PT, PSDB, PMDB e a política da farinha do mesmo saco


Com o crescimento da investigação sobre a corrupção no Brasil a partir da famigerada Operação Lava Jato que dura anos e envolve praticamente todos os partidos políticos brasileiros, constrói-se cada vez mais o imaginário de que os políticos de PT, PSDB e PMDB, mas também de muitos outros partidos que eles dominam com sua força, são todos eles farinha do mesmo saco. Contudo, basta uma discussão um pouco mais acalentada para mostrar que tal política da farinha do mesmo saco não existe, nem vai existir na história, pois tanto os lados da esquerda e da direita, do PT e PSDB, estão muito bem definidos em suas oposições como também agora o centro, no caso, o PMDB e seus aliados, geralmente posto à margem, esquecido e a partir do qual, porém, se tornou possível a oposição de PT e PSDB colocada por ele há anos no país na medida em que foi instituído como centro. Compreender como se constitui estas políticas que compõem a farinha do saco há tempos requer um olhar muito atento a todo o panorama histórico da esquerda e direita e do centro postos a partir do século XIX e todas suas oposições e inversões de poder.

Com a leitura de Marx sobre Hegel e a sua proposta de inversão do sistema hegeliano para se entender a realidade, não mais entendida por Marx a partir de uma ideia, mas a partir de uma realidade econômica, social e política, criou-se duas visões claras e distintas da história social, política e, principalmente, econômica, no caso da direita e a da esquerda, que já tinha sido gestada bem antes de Hegel e Marx a compreenderem em suas obras e que nada podiam fazer para impedi-la ou mesmo modificá-la a partir de si, senão ensaiarem uma mudança delas. Por mais filosóficas que sejam as questões de Marx e de Hegel, as quais não se pretende discutir aqui, o que se coloca em questão é, por um lado, a constituição de todo o pensamento moderno em Hegel a partir de um ideal social, político e econômico capitalista de direita no qual o individualismo e liberalismo é a grande questão e de toda a constituição de um pensamento contrário a este individualismo liberal, no caso, do comunismo e do anarquismo de esquerda como formas de superação seja de um individualismo egoísta, seja de um liberalismo do deixa fazer (laissez faire) o que quer. Nesta medida, com variações práticas e estratégias políticas de governamentalidade diferentes, surgiram os governos de direita e esquerda mundiais, cada um tentando adequar a realidade vivenciada aos parâmetros definidos pelos dois grandes ideais sociais do capitalismo e do comunismo, pensando na prática como implementá-los, gerenciando burocraticamente sua constituição na realidade. Sabemos hoje que, no fim da história, Hegel levou a melhor sobre Marx, não porque este foi falho em seu pensamento, mas porque aqueles que implementaram as ideias do comunismo e anarquismo não conseguiram superar as ideias tão cristalizadas historicamente de um individualismo e liberalismo culminantes em Hegel sempre à espreita de qualquer falha de planejamento nas gestões de esquerda, já que o capitalismo é expert em gerir governos assim como a vida de todos como uma empresa, bem como criar a ideologia de que todos fazem parte dela, mesmo sabendo-se que nem todos ganham o mesmo que o dono dela, o empresário, o tipo ideal do capitalismo.

A partir destes ideais, o século XX foi, como disse Hobsbawn, a era dos extremos, em que capitalismo e comunismo se enfrentaram desde o alvorecer do século até o quase o seu fim quando a queda do muro de Berlim na década de 90 iniciou uma nova história, na qual não são pensados mais os extremos. Pelo contrário, na qual se recusa cada vez mais a ideia de extremo e de oposição dialética, com a constituição de blocos de países alinhados política e economicamente sem se oporem radicalmente em meio à política de globalização ou mundialização, ou da farinha do mesmo saco capitalista, na qual cada bloco, Europeu, Asiático, Mercosul, Atlântico-Norte, Africano, Árabe, Leste europeu, emergente, em desenvolvimento e outras denominações discutem seus interesses na fatia do bolo capitalista que cresce com cada país destes blocos. Diante desta globalização e ao mesmo tempo que ela, surge também senão a partir dos conflitos entre kosovo e a servos e estes e albaneses toda uma recusa ao extremismo que culmina com o 11 de setembro quando este extremismo é visto como terrorismo diante do mundo agora globalizado, e não mais diante de um Estado ou produzido por um, por mais que hoje em dia ele tenha se institucionalizado no dito Estado islâmico, pois não se trata de um Estado efetivo, e sim, a pretensão de ser um, não por menos mais Estado ditatorial capitalista como muitos que existem ainda e prosperam, como a China.

