Adeus à escola
A escola não é um lugar alegre, como comprovou Georges Snyders em seu livro Alunos felizes (1993), mas não para reforçar a necessidade de se destruí-la como Ivan Illich pensando numa Sociedade sem escolas (1971), e, sim, para transformar a escola num lugar alegre para estudantes, professores, gestores e todos aqueles que fazem parte dela. Apesar de diferentes, suas propostas partem de uma mesma premissa, a de que a escola é um lugar triste e ambos elencam diversos motivos para isto que cada professor ou estudante pode somar mais ainda. Contudo, quem já se dedicou à educação em algum momento como professor, gestor e estudante, sabe o quanto é difícil dizer adeus à escola, o quanto é triste não estar nela, ter que deixá-la em algum momento de sua vida.
Tendo-me dedicado à educação como estudante e agora como professor ,e sido obrigado a dizer adeus à várias escolas, a última neste ano, por motivos diversos, sei o que é a tristeza de ter que olhar nos olhos dos estudante e dizer que vou embora, que não vou mais estar com eles, que a partir daquele momento não serei mais seu professor, que não estaremos mais juntos em horas marcadas, que eles não estudarão mais comigo... Sinto tanto isso que transformei meu último dia de aula do terceiro ano neste momento de pensar no adeus que vamos nos dar a partir daquele dia, principalmente porque como professor do 1º ao 3º ano do ensino médio sou o único professor de filosofia que têm, o que talvez isto seja motivo suficiente para quererem sair da escola muitas vezes. Afinal, eles sabem o quanto sou chato, e muitos dizem isso abertamente, mas com sorrisos nos rostos, que é o que mais me importa, pois assim como para Georges Snyders, aprendi na prática que a escola deve ser um lugar de alegria vendo o quanto eu era chato como professor muitas vezes ou, para alguns, é chato a filosofia, é chato conhecer, é chato estar na escola todo dia, sentado numa cadeira, parado, pensando, sem poder falar, ainda mais nas cadeiras desconfortáveis de escola pública numa sala sem um clima adequado para se aprender cujo calor agita o corpo e fervilha o cérebro nos fazendo querer sair dali sem conseguir pensar mais em nada.
Sim, muitos querem sair da escola, muitos abandonam a escola, muitos não veem a escola como o lugar adequado para o desenvolvimento dos seus filhos e querem voltar a uma educação primitiva em que pais educam seus filhos segundo as limitações do ambiente natural, social e histórico em que vivem. O que não quer dizer que tal educação seja inferior, como bem demonstra o filme Capitão Fantástico (2016), a partir da crítica que Noam Chomsky faz à escola, principalmente, em Os caminhos do poder (1998), pois dependendo da educação que os pais têm pode-se ter realmente um melhor aprendizado do que na escola normal na qual os jovens são submetidos a uma massificação do ensino e não desenvolvem cognições, competências e habilidades necessárias para si segundo muitos pensam. Mas isto também não quer dizer que toda a massificação do ensino seja algo que deva ser deixado de lado e se pode muito bem ver neste filme como a escola é muito mais do que o que se pensa dela e nós, aqueles que nos dedicamos à educação, sabemos disso, como o capitão fantástico também percebeu.
Dizer adeus à escola é mais do que dizer adeus a um lugar de repressão ou opressão diária para estudante e professores, pois a escola não é este lugar propriamente, ou talvez seja, e todos nós sofremos da síndrome de Estocolmo, uma variação do complexo de Édipo na qual nos identificamos com o agressor, com aquele que nos oprime e reprime todos os dias. Não acredito nesta hipótese, por mais válida que ela possa ser, pois aprendi que se a escola está situada num espaço e tempo, e relacionada a todas as limitações de espaço e tempo que o cartesianismo impõe, inclusive nas ciências humanas, de modo geográfico e histórico, ela é sobretudo um lugar no espaço e tempo, isto é, um espaço e tempo com o qual nos identificamos e, mais ainda, no qual adquirimos uma identidade e que acaba por se tornar tão parte de nós que já não é possível nos separarmos dela facilmente, senão com muita tristeza e olhos marejados ao dizer adeus. Porém, isto não quer dizer que a escola forma nossa identidade como indivíduos como se pensa na modernidade segundo a ideia de formação (buildung), na qual adquirimos conhecimentos específicos para serem aplicados em tal área, mas que se tal identidade existe é uma outra identidade na medida em que nos tornamos outros na escola, isto é, porque somos transformados pela escola independente de sua formação curricular, e porque já não podemos mais deixarmos de pensar em nós sem pensar em tudo que vivemos na escola e sem todos os outros que fazem parte dela e que nos fazem outros nela.
