O fim do romantismo


Em geral, quando amamos alguém não pensamos no fim do relacionamento, algo natural na realidade que acontece frequentemente e é inevitável não importa quanto tempo durem os relacionamentos, pois a natureza em todo seu realismo não é nenhum pouco romântica. Pelo contrário, seu realismo nos coloca diante constantemente da possibilidade de perdermos quem amamos, do temor real de que o amor acabe e, quando acaba, diante da inevitável pergunta: o que fazer quando o amor acaba?

O que acontece cotidianamente quando o amor acaba é o ressentimento de afetos alegres que tivemos com a pessoa amada que se tornam afetos tristes por sabermos que não teremos mais os afetos alegres. Um ressentimento de raiva por toda a alegria de sua presença mesmo em ideia ter se perdido ou ter sido tirada de nós, por esta alegria não ser mais possível na realidade senão de modo inteligível, isto é, platônico, como uma ideia para além de toda a necessidade sensível, qual seja a do desejo da presença da pessoa amada. E é diante de todo o ressentimento de afetos alegres que se tristes que nos sentimos impotentes como seres na natureza sem conseguir evitar a menor lembrança dos momentos de alegria transformados em tristeza num piscar de olhos nos fazendo perder a realidade de vista de que o pra sempre sempre acaba como diz Renato Russo em sua música Por enquanto.

O ressentimento produzido pela separação demonstra o quanto o amor nos faz perder a noção da realidade natural que deixa de ser percebida de modo objetivo por nós como sujeitos conscientes em seu cogito pelas sensações e passa a ser sentida de modo subjetivo por nós em afetos. Nesse sentido, quando amamos, não por acaso não nos reconhecemos em nossos pensamentos e ações, não por acaso deixamos de ser quem somos e nos tornamos outros sujeitos que não são outros eus que queremos ser ou outros eus que queremos ter. Somos outros sujeitos incapazes de reconhecer qualquer traço de nossa subjetividade costumeira, pois quando amamos perdemos toda a razão a qual define o que pensamos, quem somos em pensamento e em nossas ações.

Obviamente quando amamos não perdemos total noção da realidade, pois o amor não tem nenhuma relação com a loucura ou qualquer escapismo da realidade e se o romantismo se opõe ao realismo não é tão pouco para negar este, mas para tornar a realidade humana melhor com todos os seus afetos. É uma afirmação da realidade de modo afetivo e não simplesmente perceptiva que o romantismo tem em vista. Pois é um ultrarrealismo o fim do romantismo, um realismo para além da realidade cotidiana em que vivemos que tão pouco é um além mundo idílico de vida paradisíaca na terra com todo o bucolismo subjetivo escapando à vida nela, mas um viver na terra sentindo a necessidade dos afetos alegres nela e se entristecendo inevitavelmente quando tais afetos não são possíveis e em seu lugar aparecem os tristes.

Diferente do que se pensa em relação ao romantismo é uma profunda compreensão da realidade que se tem em vista. Por profunda compreensão querendo-se dizer senão uma compreensão da realidade que vá além do meramente visível e observável na realidade tal como todos observam. Um ir além não porque o visível e observável em certa medida é uma aparência enganosa como pensava Platão ou um engano dos sentidos como pensava Descartes, mas porque o visível e o observável não nos traz nenhum afeto alegre na realidade, apenas afetos tristes. Neste sentido, o romantismo de modo profundo quer dizer um ir além da realidade ela mesma em sua percepção visível e observável no presente em geral triste em direção a um futuro que se tem em vista como alegre para nós no qual estamos senão com quem amamos, do modo que amamos, como queremos estar amando.

Se não sabemos o que fazer quando o amor acaba é porque toda esta profundidade da vida a partir dos afetos alegres que temos com ela no momento em que amamos alguém deixa de existir na realidade que passa a ser vista senão tal como é para todos que não amam, isto é, que não buscam a alegria no amar. A percepção da realidade tal qual é em seu presente deixa de ter sentido na medida em que todo o sentido da realidade depende dos afetos alegres que temos com ela, ou seja, das alegrias que sentimos a cada momento nela. Todo um fatalismo se interpõe assim à vida como natural a nós sem qualquer possibilidade de uma existência para além dele no qual nos tornamos seres naturais cujo destino é a morte inevitável ou a loucura possível com os quais muitos confundem o romantismo em seu fim trágico e, devido a este fim, o evitam.