É na década de 90 também que não por menos o Brasil entra na história desta globalização ao se tornar um país com eleições democráticas e sedia a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a Eco 92, porém, neste mesmo ano já demonstrando que isto não seria fácil com a instauração do impeachment do primeiro presidente eleito democraticamente por voto popular depois da Ditadura Militar, Fernando Collor de Melo, deposto por crimes de corrupção e, não por menos, por sua atuação na economia. Uma eleição e deposição que é praticamente a pedra filosofal e arquetípica da política brasileira na medida em que forma a esquerda, a direita e o centro, com a representação da política de direita em Collor com toda sua movimentação para impedir Luís Inácio Lula da Silva, do PT e da esquerda, de ascender ao poder. Uma movimentação política que envolveu, como hoje envolve, a criação midiática da esquerda como representante de um comunismo ainda existente no imaginário mundial no fim do século XX o qual foi combatido com o individualismo liberal capitalista na figura do empresário-marajá Collor de Melo.

Se a eleição de Collor demonstrou toda a força política da direita brasileira, a deposição dele demonstrou claramente a incapacidade da direita em reunir sob seu ideal um projeto político para o Brasil, sempre falho por se preocupar apenas com o desenvolvimento do eixo Rio-São Paulo e suas adjacências, tão pouco se preocupando com o resto do país, que permaneceu à margem das políticas públicas brasileiras de Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, até o final de seu segundo mandato como presidente, quando lançou um conjunto de benefícios sociais instaurando no Brasil a política do capital humano ou da biopolítica, como analisa Foucault esta política. É diante de tal despreocupação com a perspectiva social da população como um todo que surge a inversão histórica no Brasil pressuposta por Marx do ideal hegeliano, quando a esquerda assume o poder na eleição histórica de Lula para presidente em 2003. Uma inversão que duraria 20 anos e que produziria uma mudança social no país justamente por ampliar o desenvolvimento de classes sociais negligenciadas pela direita preocupada apenas com o empresariado, mas também por fomentar que as classes sociais mais baixas ascendessem ao capitalismo global do consumismo de uma classe média e, diante deste capitalismo medíocre, negasse mesmo uma diferença de classe latente entre pobres e trabalhadores em relação aos empresários ricos mesmo que subsiste mesmo com todo o desenvolvimento possível e imaginável do capitalismo, mesmo o dos Estados Unidos.

Com o desenvolvimento social, político e econômico de uma classe baixa a uma classe média estimulado pela política da esquerda a partir não apenas da economia, mas do investimento desta em educação, cultura e artes, a política brasileira entra num momento histórico que o resto do mundo já vivencia há bastante tempo e que o Brasil somente vai vivenciar agora, com o lastro da corrupção em todos os partidos. Trata-se, a partir do impeachment de Dilma, de toda uma destruição dos ideais de esquerda e direita que constituíram a era dos extremos, bem como a negação dos extremismos com a alçada ao centro de políticos querendo cada vez mais se diferenciar de um e outro ponto de vista, esquerda ou direita, de se descolar destas representações constituídas e ainda constituintes da história social, política e econômica mundial. A tomada do poder pelo PMDB a partir do impeachment da presidenta Dilma, do PT, demonstra não uma derrocada da esquerda, tão pouco a ascensão da direita do PSDB novamente, mas a expressão da constituição histórica de um centro na política brasileira e todas as distorções que o centro produz entre os extremos com a união senão deles, no caso, a constituição do PMDB desde a derrocada da ditadura militar e antes mesmo de sua queda, pois foi o MDB que negociou com os militares durante todo o período ditatorial e, não por menos, aprendeu tudo com os ditadores.

Não por menos o PMDB negociou a saída dos militares com sua força política, mas tempos depois fez o PSDB ascender ao poder em 1994 e o substituiu pelo PT em 2004 e, deste modo, inverteu a política brasileira da direita para a esquerda nos últimos 30 anos até assumir o poder de fato que já tinha por direito há tempos. O PMDB não simplesmente alçou-se ao centro da política brasileira com o impeachment de Dilma e a tomada de poder por Temer, o PMDB é o centro da política brasileira, um centro que poucos veem ou querem ver, pois é preciso um olhar muitos mais atento a ele do que aos estereótipos criados pela política da representação ou representação da política em esquerda e direita. Poucos têm o foco suficiente para ver o centro e é preciso senão muito foco para não desviar o olhar dele e pender para um lado ou outro de uma visão de mundo, pois olhar para o centro da política é olhar para toda uma metafísica constituída a partir dele que é a da esquerda e direita justamente para desviar o olhar do centro que é o que o PMDB tem feito na política brasileira desde a sua redemocratização e, mais ainda, hoje em dia mas de uma forma descarada demonstrando quem realmente tem o poder político no Brasil.

