Adeus ano velho...
Despedidas são geralmente momentos tristes na vida, pois acontecem por motivos que não são agradáveis em relação alguém do qual não se quer se despedir e se remetem inevitavelmente à morte, a última despedida. São momentos de separações dolorosas que carregamos no peito com saudade, uma torrente de paixão, uma emoção diferente que aniquila a vida da gente, uma dor que eu não sei de onde vem, como canta tão bem Caetano Veloso na música Canção de Amor.
Não é isto que acontece, porém, quando efusivamente nos despedimos de um ano e celebramos a vinda de outro na passagem de ano em meio a fogos de artifÃcios, quando as saudades se transformam em saudações alegres de um Feliz Ano Novo! a todos que estão perto de nós, familiares ou estranhos. Ao contrário de um retardar do tempo com acrescidos abraçados e lágrimas tentando evitar a perda de alguém, contamos regressivamente os últimos segundos que faltam para nos despedirmos do ano, ansiosos pelos fogos de artifÃcios, a bola que desce, a roda gigante que serpenteia fogo, a ponte que vira cascata de fogos, as balsas que ejaculam fogos ao céu em formas e cores diversas entre nossas bocas e sorrisos estáticos fascinados. E como se não bastasse isso, festas madrugada adentro saúdam o ano novo que chega em cada lugar de modo diferente, mas sempre com a mesma alegria, invariavelmente, como se todos as pessoas do mundo fizessem parte de uma mesma e estranha harmonia no exato instante em que o tempo se modifica, no instante mais esperado de todo o ano, o único instante do tempo que é esperado por todos no mundo.
Ou quase todos, obviamente, pois há exceções em qualquer generalização, sempre há, e a mudança de ano não comove a todos. No caso, os céticos e realistas, para os quais não se trata senão da mudança de um número no calendário e que, matematicamente, não há nada de novo nisto, nada de novo na mudança propriamente dita do tempo,de presente a passado e na expectativa futuro, que se repete invariavelmente a cada instante e não necessariamente no último instante do ano. E há aqueles para os quais a saudade é mais intensa do que em outros e se despedir do ano não é tão simples assim, pois lembra outras despedidas e quem se perdeu com elas.
Fora as exceções que sempre existem em qualquer generalização de senso comum é interessante pensar em como a despedida se torna diferente com a mudança de ano, como toda a tristeza a que ela nos remete se transforma em alegria e como deste modo nos despedimos da própria despedida, deixando para trás tudo que há nela de triste e ficando alegre por isto. Por mais cético e realista que se possa ser é inegável que há uma total mudança de perspectiva no breve instante de passagem do ano que muda a existência, que faz visar o mundo de um modo diferente do que é visto, mesmo que nada nele se modifique de fato e seja tudo apenas a emoção de um instante apenas e, no instante seguinte, tudo volte ao normal, mesmo que não se perceba, pois o instante seguinte não importa mais. Não importava ademais, apenas o instante da mudança do ano que é o breve instante de uma expectativa de deixar tudo para trás e ser feliz pelo menos num instante.
A despedida do ano no instante que se passa de um ano a outro é, neste sentido, o motivo de nossa felicidade, de felicitações, de querermos que não apenas nós, mas todos sejam felizes. Felizes não apenas no futuro, mas logo após a passagem do ano na comunhão de corpos e copos que se agitam em meio a multidões de corpos que se extasiam na madrugada inteira. Assim, é como se o instante em que muda o ano fosse o momento em que todos são programados para serem felizes, em que a felicidade se torna uma obrigação, pois não é permitido tristezas, apenas alegrias, saudades, apenas saudações, não é o momento de lembrar, mas de esquecer...
A cada despedida de ano tudo que diz respeito ao passado é esquecido, mesmo que retorne à mente no dia seguinte. É preciso viver o instante presente com alegria e olhar para frente com euforia acreditando que tudo vai ser diferente como se a diferença fosse algo absolutamente positivo assim como o novo. Pois absolutamente nada pode lembrar o que é velho, a velhice do ano, apenas a jovialidade, uma nova vida, o nascimento de um novo dia em um novo ano que vai nascer, que nasceu, que está nascendo, desde o primeiro instante dele.
Não há nada que reflita mais a perspectiva moderna do que a passagem de ano, a valorização do tempo em sua instantaneidade e sua objetividade numérica sem que sem se remeter à uma mudança na natureza na qual a vida ressurge com o dia ou com o florescer das plantas na primavera. Não é a vida natural que se celebra no ano novo em sua mudança de dias e estações, mas a vida mundana do ser humano, uma vida de sofrimento e prazeres que se quer esquecer pelo menos em um instante do tempo. É o próprio esvair do tempo em si mesmo do qual nos despedimos enquanto passado, mas também em seu presente e futuro, pois tudo que importa é o instante, o breve instante em que nos pomos fora do tempo, que pomos o tempo fora dos eixos na medida em que nos pomos no seu eixo mesmo, o instante como entretempo em que nada mais importa no tempo, nem mesmo a morte, somente a vida vivida em um instante de plena felicidade.
