Errar não é humano
Errar é humano, diz o ditado que nos acostumamos a repetir, assim como os erros que cometemos e usamos este ditado para nos redimir. Mas errar nunca foi humano realmente, não no sentido de que o homem não erre, mas de que o erro é um desvio a uma norma ou expectativa de uma norma social.
Não existe erro do ponto de vista do ser humano, apenas do ponto de vista das normas definidas em relação a ele socialmente. Normas que são produzidas obviamente pelo ser humano, mas contra ele, no caso, contra ações que os seres humanos não devem fazer. O erro é social e não humano. Não se erra como humano, mas se erra não fazendo o que a sociedade espera que se faça em cada momento de sua vida em relação às decisões que toma.
O que se define como erro é aquilo que se espera que não aconteça, que não pode acontecer, que não deve acontecer em algum momento, é o que é realmente inesperado. É a mudança em um determinado sentido que se espera que se mantenha em cada ação realizada e que não pode ser mudado, não deve ser. É o rompimento com a expectativa que a sociedade como conjunto de relações sociais têm em relação à ação de cada indivíduo.
Não existe propriamente humano assim como não existe erro na natureza da qual o ser humano faz parte, o que o cientista natural observa muito bem. Existe apenas um desvio em relação a um padrão que pode ser maior ou menor em relação ao esperado pelas previsões científicas, o que é chamado de margem de erro, mas não erro da natureza e, sim, da expectativa que os cientistas têm que aconteça aquilo que eles esperam da natureza, mas não que ela mesma deve fazer. Não existe uma regra definida pela natureza para que as coisas aconteçam. Existe uma regra na natureza a partir da qual as coisas acontecem, mas não necessariamente do mesmo modo, pois depende de mudanças nela que podem ser imprevisíveis em determinadas circunstâncias. Mudanças que são, todavia, naturais ainda que imprevisíveis pelo ser humano, isto é, que ele erre em suas previsões, mas não como humano mesmo.
Mudar é algo natural e consequentemente algo a que os seres humanos estão submetidos a todo instante em suas vidas. Contudo, não é isto que se quer socialmente. A sociedade é a tentativa humana de estabelecer relações duradouras em todas as ações humanas que nunca mudem ou mudem muito pouco durante sua existência histórica. A sociedade é a norma estabelecida pelas relações humanas como definiu Émile Durkheim, mas que não é natural como ele pensava a partir das relações estabelecidas na natureza pelas ciências naturais. Não é natural porque não funciona como a natureza funciona, isto é, modificando-se constantemente em seu devir, mas justamente ao contrário disto, impedindo todo e qualquer devir da natureza e do ser humano tentando estabelecer uma ordem e controle sobre eles para evitar o devir deles, as mudanças.
As formas elementares da vida religiosa que Durkheim tanto buscou e que Claude Lévy-Strauss encontrou nos mitos estruturalmente são as primeiras formas de impor uma ordem e um controle ao devir na natureza e no ser humano. A levar em conta o mito de Édipo, pode-se perceber neste sentido duas questões fundamentais em relação a isto: primeiramente, como a ação do incesto e do parricídio produzidos por Édipos são considerados erros fundamentais da vida humana ao produzir uma mudança na estrutura social de parentesco, pois os filhos não podem matar os pais, nem tão pouco estabelecer relações sexuais com eles, mesmo em determinadas circunstâncias, no caso, desconhecendo quem eles são. O que este desconhecimento determina o erro de Édipo, ainda que involuntário, e a determinação da norma para além da compreensão humana, isto é, para além do ser humano mesmo, como algo que independente de sua vontade. Não importa se Édipo sabia ou não quem eram seus pais e o que não podia fazer, algo que de fato ele sabia, mas que aconteceu o que não podia acontecer segundo as normas da sociedade ou as relações preestalecidas. Aconteceu em outras palavras o que era inesperado pela sociedade, mas que era esperado naturalmente de Édipo segundo o seu destino, isto é, as ações humanas naturais em suas decisões que levaram Édipo a matar seu pai, se dirigir à Tebas, solucionar o enigma da Esfinge e casar-se com sua mãe por ter salvo Tebas da maldição divina.
