à ignorância ou a um saber em particular é o princípio da pólis grega ao qual todos os cidadãos são submetidos como animais políticos e todo aquele que não partilha deste princípio é um animal apolítico, um indivíduo voltado para si mesmo em seus próprios saberes particulares e não um cidadão em seu saber público, justamente aquilo que Sócrates criticava nos sofistas ao venderem seus saberes.

Foi por se tornar um animal apolítico em sua época que Sócrates foi julgado ao defender um princípio político para além de seu tempo, no caso, o princípio político moderno do indivíduo como fundamento do cidadão e das leis do Estado, por pensar privadamente e não compartilhar da vida pública, por escolher a solidão de um saber em vez de compartilhá-lo com os outros, por se considerar o mais sábio, mas não ter nenhum saber a compartilhar com seus concidadãos, por questionar a todos, mas não questionar a si próprio a não ser no fim de sua vida, quando estava definitivamente só como um criminoso, o animal apolítico por excelência, aquele que nega as leis da cidade como se não devesse nada a ela.

A morte de Sócrates, seu suicídio, no caso, não foi uma escolha, foi a consequência direta dos seus atos e pagamento definitivo de sua dívida para com a cidade-Estado de Atenas. A morte não foi propriamente sua pena, mas se matar, obedecer à lei em seu último momento de vida fazendo literalmente a vontade da República, dar a vida por ela, a quem pertencia de direito. Sócrates não se suicidou, pois o suicídio implica a vontade de se matar contra a lei divina e dos homens e foi justamente o contrário o que ele fizera, pois obedeceu a lei literalmente com uma consciência que até então não tivera dela, a de toda sua dívida para com a República, matando-se por ela.

Com este último gesto, Sócrates reconheceu sua dívida para com as leis e a justiça da cidade em detrimento do que era a lei e a justiça para si. Mesmo se matando, sua morte foi digna e ele louvado como cidadão ateniense, um dos mais célebres de todos os tempos. Sua morte demonstraria mais do que qualquer outra o princípio da política democrática grega de Atenas enquanto cidade-Estado, mas também estabeleceria o princípio da democracia moderna fundada nos direitos individuais como fundamentos do cidadão e do Estado moderno. Sobretudo, ela demonstraria o que é ser filósofo em sua máxima expressão, ser aquele indivíduo que escolhe a solidão de seus pensamentos mesmo que isto lhe leve à morte por não serem os pensamentos que esperam os cidadãos.

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