A filosofia dos algoritmos
Conhecer tudo que existe é uma tarefa a qual o ser humano se atribui há tempos imemoriais. Não há como negar durante toda a vida, pelo menos uma vez nela, uma breve investida em saber o que se é, em conhecer a si mesmo, em tentar responder à pergunta quem eu sou? ou por que sou assim? em consonância com o que pede ou mesmo exige o adágio délfico. O próprio oráculo ao qual ele se interpõe simboliza esta busca de se conhecer a qual somente os deuses muitas vezes têm a resposta, apesar das muitas respostas que podemos encontrar em nossa vida na mitologia, na religião, na arte, na filosofia, na ciência. Fato é que não nos furtamos a este conhecimento em algum momento de nossa vida, nem mesmo no momento em que a tecnologia parece esvaziar todo o sentido do ser humano levando-o a uma existência puramente formal na virtualidade.
Por mais tecnológica que seja nossa vida regida pela cientificidade moderna, a questão filosófica por excelência colocada pelo adágio délfico permanece quase como uma obrigação a nós e ainda permanecerá por muito tempo, pelo tempo que existirem os seres humanos, bem como os métodos de se chegar ao conhecimento de si mesmo. Os mitos são esta primeira forma de nos contemplarmos em busca de algo que defina nossa existência. Conjuntamente a eles com a definição da origem dos deuses e de tudo que existe, advém a religião como modo de nos relacionarmos com estes deuses em busca de respostas para nossa existência como no caso dos oráculos gregos em que sacerdotes se interpõem entre nós e os deuses, como acontece em todas religiões. Para além do mito e da religião, a filosofia é o modo que nos faz interrogar cada vez mais sobre esta relação conosco sem necessariamente a interposição de sacerdotes ou mesmo sem a necessidade de perguntar constantemente a outrem, seres humanos ou deuses, o que nós somos nos levando a respostas que muitas vezes dÃspares sobre nós mesmos, pois afinal, somos corpo ou alma? Por um tempo determinado ou para sempre? Somos algo mutável ou eterno? A ciência, em contrapartida, reduz todo nosso conhecimento sobre nós mesmos a uma compreensão da natureza na qual vivemos e na qual somos também como seres naturais em corpo e mente na medida em que deixamos de ser algo transcendental, isto é, para além da vida natural mesma mÃtica, religiosa e filosófica. Por fim, restando a arte, paralela a tudo isto, permitir que toda nossa busca mÃtica, religiosa, filosófica e cientÃfica se concretize de algum modo em nossa vida e encontremos uma resposta ao mesmo divina, natural e humana, na certeza de si mesma pressupondo uma conhecimento absoluto sobre nós mesmos, ainda que apenas relativo a nós mesmos.
Mais recentemente, porém, um novo método surge como modo de nos conhecermos, o algorÃtmico. Diferente do método matemático que Galileu anteviu como a linguagem a pressupor um conhecimento verdadeira da natureza e da geometria como linguagem para o conhecimento verdadeiro do ser pressuposta por Descartes, o algoritmo se coloca a cada dia mais como uma linguagem para o conhecimento possÃvel do ser humano ou de tudo que existe, mas que é incerto, pois partindo de uma base de dados relativa a cada ser, ele apenas possibilita um conhecimento relativo aos dados que se obtém deste ser. Todavia, tal conhecimento do ser, pois mais relativo que se possa ser em relação a ele ainda é um conhecimento que é tido como de si mesmo, com tal percentual de certeza, e, por mais que se pressuponha 100% de certeza, há sempre o adendo de que é 100% de certeza relativo aos casos estudados.
Há deste ponto de vista na filosofia dos algoritmos algo que não existia em nenhum dos métodos pressupostos anteriormente para o conhecimento de nós mesmos, a incerteza de um conhecimento sobre si mesmo, sem sombra de dúvidas, como pressupunha Descartes apoiado na filosofia e na religião e que queria pressupor à ciência com seu cogito e a arte e o mito antecipava. Contudo, apesar desta incerteza, uma crença de que a probabilidade a qual cada algoritmo nos coloca diante de algo ser algo certo com certeza, pelo menos a partir dos dados obtidos. Trata-se, deste modo, de uma verdade que não é verdade com certeza, mas uma verdade em relação aos dados obtidos e relacionados entre si sob uma determinada causalidade que pode ser comprovada, mas não se pode obter uma certeza absoluta sobre eles, já que o acréscimo de qualquer dado novo pode invalidar toda a verdade pressuposta como conhecimento de si mesmo.
Neste sentido, é toda uma compreensão da lei natural tal como a modernidade pressupôs que se perde diante da interpretação dos algoritmos quando colocam a questão de que a lei natural somente pode ser compreendida a partir dos dados obtidos em relação a ela, o que isto se torna evidente em relação ao conhecimento de si mesmo, posto que dependendo dos dados relacionados à nós se pode ter um conhecimento sobre nós mesmos. Se podemos nos reduzir a tal ou qual personalidade tão pouco esta personalidade contempla o que somos, apenas aos dados a que são obtidos de nós mesmos e qualquer inferência a partir deles é apenas uma probabilidade que pode variar e trazer incerteza a qualquer momento. Em outras palavras, se comprova com os algoritmos que não podemos ser conhecidos por qualquer lei natural como pressupunha Husserl em sua crÃtica das ciências modernas, apenas podemos adquirir um sentido sobre nós mesmos dentre a relatividade de fenômenos ou dados que se relacionam à nossa vida.
Por fim, nosso conhecimento de nós mesmos é algo limitado como sempre pressuposto, mas um limite que sempre buscamos ultrapassar a cada dia, superando nossas limitações em relação ao conhecimento de nós mesmos, pois o que somos ainda é uma questão que buscamos responder, mesmo que os algoritmos nos deem apenas uma resposta limitada e tudo antes dele nos dê apenas uma certeza desta limitação, buscando algo para além de nossa limitação numa crença de que nos conhecemos de algum modo.
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