Todas as ações de Édipo foram naturais, seguindo uma ordem natural de fatos segundo as situações, algo que qualquer pessoa realizaria nas circunstâncias em que ele realizou, mas não são ações esperadas pela sociedade ao estabelecer as leis que regem as relações sociais entre os indivíduos independente deles terem conhecimento delas, como um estrangeiro, por exemplo, que chega a um país e não conhece as normas estabelecidas para as relações sociais do lugar. São estas normas que fazem o ser humano errar, fazem das suas ações um erro, fazem do erro algo do qual ele deve se redimir perante ela mesma, mesmo que ele não tenha errado propriamente, que o erro não seja humano e, sim, da sociedade. Erro da sociedade na medida em que ela define o que é o certo e o errado em determinada circunstância e fixa o erro como uma ação que não pode acontecer e que, se acontecer deve ser redimido de alguma forma, segundo uma pena, no caso com o infligimento de uma dor ao indivíduo no seu corpo ou sofrimento ao seu ser subjetivo (alma, espírito, mente).
É neste sentido que o erro, qualquer que seja, o menor e mais ínfimo é já sentido como uma dor ou sofrimento por alguém que se penaliza por entender que errou perante a sociedade ou às relações preestabelecidas nela e se torna assim culpado. Que a culpa seja algo subjetivo produzido objetivamente pela sociedade em sua perspectiva religiosa é algo que se deve senão às normas e leis estabelecidas sobre os indivíduos que sob a culpa reconhecem o erro que a sociedade determinou em relação a eles, mesmo que eles não reconheçam que estejam errados. Não importa que ele não assuma o erro ou se sinta culpado subjetivamente em relação ao que aconteceu, mas deve assumir a culpa como modo de se redimir quanto ao erro definido pela sociedade. Por mais subjetiva que seja a culpa introjetada pelo indivíduo, ela não é algo subjetivo, produzido por ele próprio, mas admitida por ele objetivamente na medida em que as relações sociais são preestabelecidas em relação aos indivíduos como normas e estas determinam suas ações antes mesmo dele as executar e independente que as execute.
A culpa é, neste sentido, o erro subjetivado por todos, determinado pelas normas de comportamento e relacionamento sociais. É algo que se deve sentir e não algo que simplesmente se sente. Édipo não se sentiu culpado em nenhum momento pelo que fez ao pai e à mãe, pois não sabia dos laços sociais que tinha com o homem que matou na encruzilhada, tão pouco com a mulher que desposou e se casou. As relações sociais que eles tinham praticamente não existiam antes dele começar o julgamento dos fatos, antes de tentar reestabelecer a ordem social em Tebas que caíra em maldição justamente por seus atos de parricídio e incesto. A culpa que Édipo sentiu por "seu" erro e a dor que infligiu ao corpo e sofrimento que sentiu em seu ser subjetivo só adveio quando ele adquiriu consciência, isto é, adquiriu conhecimento objetivo de que a desordem social de Tebas tinha sido produzida por suas ações, mas apenas em certa medida, pois ele não era culpado por tudo, por exemplo, pelo abandono do seu pai que gerou todo o complexo de Édipo.
Édipo demonstra como os erros são produções sociais e nunca do ser humano em suas ações naturais, isto é, em seu devir próprio, nas mudanças que produz com suas decisões. Tais mudanças produzidas pelos seres humanos em seus devires decisivos são um grande problema para a sociedade que espera que tudo esteja sempre em ordem segundo as normas e leis preestabelecidas. A questão do erro é, propriamente, a de uma mudança que não se espera que exista na ordem social e que mesmo é impedida por ela. Mudança que também não se espera em contrapartida na natureza a qual se espera que haja sempre do mesmo modo, que seja determinada também por uma ordem.
É o estabelecimento de uma ordem para a natureza a partir de uma expectativa do ser humano de que tudo seja sempre do mesmo modo segundo uma norma e uma lei que define a sociedade humana e o erro, portanto, como aquilo que não pode acontecer natural ou socialmente. Os mitos e as religiões, as ciências naturais e humanas (históricas, sociais, políticas, antropológicas e geográficas) surgem a partir desta expectativa de acontecimentos ordenados conforme a uma norma e lei e são, deste modo, a realização desta expectativa de que tudo seja sempre igual, que não haja mudança nenhuma, seja natureza, seja nas relações sociais. E são obviamente aquilo que impedem qualquer mudança considerando-a a priori segundo a ordem preestabelecida como um erro desde o primeiro momento em que as relações sociais definida pela ordem são questionadas.