A identidade que temos com um lugar, com a escola neste caso, e com todos os outros que fazem parte dela não é uma identidade excludente do outro, que se faz pela exclusão dos outros e num processo de individualização. É uma identidade que é o resultado de toda a transformação que passamos na medida em que vivemos num determinado lugar por algum tempo, algo inevitável como uma lei a partir da qual o lugar passa a ser não o nosso, como professor, estudante, gestor, ou indivíduo, mas o nosso por fazermos parte dele e ao sair dele deixamos um espaço e tempo vazio, o lugar de alguém que fazia parte dele e continuará depois de nossa saída, mesmo que seja ocupado por outros. Um espaço vazio difícil de ser preenchido e cuja vacuidade nos causa angústia como é angustiante estar numa escola em período de recesso e não ouvir os passos e vozes dos estudantes penetrarem nos corredores e em nossos ouvidos em sala de aula ou nossos passos e vozes penetrarem nos ouvidos deles, ainda que não gostem ou não gostemos de todo o barulho deles em algum momento.
É este vazio impossível de ser preenchido na alma quando dizemos adeus à escola, ainda que possa ser preenchido na mente por alguma coisa, que demonstra como a escola não é um lugar determinado no espaço e tempo geométrico ou geográfico e histórico simplesmente, pois há nela todo um processo de construção de identidade mútua de cada um que faz parte dela que é difícil, o mais difícil de todos em nossa vida. É o momento em que, como estudantes não sabemos ainda quem somos, mas também não sabemos como somos enquanto professores e gestores, pois o que somos modifica-se a cada dia na interação que temos com diversos outros em cada sala de aula, cada corredor da escola, cada momento na sala de professores e gestores em que nos reunimos e todas as individualidades interagem num turbilhão de momentos vividos sem se saber o que seremos quando sairmos desta reunião. E a cada reunião compartilhamos cada vez mais na escola com pessoas que são possibilidades de mundos totalmente diferentes dos nossos e cada encontro com elas é um mundo novo que aparece e some da nossa frente, até que somem de vez e já não fazem parte do nosso convívio, pois uma hora ou outra vão ou vamos ter que sair da escola.
Dizer adeus à escola é dizer adeus ao lugar que mais transforma nossas vidas e faz com que sejamos quem somos em nossa identidade, pois nenhum outro lugar produz tantas transformações durante a nossa vida do que a escola e mesmo que, como pais, queiramos valorizar mais a família do que a escola, é incomparável o que se pode aprender na escola em comparação com o que se aprende numa família, não importa que família seja, mesmo a do capitão fantástico. Dizer adeus à escola é dizer adeus, a nós mesmos, à toda a dedicação que tivemos nela durante um quarto de nossa vida, mesmo não seja uma dedicação plena aos estudos ou ao ensino, pois a escola é muito mais e sempre será muito mais do que um lugar de estudos, de recolhimento individual em si mesmo em cadeiras separadas em filas absorvendo conhecimentos para o mercado de trabalho ou ensinando conteúdos que não servem para o mercado de trabalho a não ser que se saiba utilizá-los. Para quem se dedica à escola, ela é a sua vida, pois é nela que aprendemos a viver convivendo com todos que fazem parte dela, inclusive com aqueles que querem nos destruir em algum momento com os quais aprendemos a nos defender do mal.
Aprender a se defender do mal e de tudo aquilo que nos faz mal é o grande objetivo do conhecimento, qualquer conhecimento, e a escola é o lugar no qual mais aprendemos conhecimentos para nos defender do mal e nenhum lugar nos prepara melhor do que ela para nos defender dos males da vida quando nos dedicamos à educação, quando queremos nos modificar pelo conhecimento estando nela, fazendo parte de si e aprendendo o que mais nos livra de todo o mal, dedicarmo-nos aos outros, estarmos juntos deles não importa suas diferenças, pois são estas diferenças que nos transformam nos outros que somos a cada dia e nos definem em nosso ser.
