A dificuldade de viver
... Domingo, 14 de maio de 2017 Ã s 14:46 UTC-03
Professor.
Jean Pierre Gomes Ferreira Domingo, 14 de maio de 2017 Ã s 14:48 UTC-03
Oi.
Porque? Porque é tão difÃcil?
Jean Pierre Gomes Ferreira Domingo, 14 de maio de 2017 Ã s 15:45 UTC-03
O quê que é tão difÃcil?
... Domingo, 14 de maio de 2017 Ã s 15:46 UTC-03
Viver
Jean Pierre Gomes Ferreira Domingo, 14 de maio de 2017 Ã s 15:47 UTC-03
Porque muitas vezes nós complicamos a vida ou outras pessoas complicam a nossa.
E como se descomplica as coisas?
O diálogo transcrito acima por meio de mensagens foi real com uma estudante prestes a completar 15 anos cursando o 2º ano do ensino médio. Ela não falava comigo até então, mas, como alguns estudantes, de repente, pensou que, como filósofo, eu poderia ajudá-la a encontrar uma resposta para esta pergunta tão complicada: o que é viver? Mais ainda, por que é tão difÃcil viver?
Quando conversei com ela lembro de ter ficado intrigado com a profundidade do seu questionamento, mas principalmente por esta profundidade de pensamento vir de alguém tão nova em sua idade. Ao conhecer melhor a estudante tempos depois, percebi o quanto seus pensamentos destoavam de sua idade e como para muitos estudantes a vida já era muito pesada para si, por colocar a si mesmo este peso e por outros acrescentarem mais ainda. Como professor, sou surpreendido frequentemente por questões deste tipo e também por ver estudantes com a mesma angústia que ela mesmo sem me perguntarem diretamente assim.
É quando estudantes como ela fazem perguntas como estas que posso ser aquilo que pouco sou com eles em sala de aula, no caso, um filósofo, pois há uma diferença muito grande entre explicar o pensamento filosófico e pensar filosoficamente. Como professor, poderia muito bem ter dado uma resposta a partir de algum filósofo e tentar diminuir sua angústia ou sua curiosidade apenas, mas não teria sido filósofo, não teria tentado encontrar uma resposta por mim mesmo para dar a ela. Ao dar a resposta acima, fui muito direto tentando fazê-la entender de modo bastante objetivo que todas as dificuldades da vida dependem da nossa relação com a nossa vida em particular e com a nossa vida vivenciada com outros, tornando-se complicada por nós mesmos ou pelos outros. Um pensamento simples que não a deixou menos angustiada obviamente querendo uma resposta mais direta e objetiva e solucionadora do problema mesmo de viver, buscando saber como descomplicar a vida. Uma pergunta que permaneceu sem resposta à época por um motivo óbvio, eu não tinha uma resposta propriamente dita, mas também porque tentando saber o que motivava ela a fazer esta pergunta quis saber porque a vida dela era tão complicada em tão tenra idade, algo que não quis me dizer, preferindo, como disse, resolver suas "crises existenciais" sozinha sem incomodar ninguém, simplesmente pedindo para eu fingir que nada aconteceu.
Como filósofo, porém, não gosto de perguntas sem respostas, pois as respostas são muito mais importante para o filósofo do que as perguntas. Perguntar não é o ofÃcio do filósofo como muitos pensam a partir de Sócrates, sem perceber que o grande objetivo de sua maiêutica não eram as perguntas que ele fazia aos atenienses, mas as respostas que ele queria que todos chegassem por meio de si mesmos ajudados pelas perguntas que fazia. Respostas diferentes das que tinham aprendido na infância com os pais ou na juventude com seus colegas, ou ainda diferente das que tinha aprendido nos livros talvez de filosofia. Respostas as quais eles pudessem chegar por si mesmos, conhecendo a si mesmos, a vida, e pelas quais eles fossem responsáveis e, neste caso, não fossem simples respostas para agradar uma ou outra pessoa como ensinavam os sofistas segundo Sócrates, sem se preocuparem com o que diziam, mas respostas que já tivessem em si mesmas a verdade, sua e para todos na vida.
A resposta que a estudante buscava sobre a viver é o mesmo que nós filósofos buscamos e todos buscam em algum momento da vida e encontram em algum momento dela também, que satisfaz por algum momento ou para a vida inteira. Não há idade propriamente para se questionar sobre a vida e mesmo para filosofar sobre ela. O pensamento nunca é conforme a idade matemática que define a composição biológica do nosso corpo e vivemos sempre no descompasso do tempo entre os pensamentos e a nossa vida mesma. Pensar é ademais produzir este descompasso constantemente em relação à vida, retardá-la em um vão momento em que tudo deixa de fazer sentido e no qual justamente buscamos um sentido para tudo na vida e para a vida mesma.