Qualquer questionamento que se produza em relação a um erro é já, nesta medida, um questionamento da sociedade em suas normas e suas leis e não se pode, deste modo, falar de erro sem falar das relações sociais. Quando se diz que alguém errou não se diz que o erro foi produzido por ele individualmente, mas que ele errou em relação ao que se esperava dele, de suas ações, que fossem condizentes com o que se esperava. Que ele, por sua vez, não fez o que esperava, não disse o que deveria dizer, não era o que todos pensavam em contraposição ao sim em relação à toda a expectativa quanto a ele, eis o erro que, por fim, é atribuído ao indivíduo como ser humano, no caso, que não foi o ser humano que a sociedade espera que ele seja e como seja.
Não assumir o erro é, neste sentido, o que pior se faz numa sociedade segundo suas normas e leis, pois é dizer que o erro é propriamente da sociedade, como de fato é desde o princípio, mas que ela mesma não quer assumir e transfere a culpa para os seres humanos, juntamente com a dor e o sofrimento a ele. A sociedade, isto é, o conjunto de relações preestabelecidas pelos indivíduos em um determinado momento histórico e geografia, não tolera estar errada, pois não tolera que ninguém seja contra o que ela definiu previamente e mudanças históricas nela somente acontecem quando o erro é reconhecido pela sociedade como algo dela própria e não dos indivíduos que em suas ações humanas não fazem o que esperam dele.
O erro de Édipo nunca foi de Édipo, por sua vez, mas de toda a sociedade que caiu em desgraça antes mesmo da sua ação propriamente com a ação de seu pai em abandoná-lo, o que gerou toda a complexidade dos fatos posteriores. Foi a sociedade tebana governada por Laios que errou e foi ela que caiu em maldição por conta da ação de seu governante que não soube amar o filho com medo do que este poderia fazer em relação a si e à sua mulher, mãe dele. A expectativa de Laios em relação a uma ordem social que tinha ele como representante produziu o erro atribuído a Édipo, mas que foi de toda a sociedade tebana representada por ele em não saber amar o seu filho, não querer cuidar dele, independente do mal que ele viesse a cometer, se viesse a cometer, pois todo mal que cometeu foi por desconhecimento de quem eram seus pais. Foi a sociedade que errou com Édipo e não ele com ela.
Mas foi Édipo que assumiu a culpa, a dor, o sofrimento, mas tão somente quando se tornou representante ele mesmo da sociedade tebana. Que Édipo tenha que ter se tornado rei para assumir a culpa e redimir a sociedade só demonstra que era preciso que a sociedade que cometeu o erro no primeiro momento ela mesma se redimisse dele no segundo momento por meio de seu representante. Antes do parricídio e do incesto de Édipo houve o abandono da sociedade em relação a ele, algo inadmissível segundo as próprias normas e leis representadas pelo seu governante. Como a sociedade não fez isto, cuidou de Édipo, e isto gerou o parricídio e incesto produzidos por Édipo, ela foi punida e devia se redimir através de Édipo mesmo como representante dela.
Em nenhum momento, depois de suas ações, os deuses puniram Édipo, mas a cidade de Tebas. Em nenhum momento os deuses atribuíram a culpa às ações dele individualmente mesmo depois de tudo que fez. Todo o complexo atribuído a Édipo é um complexo da sociedade em sua tentativa de evitar as mudanças como Laios tentou evitar impondo sua ordem como governante e representante dela. E foi esta tentativa de evitar as mudanças que gerou a tragédia social, o complexo, no caso, o parricídio e o incesto que se foram ações de Édipo são reflexos do abandono da sociedade em relação a ele. São os principais aspectos da relação desestruturada da sociedade em relação aos indivíduos por meio da família na medida em que a sociedade se fundamenta em relação sociais familiares, isto é, definidas por uma estrutura familiar. Que o destino de Tebas tenha sido definido por uma única família que representa toda a sociedade não é por acaso na medida em que a família é compreendida como a estrutura que define a sociedade em suas relações sociais, normas e leis.