Na despedida deste tempo, até mesmo o adeus, esta palavra tão malquista, tão difÃcil de ser dita, tão remetida a um incerto futuro em que se galga ainda um pouco de esperança por um retorno que não se sabe se virá, até mesmo ela é dita com júbilo como a palavra mais benfazeja de todas, em cantos de glória.
Cantam todos a célebre música popular, acrescida, é claro, de versos remetidos inevitavelmente à realidade capitalista em que vivemos, quando se diz "muito dinheiro no bolso, saúde para dar e vender", pois não se pode esquecer que toda a saúde do corpo deve ser vendida como força de trabalho depois das festas de fim de ano, ou mesmo durante elas, já que nem todos estão de folga. Mas nem isto importa, pois o adeus é adeus a tudo que é materialismo dialético e histórico que possa ser pensado neste momento em que tudo muda, inclusive a história, à qual também se diz adeus, mesmo que ela não tenha fim, pois no paradoxo do tempo, ao se dizer adeus a ele e a ela, ambos retornam novamente como lembrança, a lembrança da mudança do tempo, da história reconstruÃda novamente com o ano novo.
Despedir-se do ano é se despedir da história, de tudo que há nela na medida em que a história se remete ao passado, a tudo que foi construÃdo por nós de modo bom ou mau durante o ano. É o momento em que tudo se torna passado e tudo deve ser esquecido, mesmo que não seja esquecido de fato e permaneça sempre na lembrança, pois não podemos esquecer o passado a não ser por um instante apenas. E nisto se resume o esquecimento como o instante em que esquecemos o passado, em que a lembrança falha e, por mais que nos esforcemos, não conseguimos lembrar, já se foi, se perdeu e não sabemos nem mesmo o que foi perdido, quando o esquecimento nos fez esquecer o que querÃamos mesmo lembrar.
Eis que no fim do ano o que celebramos é o fim da história, o total esquecimento de todas as tristezas e alegrias do passado no instante presente, com a expectativa de um ano de felicidade a partir deste instante presente, o instante de uma despedida do próprio tempo ao desejarmos um Feliz Ano Novo, para nós e para todos!
E assim, livres de toda nossa existência do tempo, somos felizes pelo menos num instante dele.
Não é isto que acontece, porém, quando efusivamente nos despedimos de um ano e celebramos a vinda de outro na passagem de ano em meio a fogos de artifÃcios, quando as saudades se transformam em saudações alegres de um Feliz Ano Novo! a todos que estão perto de nós, familiares ou estranhos. Ao contrário de um retardar do tempo com acrescidos abraçados e lágrimas tentando evitar a perda de alguém, contamos regressivamente os últimos segundos que faltam para nos despedirmos do ano, ansiosos pelos fogos de artifÃcios, a bola que desce, a roda gigante que serpenteia fogo, a ponte que vira cascata de fogos, as balsas que ejaculam fogos ao céu em formas e cores diversas entre nossas bocas e sorrisos estáticos fascinados. E como se não bastasse isso, festas madrugada adentro saúdam o ano novo que chega em cada lugar de modo diferente, mas sempre com a mesma alegria, invariavelmente, como se todos as pessoas do mundo fizessem parte de uma mesma e estranha harmonia no exato instante em que o tempo se modifica, no instante mais esperado de todo o ano, o único instante do tempo que é esperado por todos no mundo.
Ou quase todos, obviamente, pois há exceções em qualquer generalização, sempre há, e a mudança de ano não comove a todos. No caso, os céticos e realistas, para os quais não se trata senão da mudança de um número no calendário e que, matematicamente, não há nada de novo nisto, nada de novo na mudança propriamente dita do tempo,de presente a passado e na expectativa futuro, que se repete invariavelmente a cada instante e não necessariamente no último instante do ano. E há aqueles para os quais a saudade é mais intensa do que em outros e se despedir do ano não é tão simples assim, pois lembra outras despedidas e quem se perdeu com elas.
Fora as exceções que sempre existem em qualquer generalização de senso comum é interessante pensar em como a despedida se torna diferente com a mudança de ano, como toda a tristeza a que ela nos remete se transforma em alegria e como deste modo nos despedimos da própria despedida, deixando para trás tudo que há nela de triste e ficando alegre por isto. Por mais cético e realista que se possa ser é inegável que há uma total mudança de perspectiva no breve instante de passagem do ano que muda a existência, que faz visar o mundo de um modo diferente do que é visto, mesmo que nada nele se modifique de fato e seja tudo apenas a emoção de um instante apenas e, no instante seguinte, tudo volte ao normal, mesmo que não se perceba, pois o instante seguinte não importa mais. Não importava ademais, apenas o instante da mudança do ano que é o breve instante de uma expectativa de deixar tudo para trás e ser feliz pelo menos num instante.