Se olhar para o centro é difícil é porque o centro não está no centro já que ele é percebido somente pelos extremos que ele opõe para se ocultar e pôr-se à margem de modo a não ser questionado. Ninguém questiona o centro, ninguém questiona o PMDB, justamente porque ele se coloca à margem de uma oposição, isto é, ele se faz fronteiriço na oposição entre PT e PSDB e requer um olhar muito mais atento a si na fronteira entre esquerda e direita. Um olhar que a política de que todos os são farinha do mesmo saco quer senão escamotear criando a derradeira distorção política produzida pelo centro, a do caos, da crise, no caso, de uma crise de representação na política, bem como na economia, que todos sabemos, está sempre em crise, já que se fundamenta numa oposição em sua produção de bens claramente delimitada por Marx e Engels, ainda que mal vista.

Não existe crise de representação na política brasileira. A política brasileira, pelo contrário, está muito bem representada na política de centro-direita atual do PMDB, tal como foi muito bem representada pela política de centro-esquerda dele há pouco tempo atrás. A política do PMDB representa claramente a política brasileira nos últimos 30 anos e, atualmente, a mediocridade de boa parte da população brasileira que se demonstra no nível cultural a partir do qual se debate a política no país que não é advindo das regiões menos desenvolvidas, mas, pelo contrário das mais desenvolvidas. É justamente nestas regiões mais desenvolvidas do eixo Rio-São Paulo e adjacências que se desenvolve a política do PMDB, a antiga política do café com leite, da mistura do preto com o branco em tonalidades de cinza cada vez mais escuro. Uma política de ostentação de poder político econômico do empresário que de forma degradada chega aos extremos do país social e economicamente, no Norte-Nordeste na forma de um subdesenvolvimento e no Sul, de um desenvolvimento, numa clara demonstração de que o centro do país geograficamente é o que constitui também todo o centro do poder político e econômico e de todas as distorções do desenvolvimento nacional, no caso, mais à direita do extremo Sul em vez de à esquerda do extremo Norte-Nordeste, e não por acaso é do Centro-Sul do país desenvolvido em seu empresariado que surge todo o extremismo em relação ao Norte-Nordeste trabalhador que migra frequentemente para lá para na ausência de emprego.

É a crítica de um centro de poder que está na base de todo o questionamento econômico político do capitalismo mundial com a globalização e não por menos do anticapitalismo global, pois vivendo num capitalismo sem os estereótipos de esquerda e direita, o que se coloca em questão é a crítica de todo o ideal capitalista de dentro dele, isto é, no meio dele, fazendo-o implodir de dentro. É de dentro, olhando para os extremos que se opõem que se percebe que nem tudo é farinha do mesmo saco, mas que cada um tem seus interesses claros e distintos em sua busca pelo poder, que há, como dirá Foucault, toda uma microfísica do poder que somente quem está no centro do poder é capaz de compreender. Mas estar no centro não quer dizer todavia fazer parte dele, mas tomar parte nele com um olhar atento a todas as nuances que engendram a constituição de um poder político, econômico e social historicamente que vai além dos tipos ideais ou estereótipos da esquerda e da direita que ainda persistem no Brasil, hoje representados pelo fascista e pelo comunista, faces de uma mesma moeda capitalista, um a extrema direita e ou outro à extrema esquerda.

Os tipos ideais estereotipados do fascista e do comunista propagados alhures no Brasil demonstra como o nível político da grande maioria de brasileiros ainda é o do século XX sem perceber as nuances capitalistas que se propagam para além destas imagens, desviando o olhar do real problema que é a constituição do próprio capitalismo brasileiro, forjado a ferro e fogo à séculos sobre todos e que tem na política atual do PMDB a sua principal expressão. É justamente no centro desta política capitalista atual que estão as reformas que o PMDB implementa constituindo um capitalismo cada vez mais severo porque retrógrado em sua política de ostentação de uma classe empresarial em detrimento do desenvolvimento de toda a nação. E é no centro dela que devemos deixar de lado a impressão caótica de crise da representação e a ideia de que políticos são tudo farinha do mesmo saco para olhar mais aguçadamente para o centro disto tudo e o que está em questão nele, no caso, a nossa vida presente e futura sendo lançada de volta a um passado sem direito algum. Contudo, isto não é fácil e desviar o olhar para as oposições de PSDB e PT e para uma crise de representação vista de modo "crítico" porque falta justamente uma compreensão crítica é muito mais fácil do que perceber a metafísica que constitui seja a oposição e inversão dialética histórica de direita e esquerda em sua luta pelo poder, seja a "crise" quando um destes conseguem se manter no poder.

Em meio a isto, olhar para o centro e para o PMDB é perceber que nele está o cerne da democracia brasileira na qual a população tem eleito cada vez mais representantes que se não a atende politicamente não é porque ela não saiba votar, mas porque sabe votar claramente em quem visa atender apenas seus interesses imediatos e não o país propriamente de modo que os políticos corruptos são o tipo ideal do jeitinho brasileiro de ser medíocre em sua busca de poder há tempos ainda que da pior forma possível.

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