É a família enquanto determinação fundamental das relações sociais que define, por sua vez, o erro como o que não é condizente nas relações sociais entre pais e filhos, mas também entre seres humanos, homens e mulheres, em seu comportamento. Que a sociedade em suas normas e leis se defina, porém, independente das questões familiares, em muitos casos não considerando erro o que pais e homens e mulheres em suas relações definem como erro ou o contrário disso, que haja um desacordo entre sociedade e a estrutura familiar, isto não demonstra nenhum problema em relação ao fundamento das relações sociais a partir das famílias, mas como o erro é algo propriamente social. Na medida em que as famílias elas mesmas deixam de constituir as relações sociais esperadas pela sociedade, elas também incorrem em erro, assim como os seres humanos incorrem em erro nas famílias quando não fazem o que é esperado socialmente por elas.
Pensar o erro, por fim, é pensar todas as relações sociais que definem o que é errado em relação ao comportamento dos indivíduos em sociedade, é pensar o mal que é produzido em relação aos outros indivíduos em sua expectativa de ordem social. Mal que é, neste caso, a dor e o sofrimento infligido a toda a sociedade em sua expectativa de comportamentos individuais e que é considerado de modo objetivo como uma violência ao corpus da sociedade representado pelo corpo de cada indivíduo. Quando se erra e se faz deste modo um mal a alguém não se faz mal a um indivíduo em particular, mas a toda a sociedade na medida em que o erro é social. Não se erra com o indivíduo em particular, mas com todos os outros indivíduos posto que a ação que foi produzida não era a ação esperada pelos outros ou por todos os outros. Não importa neste caso se a ação fez um bem em determinado caso individualmente, mas o mal que se fez em relação a todos, a violação das normas e leis sociais preestabelecidas.
A violência como resultado do erro é a ação que produz dor e sofrimento nos outros a partir das relações sociais preestabelecidas. É a mudança no corpo e no corpus que não se esperava que houvesse. É o devir produzido nos outros por uma determinada ação inesperada, que não poderia acontecer, não deveria acontecer. É uma ação que rompe o corpo e ser subjetivo de alguém que é determinado em suas ações pelas relações sociais em suas normas e leis e, segundo elas, é inviolável enquanto indivíduo. É uma mudança que não é admitida mesmo quando não é produzida em alguém em particular, ou mesmo num ser humano em particular, no caso, produzida na natureza, que se é defendida enquanto tal é segundo a subjetividade humana em relação a ela, isto é, segundo a ordem que os seres humanos esperam dela, o que o fazer a mal à natureza somente existe na medida em que faz mal ao ser humano, produzindo-lhe dor e sofrimento socialmente. Pois do ponto de vista natural não há erro naturalmente, por exemplo, quando um terremoto enquanto falha na terra produz mortes e mais mortes de algum modo que causam dor e sofrimento a muitas pessoas. Desse ponto de vista natural, as ações da natureza são vistas como naturais mesmo quando infligem dor e sofrimento ao ser humano e não como erros. Elas só passam a serem vistas como erro quando a própria sociedade se vê nas ações da natureza, como no caso de Édipo novamente, quando a sociedade se vê como tendo errado e as ações da natureza são a punição pelos seus erros, no caso, a partir de uma perspectiva social religiosa.
Por fim, pode-se dizer contrariamente que errar é humano na medida em que são os seres humanos que definem as relações sociais, normas e leis da sociedade. Contudo, este é o maior de todos os erros que se comete em relação ao ser humano em sua ação individual, considerar que sua ação individual produz a sociedade como se o voto, por exemplo, numa eleição elegesse um representante político. Nenhuma ação individual constitui a sociedade. São as determinações das ações individuais de um determinado modo que a constituem. A sociedade não é o resultado das ações humanas, mas das determinações destas ações de um determinado modo em seu comportamento cotidiano social e historicamente. Determinações que são as normas e leis preestabelecidas antes de cada ser humano nascer e que nenhuma ação que ele realize constitui a sociedade apenas faz o que ela quer que faça, pelo menos até que alguém a faça perceber que as determinações que ela impõe às ações humanas sejam um erro, estejam erradas de algum modo.