Ser diferente, enfim, é o que toda escola nos obriga a ser, pois ser diferente neste caso quer dizer conheça a si mesmo de modo diferente e aos outros e a escola é este lugar onde aprendemos a ser diferente com um conhecimento para toda a vida.
P. S. Para todos aqueles que se dedicam à educação e tiveram e terão que dizer adeus à escola algum dia.
Tendo-me dedicado à educação como estudante e agora como professor ,e sido obrigado a dizer adeus à várias escolas, a última neste ano, por motivos diversos, sei o que é a tristeza de ter que olhar nos olhos dos estudante e dizer que vou embora, que não vou mais estar com eles, que a partir daquele momento não serei mais seu professor, que não estaremos mais juntos em horas marcadas, que eles não estudarão mais comigo... Sinto tanto isso que transformei meu último dia de aula do terceiro ano neste momento de pensar no adeus que vamos nos dar a partir daquele dia, principalmente porque como professor do 1º ao 3º ano do ensino médio sou o único professor de filosofia que têm, o que talvez isto seja motivo suficiente para quererem sair da escola muitas vezes. Afinal, eles sabem o quanto sou chato, e muitos dizem isso abertamente, mas com sorrisos nos rostos, que é o que mais me importa, pois assim como para Georges Snyders, aprendi na prática que a escola deve ser um lugar de alegria vendo o quanto eu era chato como professor muitas vezes ou, para alguns, é chato a filosofia, é chato conhecer, é chato estar na escola todo dia, sentado numa cadeira, parado, pensando, sem poder falar, ainda mais nas cadeiras desconfortáveis de escola pública numa sala sem um clima adequado para se aprender cujo calor agita o corpo e fervilha o cérebro nos fazendo querer sair dali sem conseguir pensar mais em nada.
Sim, muitos querem sair da escola, muitos abandonam a escola, muitos não veem a escola como o lugar adequado para o desenvolvimento dos seus filhos e querem voltar a uma educação primitiva em que pais educam seus filhos segundo as limitações do ambiente natural, social e histórico em que vivem. O que não quer dizer que tal educação seja inferior, como bem demonstra o filme Capitão Fantástico (2016), a partir da crítica que Noam Chomsky faz à escola, principalmente, em Os caminhos do poder (1998), pois dependendo da educação que os pais têm pode-se ter realmente um melhor aprendizado do que na escola normal na qual os jovens são submetidos a uma massificação do ensino e não desenvolvem cognições, competências e habilidades necessárias para si segundo muitos pensam. Mas isto também não quer dizer que toda a massificação do ensino seja algo que deva ser deixado de lado e se pode muito bem ver neste filme como a escola é muito mais do que o que se pensa dela e nós, aqueles que nos dedicamos à educação, sabemos disso, como o capitão fantástico também percebeu.
Dizer adeus à escola é mais do que dizer adeus a um lugar de repressão ou opressão diária para estudante e professores, pois a escola não é este lugar propriamente, ou talvez seja, e todos nós sofremos da síndrome de Estocolmo, uma variação do complexo de Édipo na qual nos identificamos com o agressor, com aquele que nos oprime e reprime todos os dias. Não acredito nesta hipótese, por mais válida que ela possa ser, pois aprendi que se a escola está situada num espaço e tempo, e relacionada a todas as limitações de espaço e tempo que o cartesianismo impõe, inclusive nas ciências humanas, de modo geográfico e histórico, ela é sobretudo um lugar no espaço e tempo, isto é, um espaço e tempo com o qual nos identificamos e, mais ainda, no qual adquirimos uma identidade e que acaba por se tornar tão parte de nós que já não é possível nos separarmos dela facilmente, senão com muita tristeza e olhos marejados ao dizer adeus. Porém, isto não quer dizer que a escola forma nossa identidade como indivíduos como se pensa na modernidade segundo a ideia de formação (buildung), na qual adquirimos conhecimentos específicos para serem aplicados em tal área, mas que se tal identidade existe é uma outra identidade na medida em que nos tornamos outros na escola, isto é, porque somos transformados pela escola independente de sua formação curricular, e porque já não podemos mais deixarmos de pensar em nós sem pensar em tudo que vivemos na escola e sem todos os outros que fazem parte dela e que nos fazem outros nela.
