A realidade filosófica


Ser filósofo é questionar a realidade é o que se diz comumente. Contudo, O que significa questionar a realidade? Por que o filósofo questiona a realidade? Com que objetivo e finalidade ele questiona a realidade? Parece óbvio que ao fazer estas perguntas já questionamos a realidade como filósofos, já nos colocamos na perspectiva da realidade filosófica de questionamento da realidade e, sobretudo, parece que já temos uma resposta para isto.

Há muito tempo a questão ou o questionar fazem parte da realidade filosófica mesmo que não seja próprio da filosofia o questionamento, pois qualquer pessoa mesmo não sendo filósofo pode questionar a realidade. Porém, questionar a realidade de algum modo não faz de qualquer pessoa uma filósofa. O que isto quer dizer que o questionar filosófico da realidade é um questionar muito mais específico do que simplesmente se fazer perguntas como as crianças fazem ou fazemos a algumas pessoas em busca de respostas,.

Quando nos perguntamos o que significa questionar a realidade? algo simples acontece que muitas vezes não percebemos, o fato de que não é algo qualquer que está em questão nesta pergunta ou alguém, mas a realidade, aquilo que define a existência: das coisas materialmente enquanto corpos ou res extensas que tocamos e sentimos de vários modos; dos nossos pensamentos imateriais enquanto subjetividades ou res cogitans; e das divindades que regem tanto as coisas como os pensamentos. Uma realidade que é tudo que existe e necessariamente deve ou acreditamos que deve existir.

É este questionamento propriamente da realidade e de tudo que existe nela que define o que é ser filósofo. Mas isto não responde ainda a questão do por que ele questiona a realidade, qual o sentido mesmo deste questionamento de tudo que existe. Pois, parece óbvio, não faz muito sentido questionar a realidade, questionar tudo que existe, principalmente se tudo já existe, se a realidade é já o que ela é e vai ser independente de qualquer questionamento. E, em contrapartida, por fim, questionar a realidade somente vai fazer com que se conheça senão a própria realidade, isto é, conheça-se ela mesma em sua existência, algo que já se sabe de antemão que existe e que não faz muito sentido querer saber mais sobre isto se não vai mudar nada em relação à sua existência, pois vai continuar sendo a realidade. Em outras palavras, conhecer a realidade mais ou menos não mudaria o fato de que é a realidade deste ou daquele modo que pensamos mais ou menos.

A realidade é uma realidade, eis o círculo perfeito ao qual qualquer questionamento da realidade leva inevitavelmente na tentativa de saber o que ela é e quando o filósofo questiona a realidade ele não escapa desta lógica, deste logos, de uma identidade daquilo que existe independente de seu questionamento, pois o que é, é, já diria Parmênides há milhares de anos, e isto é inquestionável ao pensamento como a verdade ela mesma da realidade. Deste modo, não faria sentido questionar a realidade, já que ela é o que é em sua existência, não faria sentido questionar a verdade de sua existência tal como ela é. De onde ressurge a pergunta por que o filósofo questiona a realidade? E não por menos vem à tona todo o sem sentido desta pergunta na medida em que se questiona a partir dela por que o filósofo questiona a realidade como ela é em sua existência, em sua verdade já dada desde sempre na medida em que o que é, é, e nunca será diferente em sua identidade enquanto realidade?

Parece, assim, totalmente sem sentido questionar a realidade como o filósofo faz e não por menos é isto que faz muitas vezes eles serem vistos como pessoas inúteis que simplesmente perdem tempo fazendo este questionamento da realidade haja a vista que a realidade é o que é e não pode ser mudada. Visto deste modo, de fato, seus questionamentos não são nenhum pouco produtivos para todos e seu trabalho é algo inócuo, sem finalidade nenhuma na realidade, sem objetivo algum para todos. Questionar a realidade não traz nem um bem para si nem para os outros de modo a melhorar suas vidas de um modo material ou mesmo imaterial como alguns pensamentos cotidianos ou religiosos que servem para fazerem todos se sentirem bem.

Todavia, isto não impede que o filósofo questione a realidade, mesmo que há tanto tempo Parmênides tenha limitado este questionamento ao seu limite lógico. E para entender isto é preciso deslocar a questão ou mesmo descolocar a questão para que ela seja entendida melhor, no caso, a questão por que o filósofo questiona a realidade? Pois é preciso olhar para a realidade de modo diferente, não como algo que está fora do filósofo, como algo objetivo em relação ao seu questionamento, mas algo da qual ele mesmo faz parte e também faz parte seu questionamento. Que a realidade não é simplesmente dada como algo exterior a si, uma coisa, res extensa, mas que ela faz parte de si e de seu próprio questionamento e que ao questioná-la, ele está questionando a si mesmo também em seus pensamentos enquanto reais naquilo que são enquanto são. É preciso esquecer Parmênides e a realidade tal qual ela é e pensar como Descartes na realidade tal qual ela é para o ser humano em seu pensamento, em seu cogito, e perceber que se a realidade é algo tão pouco este algo é algo que simplesmente existe de modo objetivo, subjetivo ou divino, é algo que pensamos que existe de todos estes modos e nada nos garante que é verdade que seja assim, que a realidade seja o que é tal qual é.