Errar não é humano, nem nunca será. Errar é não fazer o que a sociedade espera do ser humano e não agira como humano, pois o ser humano em sua ação não é determinado pela sociedade ainda que ela o determine com suas normas e por seus erros em relação a ela. Ser humano está além da determinação social e dos erros que ela pressupõe em relação à sua vida. É preciso não admitir o erro como humano, mas que se erra sempre em relação aos outros em sociedade e por isso se deve se desculpar, assim como a sociedade deve se desculpar em relação a ele quando suas normas estão erradas, quando ela não sabe cuidar dele, quando não cuida do ser humano.
O ser humano não erra segundo suas ações naturais, mas erra segundo a sociedade e toda a expectativa que ela tem em relação aos seres humanos segundo as normas e leis que determinam suas ações.
Não existe erro do ponto de vista do ser humano, apenas do ponto de vista das normas definidas em relação a ele socialmente. Normas que são produzidas obviamente pelo ser humano, mas contra ele, no caso, contra ações que os seres humanos não devem fazer. O erro é social e não humano. Não se erra como humano, mas se erra não fazendo o que a sociedade espera que se faça em cada momento de sua vida em relação às decisões que toma.
O que se define como erro é aquilo que se espera que não aconteça, que não pode acontecer, que não deve acontecer em algum momento, é o que é realmente inesperado. É a mudança em um determinado sentido que se espera que se mantenha em cada ação realizada e que não pode ser mudado, não deve ser. É o rompimento com a expectativa que a sociedade como conjunto de relações sociais têm em relação à ação de cada indivíduo.
Não existe propriamente humano assim como não existe erro na natureza da qual o ser humano faz parte, o que o cientista natural observa muito bem. Existe apenas um desvio em relação a um padrão que pode ser maior ou menor em relação ao esperado pelas previsões científicas, o que é chamado de margem de erro, mas não erro da natureza e, sim, da expectativa que os cientistas têm que aconteça aquilo que eles esperam da natureza, mas não que ela mesma deve fazer. Não existe uma regra definida pela natureza para que as coisas aconteçam. Existe uma regra na natureza a partir da qual as coisas acontecem, mas não necessariamente do mesmo modo, pois depende de mudanças nela que podem ser imprevisíveis em determinadas circunstâncias. Mudanças que são, todavia, naturais ainda que imprevisíveis pelo ser humano, isto é, que ele erre em suas previsões, mas não como humano mesmo.
Mudar é algo natural e consequentemente algo a que os seres humanos estão submetidos a todo instante em suas vidas. Contudo, não é isto que se quer socialmente. A sociedade é a tentativa humana de estabelecer relações duradouras em todas as ações humanas que nunca mudem ou mudem muito pouco durante sua existência histórica. A sociedade é a norma estabelecida pelas relações humanas como definiu Émile Durkheim, mas que não é natural como ele pensava a partir das relações estabelecidas na natureza pelas ciências naturais. Não é natural porque não funciona como a natureza funciona, isto é, modificando-se constantemente em seu devir, mas justamente ao contrário disto, impedindo todo e qualquer devir da natureza e do ser humano tentando estabelecer uma ordem e controle sobre eles para evitar o devir deles, as mudanças.
As formas elementares da vida religiosa que Durkheim tanto buscou e que Claude Lévy-Strauss encontrou nos mitos estruturalmente são as primeiras formas de impor uma ordem e um controle ao devir na natureza e no ser humano. A levar em conta o mito de Édipo, pode-se perceber neste sentido duas questões fundamentais em relação a isto: primeiramente, como a ação do incesto e do parricídio produzidos por Édipos são considerados erros fundamentais da vida humana ao produzir uma mudança na estrutura social de parentesco, pois os filhos não podem matar os pais, nem tão pouco estabelecer relações sexuais com eles, mesmo em determinadas circunstâncias, no caso, desconhecendo quem eles são. O que este desconhecimento determina o erro de Édipo, ainda que involuntário, e a determinação da norma para além da compreensão humana, isto é, para além do ser humano mesmo, como algo que independente de sua vontade. Não importa se Édipo sabia ou não quem eram seus pais e o que não podia fazer, algo que de fato ele sabia, mas que aconteceu o que não podia acontecer segundo as normas da sociedade ou as relações preestalecidas. Aconteceu em outras palavras o que era inesperado pela sociedade, mas que era esperado naturalmente de Édipo segundo o seu destino, isto é, as ações humanas naturais em suas decisões que levaram Édipo a matar seu pai, se dirigir à Tebas, solucionar o enigma da Esfinge e casar-se com sua mãe por ter salvo Tebas da maldição divina.
