A verdade oculta

outubro 28, 2017
A busca da verdade é para muitos a pretensão dos filósofos. Revelar a verdade, seu ofício. Ocultar a verdade seu maior dilema. Para o filósofo, na verdade, a verdade é um problema.

O filósofo, porém, não tem pretensão da verdade. Ele não busca a verdade. Revelá-la. Mas ele faz tudo isso na medida em que adquire mais saber sobre o que é dito sobre o mundo. É por estar diretamente relacionada ao saber cada vez mais que a verdade se torna um problema ao filósofo, um problema filosófico, enquanto a verdade deixa de ser um problema pra muitos, muitos que não têm a pretensão de saber do filósofo, mas têm a pretensão da verdade independe dele. Pois a verdade não se relaciona simplesmente ao saber, ela advêm de um pensamento e da crença de cada pessoa que nenhum saber pode muitas vezes demover. Eis porque a verdade se torna um problema para o filósofo no seu dia a dia e durante toda sua vida.

O filósofo nunca se recusa a saber mais e é por não fazer isso que ao obter mais saber conhece mais sobre o mundo e pode dizer sobre ele muito mais do que outros. É esta pretensão de saber que faz com que muitos o admirem, mas também muitos se enraiveçam, pois quem tem a pretensão de verdade nunca quer perdê-la diante de mais conhecimentos. Ao filósofo não importa de fato a verdade, tão pouco perdê-la, mas o saber sobre o mundo e sobre si mesmo, sendo a verdade apenas uma consequência disso, de o que diz ser mais condizente ao mundo e à vida nele do que o que muitos dizem. É esta conformidade com o mundo e com a vida e consigo mesmos que os filósofos buscam no saber, um compartilhar cada vez mais o conhecimento do mundo, da vida e de si mesmos com o saber que adquirem. E é justamente isso que os faz serem condenados por aqueles que não têm a pretensão de saber e que opõem ao saber a verdade sobre o mundo, a vida e a si mesmos a partir de seus pensamentos e suas crenças.

Às pessoas que têm a pretensão da verdade não é admissível errar, mas tão pouco é assim para o filósofo que encontra no erro sua principal fonte de saber, na ignorância sua principal virtude, no ignorar sua principal ação, pois errar é seu ofício. É errando, ignorando aquilo que todos têm como verdade, que o filósofo adquire mais saber que é seu único fim, seu único objetivo. É por abandonar a verdade e toda pretensão a ela que o filósofo adquire seu saber e se torna quem ele é realmente, que o mundo faz sentido pra si, que a vida adquire sempre um novo sentido aos seus olhos, pois os filósofos não se importam de errar e erram muito mais do que todos os outros. Mas também sofrem mais do que todos. Sofrem porque a verdade é importante para os outros, não o saber, e qualquer verdade é mais útil para suas vidas do que o saber. Quem não diz a verdade é alguém que já não pode conviver com eles, não lhes importa o saber, pois a verdade neste caso não tem relação com o saber, mas com o que pensam ou acreditam saber.

Por isso o filósofo sofre mais do que outros, por saber que às pessoas não interessa o saber, apenas a verdade, que ela seja dita, qualquer que seja, pois desprovida de sentido, seu mundo e sua vida, querem a verdade a qualquer custo. São Édipos abandonados pelos pais num mundo e numa vida sem sentido pra si e querem algo a lhe dar conforto, um abrigo e uma segurança e a verdade, seja qual for, sobre o mundo e a vida lhes possibilita justamente fazer o oposto do saber que é não querer saber, pois o saber lhe tira o conforto da verdade. Nenhum filósofo se conforma com a verdade, mas com o saber a cada instante cada vez mais, e se ele ainda é um Édipo é um Édipo que abandonou a verdade sobre si mesmo, sobre o mundo e a vida e agora erra em busca de saber, de um sentido pra tudo isto.

Diferente da verdade, o sentido se é uma conformidade, não é, porém, nenhum pouco confortante, pois sua presença é sempre temporária, nesta contradição absoluta de si mesmo como algo sem sentido mesmo. Pois a cada vez que o saber lhe dá um sentido ao mundo, à vida e a si mesmo, nada garante que este sentido vá se manter. Não há verdade no sentido, apenas conformidade. A verdade é apenas o pensamento e a crença de muitos de que somente existe um sentido para o mundo, a vida e si mesmo e que isto lhe basta.

Não é aquilo que é único que o filósofo busca, mas uma multiplicidade, pois o saber é senão múltiplo e é o saber que interessa ao filósofo, sempre o interessou, desde os mitos religiosos. Se os mitos passaram a ser um problema pra si foi por verem neles mais uma pretensão de verdade do que um saber. Foi quando os mitos perderam a multiplicidade de sentido que tinham e passaram a ser uma única verdade que a filosofia surgiu, por eles não darem mais conhecimentos sobre o mundo, apenas uma verdade. Foi quando a crença e o pensamento de que os mitos fizeram acreditar que diziam a verdade que o filósofo abandonou os mitos e a religião em busca de saber muito mais sobre o mundo, a vida e sobre si mesmo. Não por não acreditar nos mitos, mas por não ver neles mais saber, por saber que o saber a partir deles era cada vez mais limitado pela verdade, que a verdade impedia o filósofo de saber mais.

O filósofo é um amigo do saber, não da verdade. A verdade tolhe o saber do filósofo, destrói sua vida, pois faz esquecer que o saber é mais importante do que a verdade e quem tem a verdade não se dispõe mais a saber nada, já não lhe importa mais nada, a vida, o mundo, a si mesmos, apenas a verdade. Por isso a verdade se torna um problema para o filósofo, seu principal problema, aquilo com o qual mais se depara, não porque a deseje, porque a quer, porque tenha pretensão de obtê-la, mas porque todos as têm sem quererem saber, sem terem saber algum sobre a verdade. Por faltar saber à verdade que dizem ter, por falarem sempre a verdade sem saber, por serem sofistas, por assim dizer, que pretendem saber demais, mas não sabem, e o pouco que sabem ser para todos verdade.

Se o saber dos sofistas eram tão mal vistos como os mitos não era porque lhe faltava a verdade, mas um saber nelas e todos pensarem e acreditarem que eles sabiam muitas verdades úteis para a vida. A verdade sempre é útil pra pessoas, não o saber, que é sempre inútil. Por isso o que os filósofos sabem não serve pra nada pra algumas pessoas, porque não há uma utilidade pra elas, não há a verdade que esperam ter às mãos para poder brincar com ela feito crianças com qualquer brinquedo que dão ou não a alguém, ou vendem, dependendo do seu egoísmo. A verdade os alimenta enquanto o saber tira a fome.

O filósofo que busca a verdade é um péssimo filósofo. É alguém que esquece que o saber é mais importante do que ela, que o erro é sempre melhor do que o acerto, que a felicidade está no saber e não na verdade, pois sua alegria é saber e a verdade aquilo que só lhe traz tristeza, sempre trará. E falar sobre a verdade mais ainda, pois ninguém quer mais saber depois que a tem. O mundo e a vida já têm uma verdade e é isso que lhe importa. O mundo está cheio de verdades e cada um tem a sua não importa mais o saber, a não ser para o filósofo cuja verdade vai ser sempre oculta e que por ser oculta sempre faz com que saiba sempre mais, não importa se é verdade, se pensam ou acreditam que é verdade, pois o saber é o que busca o filósofo, é o que dá sentido à sua vida na terra com todos os seus erros nela.

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