A despedida do ano no instante que se passa de um ano a outro é, neste sentido, o motivo de nossa felicidade, de felicitações, de querermos que não apenas nós, mas todos sejam felizes. Felizes não apenas no futuro, mas logo após a passagem do ano na comunhão de corpos e copos que se agitam em meio a multidões de corpos que se extasiam na madrugada inteira. Assim, é como se o instante em que muda o ano fosse o momento em que todos são programados para serem felizes, em que a felicidade se torna uma obrigação, pois não é permitido tristezas, apenas alegrias, saudades, apenas saudações, não é o momento de lembrar, mas de esquecer...
A cada despedida de ano tudo que diz respeito ao passado é esquecido, mesmo que retorne à mente no dia seguinte. É preciso viver o instante presente com alegria e olhar para frente com euforia acreditando que tudo vai ser diferente como se a diferença fosse algo absolutamente positivo assim como o novo. Pois absolutamente nada pode lembrar o que é velho, a velhice do ano, apenas a jovialidade, uma nova vida, o nascimento de um novo dia em um novo ano que vai nascer, que nasceu, que está nascendo, desde o primeiro instante dele.
Não há nada que reflita mais a perspectiva moderna do que a passagem de ano, a valorização do tempo em sua instantaneidade e sua objetividade numérica sem que sem se remeter à uma mudança na natureza na qual a vida ressurge com o dia ou com o florescer das plantas na primavera. Não é a vida natural que se celebra no ano novo em sua mudança de dias e estações, mas a vida mundana do ser humano, uma vida de sofrimento e prazeres que se quer esquecer pelo menos em um instante do tempo. É o próprio esvair do tempo em si mesmo do qual nos despedimos enquanto passado, mas também em seu presente e futuro, pois tudo que importa é o instante, o breve instante em que nos pomos fora do tempo, que pomos o tempo fora dos eixos na medida em que nos pomos no seu eixo mesmo, o instante como entretempo em que nada mais importa no tempo, nem mesmo a morte, somente a vida vivida em um instante de plena felicidade.
Na despedida deste tempo, até mesmo o adeus, esta palavra tão malquista, tão difÃcil de ser dita, tão remetida a um incerto futuro em que se galga ainda um pouco de esperança por um retorno que não se sabe se virá, até mesmo ela é dita com júbilo como a palavra mais benfazeja de todas, em cantos de glória.
Adeus ano velho, feliz ano novo, que tudo se realize no ano que vai nascer...
Cantam todos a célebre música popular, acrescida, é claro, de versos remetidos inevitavelmente à realidade capitalista em que vivemos, quando se diz "muito dinheiro no bolso, saúde para dar e vender", pois não se pode esquecer que toda a saúde do corpo deve ser vendida como força de trabalho depois das festas de fim de ano, ou mesmo durante elas, já que nem todos estão de folga. Mas nem isto importa, pois o adeus é adeus a tudo que é materialismo dialético e histórico que possa ser pensado neste momento em que tudo muda, inclusive a história, à qual também se diz adeus, mesmo que ela não tenha fim, pois no paradoxo do tempo, ao se dizer adeus a ele e a ela, ambos retornam novamente como lembrança, a lembrança da mudança do tempo, da história reconstruÃda novamente com o ano novo.
Despedir-se do ano é se despedir da história, de tudo que há nela na medida em que a história se remete ao passado, a tudo que foi construÃdo por nós de modo bom ou mau durante o ano. É o momento em que tudo se torna passado e tudo deve ser esquecido, mesmo que não seja esquecido de fato e permaneça sempre na lembrança, pois não podemos esquecer o passado a não ser por um instante apenas. E nisto se resume o esquecimento como o instante em que esquecemos o passado, em que a lembrança falha e, por mais que nos esforcemos, não conseguimos lembrar, já se foi, se perdeu e não sabemos nem mesmo o que foi perdido, quando o esquecimento nos fez esquecer o que querÃamos mesmo lembrar.
Eis que no fim do ano o que celebramos é o fim da história, o total esquecimento de todas as tristezas e alegrias do passado no instante presente, com a expectativa de um ano de felicidade a partir deste instante presente, o instante de uma despedida do próprio tempo ao desejarmos um Feliz Ano Novo, para nós e para todos!
E assim, livres de toda nossa existência do tempo, somos felizes pelo menos num instante dele.
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