Todas as ações de Édipo foram naturais, seguindo uma ordem natural de fatos segundo as situações, algo que qualquer pessoa realizaria nas circunstâncias em que ele realizou, mas não são ações esperadas pela sociedade ao estabelecer as leis que regem as relações sociais entre os indivíduos independente deles terem conhecimento delas, como um estrangeiro, por exemplo, que chega a um país e não conhece as normas estabelecidas para as relações sociais do lugar. São estas normas que fazem o ser humano errar, fazem das suas ações um erro, fazem do erro algo do qual ele deve se redimir perante ela mesma, mesmo que ele não tenha errado propriamente, que o erro não seja humano e, sim, da sociedade. Erro da sociedade na medida em que ela define o que é o certo e o errado em determinada circunstância e fixa o erro como uma ação que não pode acontecer e que, se acontecer deve ser redimido de alguma forma, segundo uma pena, no caso com o infligimento de uma dor ao indivíduo no seu corpo ou sofrimento ao seu ser subjetivo (alma, espírito, mente).
É neste sentido que o erro, qualquer que seja, o menor e mais ínfimo é já sentido como uma dor ou sofrimento por alguém que se penaliza por entender que errou perante a sociedade ou às relações preestabelecidas nela e se torna assim culpado. Que a culpa seja algo subjetivo produzido objetivamente pela sociedade em sua perspectiva religiosa é algo que se deve senão às normas e leis estabelecidas sobre os indivíduos que sob a culpa reconhecem o erro que a sociedade determinou em relação a eles, mesmo que eles não reconheçam que estejam errados. Não importa que ele não assuma o erro ou se sinta culpado subjetivamente em relação ao que aconteceu, mas deve assumir a culpa como modo de se redimir quanto ao erro definido pela sociedade. Por mais subjetiva que seja a culpa introjetada pelo indivíduo, ela não é algo subjetivo, produzido por ele próprio, mas admitida por ele objetivamente na medida em que as relações sociais são preestabelecidas em relação aos indivíduos como normas e estas determinam suas ações antes mesmo dele as executar e independente que as execute.
A culpa é, neste sentido, o erro subjetivado por todos, determinado pelas normas de comportamento e relacionamento sociais. É algo que se deve sentir e não algo que simplesmente se sente. Édipo não se sentiu culpado em nenhum momento pelo que fez ao pai e à mãe, pois não sabia dos laços sociais que tinha com o homem que matou na encruzilhada, tão pouco com a mulher que desposou e se casou. As relações sociais que eles tinham praticamente não existiam antes dele começar o julgamento dos fatos, antes de tentar reestabelecer a ordem social em Tebas que caíra em maldição justamente por seus atos de parricídio e incesto. A culpa que Édipo sentiu por "seu" erro e a dor que infligiu ao corpo e sofrimento que sentiu em seu ser subjetivo só adveio quando ele adquiriu consciência, isto é, adquiriu conhecimento objetivo de que a desordem social de Tebas tinha sido produzida por suas ações, mas apenas em certa medida, pois ele não era culpado por tudo, por exemplo, pelo abandono do seu pai que gerou todo o complexo de Édipo.
Édipo demonstra como os erros são produções sociais e nunca do ser humano em suas ações naturais, isto é, em seu devir próprio, nas mudanças que produz com suas decisões. Tais mudanças produzidas pelos seres humanos em seus devires decisivos são um grande problema para a sociedade que espera que tudo esteja sempre em ordem segundo as normas e leis preestabelecidas. A questão do erro é, propriamente, a de uma mudança que não se espera que exista na ordem social e que mesmo é impedida por ela. Mudança que também não se espera em contrapartida na natureza a qual se espera que haja sempre do mesmo modo, que seja determinada também por uma ordem.
