A economia do amor
Existe o Dia dos Namorados, mas não existe o dia do Amor. Pode parecer estranho pensar assim, mas há muito diferença entre estes dois dias, pois no primeiro, o amor é restrito a duas pessoas e no segundo não, se estenderia a todas as pessoas.
Não é apenas uma diferença de quantidade que está em jogo neste caso, mas a quantidade aqui importa bastante, ou melhor, faz toda a diferença, já que, no primeiro caso, trata-se de uma limitação do amor em termos de quantidade que afeta sua qualidade, e não é a mesma coisa amar uma pessoa e amar várias ao mesmo tempo. O amor entre duas pessoas gera uma obrigação, um contrato, algo que o amor a todos não gera. Pode-se negligenciar a todos em termos de amor, mas não negligenciar aquele que é amado particularmente.
No Dia dos Namorados, há, portanto, uma economia do amor no qual ele é concentrado apenas em uma pessoa à qual se devota todo este sentimento que eleva o ser humano ao seu mais alto ponto de felicidade com alguém. Nesta economia constrói-se um relacionamento baseado na obrigação de um amar o outro na mesma medida de equivalência, pois qualquer desigualdade nesta economia é vista como uma quebra de contrato. A moeda de troca são os afetos trocados entre um ou dados com a garantia de que receberão de volta, com algum juro se possÃvel, pois toda economia tem que se basear em algum acréscimo de investimento.
Mesmo muita gente querendo investir no amor não é tão simples assim fazer este investimento, pois custa caro amar. Amar pressupõe uma responsabilidade com o outro que nem sempre se quer ter ou se pensa que vai ter. Se há investimento é sempre com risco como numa bolsa de valores em que há uma variação na cotação de afetos a cada dia que passa junto com o outro muitas vezes com crises no qual se perde todo o investimento inicial. A bolsa de valores do amor é mais complicada do que a bolsa de valores monetária, pois não são empresas que se perdem e podem se reerguer, mas pessoas que dificilmente se reerguem depois da perda do amor.
Perder o amor não é apenas perder um sentimento, é perder aquilo que para muitas pessoas é o sÃmbolo da vida, pois para muitas somente é capaz de se viver amando alguém. É um princÃpio familiar que rege a vida destas pessoas no qual o amor é economizado e distribuÃdo somente para quem está próximo. Uma economia nem um pouco solidária, mas realmente capitalista na medida em que amar o próximo é amar apenas aquele que pode fazer sua vidar render de algum modo, render até mesmo para além dela mesma numa vida eterna. Amar uma pessoa e apenas uma pessoa é economizar o máximo de amor para ele não se gastar com qualquer um que se encontre pela frente...
Platão no auge de sua filosofia, pensou num amor ideal, que não é o amor econômico de um por outro em equivalência como pensou no diálogo Banquete, e sim um amor de todos por todos. Na passagem mais radical de seu diálogo A República, a partir de Sócrates, ele pensou numa cidade em cujos casais se formassem sem qualquer obrigação familiar e cujos filhos fossem o resultado de um amor comunitário e não de um amor de pares, filhos que a cidade cuidaria e não os pais. Tal amor é o princÃpio mesmo da res publica, isto é, da coisa pública, aquilo em que todos tomam parte igualitariamente sem economia de afetos.
Obviamente que esta passagem do texto platônico suscita na mente de muitos uma orgia sem fim de pessoas que não sentem nada uma pela outra, contudo, é justamente o contrário o que se pode pressupor. É amando todos em vez de um só que a vida social se torna possÃvel sem a economia de afetos, mas com o compartilhamento total deles. Sem distribuição deles aos próximos apenas, mas a todos que fazem parte da pólis. Amar o distante e não o próximo é o pressuposto de toda a lei da República platônica, o amor ideal pressuposto por ele, um amor que não se realiza em uma pessoa, mas em todas as pessoas. Um amor, neste caso, que não seria ascético, pois todos amariam uns aos outros em seus corpos só não seriam dados uns aos outros em troca ou por obrigação, apenas pelo enlevo do amor à pólis, por gerar filhos a ela com o prazer de estarem juntos.
Se A República de Platão ainda consiste numa economia de afetos, não privada, mas pública, e toda a vida social é racionalizada pelo Rei Filósofo de Platão, no caso, Sócrates, sua ideia de um relacionamento em que o amor à todos na pólis seja mais importante do que o amor de um por outro individualmente ainda permanece como uma ideia necessária para a existência de uma sociedade democrática nos seus afetos. Numa sociedade pensada por Platão onde homens e mulheres se entregariam em amor pela pólis não haveria Dia dos Namorados, apenas Dia do Amor, um dia em que todos celebram o amor por todos em todas as suas diferenças e não por uma pessoa em particular.
Todos seriam, por fim, namorados uns dos outros e nunca estariam sós neste dia.
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