Ao questionar a realidade não podemos simplesmente nos colocar fora dela, eis o problema. Não podemos fugir à realidade tal qual ela é, pois fazemos totalmente parte dela e ela faz totalmente parte de nós. A realidade somos nós neste sentido, nós em nossos sentimentos e pensamentos sobre as coisas, sobre nossos pensamentos, sobre as divindades. Somos nós que significamos a realidade deste ou daquele modo a partir de nossos sentimentos e pensamentos e ao questionar a realidade o filósofo questiona não o que ela é simplesmente como algo alheio a si, mas o que sentimos e pensamos sobre ela. Ao olhar a realidade, neste sentido, o filósofo sabe que a realidade é ao mesmo tempo o que vemos e o que pensamos dela, o que nosso corpo sente e nossa mente pensa ao mesmo tempo sobre a realidade, que a existência da realidade é uma via de mão dupla entre ele e ela e não simplesmente de mão única em direção a ela, ao que ela é.

Se o filósofo questiona a realidade no que ela é é porque ele tem dúvida quanto ao que ela seja, como pressupôs Descartes em seu cogito. É porque ele sabe que ela está em constante modificação como Heráclito pressupôs antes de Parmênides colocando os dois pés na realidade do rio para saber o que é o rio e não simplesmente se perguntando o que é o rio e sabendo a partir de seu pensamento que o rio é o rio. É por pensar, por sua vez, que a realidade não é simplesmente o que é que o filósofo se pergunta o que é a realidade, pois sabe que esta realidade que vê não é simplesmente a que pensa naquele momento, naquele instante do seu pensamento e que pode ser muito bem diferente em um outro momento. Ou ainda, diferente para outra pessoa que olha para a mesma realidade de modo objetivo, mas não vê e não pensa o mesmo que ele.

Ao fazer isto, o objetivo do filósofo ao questionar a realidade parece claro desde Platão, que é de mostrar que a realidade não é o que parece ser, que há uma diferença entre o parecer ser e o ser, entre o que é a realidade para nós em sua aparência, de modo objetivo, e o que ela é em sua essência, de modo subjetivo. Uma diferença que é entre as coisas materiais da realidade ou da realidade material sentida por nós e as Ideias imateriais da realidade ou a realidade em sua Ideia pensada por nós. A diferença clássica desde então estabelecida por Platão na realidade entre mundo sensível e mundo inteligível, o mundo das coisas e o mundo dos pensamentos.

Pensar a realidade deste modo é pensar, por sua vez, a realidade como algo que é em si mesma dividida por alguma razão, por alguma medida, de algum modo, por algum meio que tem como finalidade senão nos dar uma compreensão mais precisa da realidade, mais exata dela, porque o que sentimos e pensamos sobre ela se não muda o que ela é de fato, contudo, faz com que a conheçamos de modo mais exato no que é, faz com que tenhamos uma Ideia do que ela seja e do que não seja, saber por que razão, em que medida, de que modo e por que meio ela não é o que é tal como pensávamos que fosse. É pensar que a realidade não é simplesmente o que sentimos de modo objetivo e pensamos de modo subjetivo, mas algo totalmente diferente disto, que ela não está simplesmente dada aos nossos sentidos ou aos nossos pensamentos e que não podemos simplesmente dizer o que ela seja totalmente. Neste sentido, se o filósofo questiona a realidade é para saber simplesmente o que ela é, pois diferente de todos os outros que questionam as coisas sabendo já de antemão o que são na realidade , os filósofos simplesmente não sabem nada sobre a realidade, como Sócrates, questionando a tudo e a todos em seu saber sobre a realidade, pois a realidade para si enquanto filósofo, assim como a natureza para Anaximandro, é indeterminada (ápeiron) cabendo a cada um de nós questionar o que ela é para sabermos o que seja parindo nós mesmos a realidade a partir de nossos sentimentos, pensamentos e ideias.

O que é então a realidade questionada pelo filósofo? Poderíamos nos perguntar. Ao que eu responderia: ela é o por vir de seus próprios questionamentos a partir de seus sentimentos, pensamentos e ideias.

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