É o estabelecimento de uma ordem para a natureza a partir de uma expectativa do ser humano de que tudo seja sempre do mesmo modo segundo uma norma e uma lei que define a sociedade humana e o erro, portanto, como aquilo que não pode acontecer natural ou socialmente. Os mitos e as religiões, as ciências naturais e humanas (históricas, sociais, políticas, antropológicas e geográficas) surgem a partir desta expectativa de acontecimentos ordenados conforme a uma norma e lei e são, deste modo, a realização desta expectativa de que tudo seja sempre igual, que não haja mudança nenhuma, seja natureza, seja nas relações sociais. E são obviamente aquilo que impedem qualquer mudança considerando-a a priori segundo a ordem preestabelecida como um erro desde o primeiro momento em que as relações sociais definida pela ordem são questionadas.
Qualquer questionamento que se produza em relação a um erro é já, nesta medida, um questionamento da sociedade em suas normas e suas leis e não se pode, deste modo, falar de erro sem falar das relações sociais. Quando se diz que alguém errou não se diz que o erro foi produzido por ele individualmente, mas que ele errou em relação ao que se esperava dele, de suas ações, que fossem condizentes com o que se esperava. Que ele, por sua vez, não fez o que esperava, não disse o que deveria dizer, não era o que todos pensavam em contraposição ao sim em relação à toda a expectativa quanto a ele, eis o erro que, por fim, é atribuído ao indivíduo como ser humano, no caso, que não foi o ser humano que a sociedade espera que ele seja e como seja.
Não assumir o erro é, neste sentido, o que pior se faz numa sociedade segundo suas normas e leis, pois é dizer que o erro é propriamente da sociedade, como de fato é desde o princípio, mas que ela mesma não quer assumir e transfere a culpa para os seres humanos, juntamente com a dor e o sofrimento a ele. A sociedade, isto é, o conjunto de relações preestabelecidas pelos indivíduos em um determinado momento histórico e geografia, não tolera estar errada, pois não tolera que ninguém seja contra o que ela definiu previamente e mudanças históricas nela somente acontecem quando o erro é reconhecido pela sociedade como algo dela própria e não dos indivíduos que em suas ações humanas não fazem o que esperam dele.
O erro de Édipo nunca foi de Édipo, por sua vez, mas de toda a sociedade que caiu em desgraça antes mesmo da sua ação propriamente com a ação de seu pai em abandoná-lo, o que gerou toda a complexidade dos fatos posteriores. Foi a sociedade tebana governada por Laios que errou e foi ela que caiu em maldição por conta da ação de seu governante que não soube amar o filho com medo do que este poderia fazer em relação a si e à sua mulher, mãe dele. A expectativa de Laios em relação a uma ordem social que tinha ele como representante produziu o erro atribuído a Édipo, mas que foi de toda a sociedade tebana representada por ele em não saber amar o seu filho, não querer cuidar dele, independente do mal que ele viesse a cometer, se viesse a cometer, pois todo mal que cometeu foi por desconhecimento de quem eram seus pais. Foi a sociedade que errou com Édipo e não ele com ela.
Mas foi Édipo que assumiu a culpa, a dor, o sofrimento, mas tão somente quando se tornou representante ele mesmo da sociedade tebana. Que Édipo tenha que ter se tornado rei para assumir a culpa e redimir a sociedade só demonstra que era preciso que a sociedade que cometeu o erro no primeiro momento ela mesma se redimisse dele no segundo momento por meio de seu representante. Antes do parricídio e do incesto de Édipo houve o abandono da sociedade em relação a ele, algo inadmissível segundo as próprias normas e leis representadas pelo seu governante. Como a sociedade não fez isto, cuidou de Édipo, e isto gerou o parricídio e incesto produzidos por Édipo, ela foi punida e devia se redimir através de Édipo mesmo como representante dela.