É um momento de angústia como diz Heidegger, um momento que pode nos levar ao desespero mortal como pressupunha antes Kierkegaard, é um nada como diz ainda Sarte no qual o ser se põe ao mesmo tempo livre, mas extremamente responsável por tudo em sua vida, sem ninguém que possa decidir e agir por si mesmo. Todavia é um momento necessário em nossa existência a qual não existe sem estes momentos de dificuldades em que não encontramos respostas para o que é viver, momentos que são mais em algumas pessoas do que outras, pois se todas se perguntam em algum momento o que é viver em sua vida, algumas se perguntam mais do que outras e para algumas dessas ficar sem resposta significa literalmente ficar sem vida. Um problema sério no caso de muitos adolescentes que sem perspectiva de vida, no caso, de uma resposta para o que é viver escolhem não viver mais, ou ainda, reduzir suas perspectivas de vida, fazendo escolhas que limitam seu viver cada vez mais, pois é sempre melhor esquecer as dificuldades da vida do que vivê-las.
É num momento de dificuldade que o viver aparece enquanto problema para o qual buscamos uma solução fazendo uma pergunta que nos dê uma resposta para ele, ou simplesmente, apelemos para uma divindade em busca dela. Tal dificuldade não importa qual seja parece besteira para muitos pais quando veem seus filhos com problemas ridÃculos para si, como mimimi, algo que se repete sem sentido, ou mesmo para professores que se deparam com o não aprendizado dos estudantes de coisas para si óbvias. Contudo, a dificuldade revela a limitação mesma do viver de cada um deles em seu momento de vida, uma dificuldade que é de viver plenamente o que muitas vezes querem viver, em outras palavras, a limitação da sua vida em um determinado momento e, portanto, é uma dificuldade em que a vida dele está em risco, no limite de sua existência, que pode não ser trágico em relação a muitas coisas, mas há muitos problemas educacionais ou familiares, mas são limites que pouco a pouco o aproximam de uma tragédia, de uma morte prematura, pois nunca sabemos o quanto viver pode se tornar difÃcil para nós ao ponto de não mais suportá-lo. Ainda mais quando se é jovem e viver muitas vezes adquiriu apenas um sentido, a morte como fim de todos os problemas familiares, sociais, existenciais.
Eis porque a pergunta da estudante foi tão difÃcil de ser escutada por mim com o receio de ver nela todo o ressoar de uma vida em risco, ainda mais por ela querer resolver sua vida sozinha, por acreditar que viver é viver solitariamente todos os problemas sem ajuda de ninguém, de modo individualista e egoÃsta e se orgulhar disso, assumindo uma responsabilidade por escolhas e atos que se são seus não dizem respeito somente a si. Isto porque a vida é bem mais do que nossas escolhas e nossas ações que tem sempre um limite em seu poder de modificar a nossa vida e a vida dos outros que também têm suas escolhas e suas ações. E que viver, neste caso, está muito além do que podemos entender em um determinado por momento a partir de nossas escolhas e ações e quem resumiu muito bem isso para além da filosofia, mas ressoando a filosofia em sua literatura foi Clarice Lispector ao dizer:
Renda-se como eu me rendi, mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender. Viver ultrapassa todo entendimento...Escrita em um de meus diários, este pequeno texto de Clarice é um bálsamo e um aumentar da angústia do que é viver, pois ao mesmo tempo em que nos remete ao que é mais sublime na vida que é o próprio viver nos rendendo a ele, mesmo sem total conhecimento do que vai acontecer ou entender o que acontece, pois viver ultrapassa todo entendimento, é angustiante, desesperador e nadificante para um filósofo e para qualquer pessoa em algum momento dela, não conhecer e não entender o que é viver descomplicando a vida mesma. Mas a resposta talvez esteja no verbo, na ação que pressupõe o verbo, ação que se encontra na intransitividade do verbo viver quando se pensa no que Clarice quer dizer quando diz viver ultrapassa todo entendimento como se nos dissesse imperativamente: Viva! E assim querer dizer que devemos viver, que não importa a dificuldade é a vida que importa e é mais importante, o que não quer dizer que algum viver não pode ser abortado em algum momento por um viver maior para cada pessoa em algum momento da vida dela, mas que viver é sempre a escolha a ser feita quando nos pomos em alguma dificuldade do viver mesmo.
Não precisamos saber o que é a vida para vivermos a vida, eis o que podemos aprender a partir de Clarice Lispector tendo nisso a única compreensão e entendimento possÃvel do que é viver, o limite mesmo de toda possibilidade de conhecimento e entendimento da vida. Um limite que nunca vai ser da própria vida, que deva limitar a própria vida, por fim a ela, pois viver ultrapassa todo entendimento e deve sempre ultrapassar e devemos nos render a isso, render nosso conhecimento a vida e não ela ao nosso conhecimento sobre tudo. No limite, é a vida que importa e não o nosso entendimento sobre ela e descomplicar a vida é, neste sentido, não querer entendê-la em algum momento, não a complicar a vida com todo nosso entendimento ou mesmo deixar que alguém a complique com o seu entendimento do que é a vida, impondo o seu entendimento querendo que vivamos a vida tal qual ele como se a nossa vida fosse a dele, ou mesmo dele, quando nunca é e nunca vai ser, mesmo que nos rendamos a vida do outro, mesmo que precisemos em algum momento dos outros para viver.
Render-se à nossa própria vida, eis o que devemos aprender livres de qualquer entendimento sobre a vida para nós e para os outros, pois só assim diminuÃmos a dificuldade de viver.
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