Ao contrário de serem o fim do romantismo enquanto consequência lógica do amor, loucura e morte são justamente a ausência de todo e qualquer romantismo e ninguém se mata ou enlouquece por amar outra pessoa, mas morre e enlouquece por não poder amar, por ser impedido de amar alguém, por transformar o amor em ódio a si, a quem ama, a todos que ama, por não suportar viver numa realidade sem afetos alegres, apenas tristes, ou nem isto, uma realidade sem afeto algum. Uma realidade na qual não é possível nenhuma perspectiva de mudança daquilo que é percebido de modo visível e observável como tal. Uma realidade na qual apenas se vive para si e não também para o outro, para uma outra realidade, por um por vir do outro na realidade em sua presença produzindo alegria nela.

Encarar a realidade é o que se diz a toda pessoa que ama quando o amor acaba e não há nada pior do que dizer isso, pois é a realidade senão que produz todos os afetos tristes ao ser vista sem a pessoa que se ama e com a qual se quer estar para suportar a realidade mesma em toda sua natureza objetiva de afetos tristes ou sem afeto algum. É o encarar a realidade que torna tudo mais difícil na vida pois esta deixa de fazer sentido sem se ter nenhuma alegria nela, por ser algo meramente no qual se deve viver sem afetos alegras pelas pessoas ou sem buscar afeto alegres com elas. Encarar a realidade é encarar toda a dor da perda inevitável da alegria e aceitar a tristeza como parte da sua vida a partir de então, tristeza que é o signo de advertência de toda a realidade, o momento em que nossa vida está em risco de morrer e que devemos ter cuidado, o momento em que a realidade bate em nossa porta e não a devemos deixar entrar sem contrapormos nossos afetos alegres em relação a ela, para que possamos viver e conviver nela.

É preciso evitar todo o realismo da realidade e todo o objetivismo da natureza e encarar a realidade natural de modo alegre afetivamente para que a realidade não seja sempre tal como é, algo que nos oprime com tudo que há de cotidiano a nos entristecer, pois são muitas as coisas que nos entristecem no dia a dia e nunca conseguiremos evitar, a não ser que sejamos românticos indo sempre além da realidade meramente visível e observável de ódio em que vivemos em relação à nossa vida e em relação aos outros, uma realidade na qual não demonstramos nenhum pouco de afeto alegre pelo outro, apenas tristes.

Evitar que o ódio pelo outro apareça é o grande desafio ético que temos quando o amor acaba. Ódio que nos leva a destruir o outro e o amor pelo outro, bem como o amor por nós mesmos e, por fim, o próprio amor em nossa vida. Ódio que faz com que todo o realismo natural se torne presente do modo mais opressor possível como realismo absoluto do qual não se pode escapar, no qual não se tem liberdade alguma e todo o afeto triste da realidade nos domina sem que nada nos faça suportar, sem que nada nos impeça de odiar a tudo e a todos tornando a morte natural futura em presente contra toda a perspectiva de vida na natureza e na realidade. Enfim, esquecendo ou querendo esquecer todas alegrias da vida quando amamos e estamos juntos de quem amamos.

Ao nos perguntarmos no que fazer quando o amor acaba pensamos naturalmente no fim do amor e do romantismo, na perda que isto representa e é justamente como perda que se coloca o fim do romantismo. Uma perda que é do amor propriamente dito na realidade, do sentimento de perda que aparece justamente na realidade quando o amor acaba e que é a perda da própria realidade não tal qual ela é, mas tal qual ele deve sempre ser, isto é, alegre como quando estamos juntos de quem amamos. Perda que é a separação em relação a quem amamos na realidade e que somente é possível sentir quando realmente amamos alguém na realidade que nos faz alegre. Perda, enfim, que é a da própria alegria na realidade que temos quando estamos juntos de quem amamos.

Não deixar se perder o amor e toda a alegria por estar junto de quem se ama é o fim de todo romantismo na realidade, pois quem disse que o amor acaba na realidade?

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