Em nenhum momento, depois de suas ações, os deuses puniram Édipo, mas a cidade de Tebas. Em nenhum momento os deuses atribuíram a culpa às ações dele individualmente mesmo depois de tudo que fez. Todo o complexo atribuído a Édipo é um complexo da sociedade em sua tentativa de evitar as mudanças como Laios tentou evitar impondo sua ordem como governante e representante dela. E foi esta tentativa de evitar as mudanças que gerou a tragédia social, o complexo, no caso, o parricídio e o incesto que se foram ações de Édipo são reflexos do abandono da sociedade em relação a ele. São os principais aspectos da relação desestruturada da sociedade em relação aos indivíduos por meio da família na medida em que a sociedade se fundamenta em relação sociais familiares, isto é, definidas por uma estrutura familiar. Que o destino de Tebas tenha sido definido por uma única família que representa toda a sociedade não é por acaso na medida em que a família é compreendida como a estrutura que define a sociedade em suas relações sociais, normas e leis.
É a família enquanto determinação fundamental das relações sociais que define, por sua vez, o erro como o que não é condizente nas relações sociais entre pais e filhos, mas também entre seres humanos, homens e mulheres, em seu comportamento. Que a sociedade em suas normas e leis se defina, porém, independente das questões familiares, em muitos casos não considerando erro o que pais e homens e mulheres em suas relações definem como erro ou o contrário disso, que haja um desacordo entre sociedade e a estrutura familiar, isto não demonstra nenhum problema em relação ao fundamento das relações sociais a partir das famílias, mas como o erro é algo propriamente social. Na medida em que as famílias elas mesmas deixam de constituir as relações sociais esperadas pela sociedade, elas também incorrem em erro, assim como os seres humanos incorrem em erro nas famílias quando não fazem o que é esperado socialmente por elas.
Pensar o erro, por fim, é pensar todas as relações sociais que definem o que é errado em relação ao comportamento dos indivíduos em sociedade, é pensar o mal que é produzido em relação aos outros indivíduos em sua expectativa de ordem social. Mal que é, neste caso, a dor e o sofrimento infligido a toda a sociedade em sua expectativa de comportamentos individuais e que é considerado de modo objetivo como uma violência ao corpus da sociedade representado pelo corpo de cada indivíduo. Quando se erra e se faz deste modo um mal a alguém não se faz mal a um indivíduo em particular, mas a toda a sociedade na medida em que o erro é social. Não se erra com o indivíduo em particular, mas com todos os outros indivíduos posto que a ação que foi produzida não era a ação esperada pelos outros ou por todos os outros. Não importa neste caso se a ação fez um bem em determinado caso individualmente, mas o mal que se fez em relação a todos, a violação das normas e leis sociais preestabelecidas.
Por fim, pode-se dizer contrariamente que errar é humano na medida em que são os seres humanos que definem as relações sociais, normas e leis da sociedade. Contudo, este é o maior de todos os erros que se comete em relação ao ser humano em sua ação individual, considerar que sua ação individual produz a sociedade como se o voto, por exemplo, numa eleição elegesse um representante político. Nenhuma ação individual constitui a sociedade. São as determinações das ações individuais de um determinado modo que a constituem. A sociedade não é o resultado das ações humanas, mas das determinações destas ações de um determinado modo em seu comportamento cotidiano social e historicamente. Determinações que são as normas e leis preestabelecidas antes de cada ser humano nascer e que nenhuma ação que ele realize constitui a sociedade apenas faz o que ela quer que faça, pelo menos até que alguém a faça perceber que as determinações que ela impõe às ações humanas sejam um erro, estejam erradas de algum modo.
Errar não é humano, nem nunca será. Errar é não fazer o que a sociedade espera do ser humano e não agira como humano, pois o ser humano em sua ação não é determinado pela sociedade ainda que ela o determine com suas normas e por seus erros em relação a ela. Ser humano está além da determinação social e dos erros que ela pressupõe em relação à sua vida. É preciso não admitir o erro como humano, mas que se erra sempre em relação aos outros em sociedade e por isso se deve se desculpar, assim como a sociedade deve se desculpar em relação a ele quando suas normas estão erradas, quando ela não sabe cuidar dele, quando não cuida do ser humano.
O ser humano não erra segundo suas ações naturais, mas erra segundo a sociedade e toda a expectativa que ela tem em relação aos seres humanos segundo as normas e leis que determinam suas ações.
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