A identidade que temos com um lugar, com a escola neste caso, e com todos os outros que fazem parte dela não é uma identidade excludente do outro, que se faz pela exclusão dos outros e num processo de individualização. É uma identidade que é o resultado de toda a transformação que passamos na medida em que vivemos num determinado lugar por algum tempo, algo inevitável como uma lei a partir da qual o lugar passa a ser não o nosso, como professor, estudante, gestor, ou indivíduo, mas o nosso por fazermos parte dele e ao sair dele deixamos um espaço e tempo vazio, o lugar de alguém que fazia parte dele e continuará depois de nossa saída, mesmo que seja ocupado por outros. Um espaço vazio difícil de ser preenchido e cuja vacuidade nos causa angústia como é angustiante estar numa escola em período de recesso e não ouvir os passos e vozes dos estudantes penetrarem nos corredores e em nossos ouvidos em sala de aula ou nossos passos e vozes penetrarem nos ouvidos deles, ainda que não gostem ou não gostemos de todo o barulho deles em algum momento.
É este vazio impossível de ser preenchido na alma quando dizemos adeus à escola, ainda que possa ser preenchido na mente por alguma coisa, que demonstra como a escola não é um lugar determinado no espaço e tempo geométrico ou geográfico e histórico simplesmente, pois há nela todo um processo de construção de identidade mútua de cada um que faz parte dela que é difícil, o mais difícil de todos em nossa vida. É o momento em que, como estudantes não sabemos ainda quem somos, mas também não sabemos como somos enquanto professores e gestores, pois o que somos modifica-se a cada dia na interação que temos com diversos outros em cada sala de aula, cada corredor da escola, cada momento na sala de professores e gestores em que nos reunimos e todas as individualidades interagem num turbilhão de momentos vividos sem se saber o que seremos quando sairmos desta reunião. E a cada reunião compartilhamos cada vez mais na escola com pessoas que são possibilidades de mundos totalmente diferentes dos nossos e cada encontro com elas é um mundo novo que aparece e some da nossa frente, até que somem de vez e já não fazem parte do nosso convívio, pois uma hora ou outra vão ou vamos ter que sair da escola.
Dizer adeus à escola é dizer adeus ao lugar que mais transforma nossas vidas e faz com que sejamos quem somos em nossa identidade, pois nenhum outro lugar produz tantas transformações durante a nossa vida do que a escola e mesmo que, como pais, queiramos valorizar mais a família do que a escola, é incomparável o que se pode aprender na escola em comparação com o que se aprende numa família, não importa que família seja, mesmo a do capitão fantástico. Dizer adeus à escola é dizer adeus, a nós mesmos, à toda a dedicação que tivemos nela durante um quarto de nossa vida, mesmo não seja uma dedicação plena aos estudos ou ao ensino, pois a escola é muito mais e sempre será muito mais do que um lugar de estudos, de recolhimento individual em si mesmo em cadeiras separadas em filas absorvendo conhecimentos para o mercado de trabalho ou ensinando conteúdos que não servem para o mercado de trabalho a não ser que se saiba utilizá-los. Para quem se dedica à escola, ela é a sua vida, pois é nela que aprendemos a viver convivendo com todos que fazem parte dela, inclusive com aqueles que querem nos destruir em algum momento com os quais aprendemos a nos defender do mal.
Aprender a se defender do mal e de tudo aquilo que nos faz mal é o grande objetivo do conhecimento, qualquer conhecimento, e a escola é o lugar no qual mais aprendemos conhecimentos para nos defender do mal e nenhum lugar nos prepara melhor do que ela para nos defender dos males da vida quando nos dedicamos à educação, quando queremos nos modificar pelo conhecimento estando nela, fazendo parte de si e aprendendo o que mais nos livra de todo o mal, dedicarmo-nos aos outros, estarmos juntos deles não importa suas diferenças, pois são estas diferenças que nos transformam nos outros que somos a cada dia e nos definem em nosso ser.
Ser diferente, enfim, é o que toda escola nos obriga a ser, pois ser diferente neste caso quer dizer conheça a si mesmo de modo diferente e aos outros e a escola é este lugar onde aprendemos a ser diferente com um conhecimento para toda a vida.
P. S. Para todos aqueles que se dedicam à educação e tiveram e terão que dizer adeus à escola algum dia.
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