A grande aposta no capitalismo


Que o capitalismo é feito de ilusões, todos sabem. Há muito tempo Marx e Engels já definiram esta ilusão como fetiche, o fetiche da mercadoria. Que toda ilusão leva inevitavelmente à crise quando confrontada com a realidade, isto também todos sabem, pois quem nunca se iludiu um dia? Principalmente com a realidade? Pois ninguém se ilude com aquilo que é irreal, somente com o que é real, possivelmente real, provavelmente real, não importa que nível de realidade seja, apenas que seja real mesmo que seja uma ilusão.

O filme A grande aposta (The big short, 2015), de Adam McKay, demonstra de que modo a ilusão toma a forma de realidade no capitalismo e quando se entra em crise quando a realidade se sobrepõe à ilusão e as pessoas acabam por perceber como se enganaram acreditando no capitalismo e em suas promessas duradouras. Nada dura no capitalismo, já advertia Marx e Engels há centenas de anos e, como os descobridores da bolha imobiliária dos Estados Unidos, ninguém acreditava neles em sua época, muito menos hoje. Marx e Engels são apólogos da crise do capitalismo, mas diferente dos que se colocaram contra o capitalismo prevendo sua crise em 2008 para lucrarem em cima dela, eles não queriam lucrar com o capitalismo, senão separar a ilusão da realidade, ou seja, fazer com que as pessoas deixassem de ser alienadas.

No filme A grande aposta, é interessante como o capitalismo sempre vence no final assim como Marx e Engels também previram, afinal, eles descobriram que o capitalismo vive em crise, ou, melhor ainda, vive da crise. No caso, crise dos trabalhadores que sempre estão em dívida com bancos, precisando de empregos e fazem qualquer coisa para ganharem dinheiro. Algo necessário para o capitalismo, haja vista que os grandes empresários também querem cortar gastos e economizar às custas dos outros. Como os trabalhadores não têm como economizar às custas dos outros, economizam às custas de si mesmos, de seu suor com o esforço mais pesado de seu corpo que também economiza em alimentos, cada vez menos alimentos, afinal, a cesta básica não condiz com o que o trabalhador ganha, muito menos em tempos de crise do capitalismo.

Mesmo para quem não sabe nada de capitalismo, nada de bolsa de valores, nada do submundo econômico de Wall Street, o centro do capitalismo mundial, ou não entenda nada do que é tentado explicar no filme A grande aposta, não deixa de perceber que a crise é um bom negócio para o capitalismo. E quem sabe prevê-la pode ganhar muito dinheiro ou ser muito odiado como comunista como Marx e Engels, mesmo sabendo que eles descobriram a verdade há muito tempo. Se não por que teriam tanto ódio deles até hoje como tiveram dos descobridores da crise de 2008?

Mais do que uma fraqueza, a crise no capitalismo demonstra como ele pode se renovar depois de uma breve desregulação da mão invisível que, egoísta, sempre quer pegar mais do que deve ou esbanja mais do que pode. No primeiro caso, quando as empresas querem lucrar muito mais mesmo que com risco de pôr abaixo o sistema, no segundo, quando os governos gastam mais do que podem suportar e desregulam o sistema que deviam equilibrar através do Estado. Nos dois casos, quando o ser humano egoísta que equilibra o sistema econômico político capitalista segundo Smith se revela o grande problema do capitalismo, problema que ele mesmo cria a todo momento em seu fetiche de poder e mais poder econômico e político.

No capitalismo sempre se acredita que se pode mais e mais e que não importa o que vai acontecer, o sistema não vai quebrar, esquecendo-se que a banca sempre vence a aposta, mesmo que pague muito por ela. O cheiro do dinheiro fascina quem começa a possuir cada vez mais dinheiro, por fim, este possuindo aquele que pensava possuir alguma coisa. É o fetiche da mercadoria que faz as pessoas verem mais do que o valor de uso do produto e fantasiarem que ele é mais do que um simples produto que, em breve, será descartado por outro produto, como elas, afinal, serão descartadas como produtos, no caso, força de trabalho, ademais, as primeiras a serem descartadas quando há uma crise no capitalismo.

O ser humano é um produto do capitalismo, mas acredita que o produz. Todo sistema se mantém por si só, é o que Hegel chamava de absoluto, e que Marx tentou reverter ou verter à realidade, mas apenas fez com que ela coincidisse cada vez mais com o absoluto, como Hegel advertira em sua especulação, isto é, em sua ilusão de que a Ideia é realidade. Mas nenhum dos dois se iludiu de fato e ambos falavam a verdade, Hegel no nível da consciência imaterial e Marx no da consciência material, porém, ambos falando sobre a mesma realidade. Pois o espírito absoluto de Hegel nada mais é do que o espírito absoluto do capitalismo, aliás, como Weber de certo modo colocara, mas não tão bem como Marx, pois analisou apenas as ações individuais sem perceber a que estas ações poderiam levar, no caso, quando elas não fossem ideais como Weber pensava.

A vantagem de Marx e Engels em relação a Hegel e Weber é, como no filme A grande aposta, de saber que a realidade é uma grande ilusão e que o espírito absoluto do capitalismo tende a se desvanecer quando confrontado com ela. Marx pôs à prova e em crise o espírito absoluto de Hegel com o capitalismo e demonstrou como aquele estava de acordo com este, mas pensou que fazendo isto estaria fazendo uma inversão do sistema do espírito absoluto hegeliano e não simplesmente à sua confirmação. Os descobridores da crise de 2008 também puseram à prova o sistema absoluto do capitalismo no qual todos acreditavam e conseguiram provar a sua crise, mas também neste caso era apenas uma confirmação do capitalismo que Marx já sabia que entra em crises cíclicas em algum momento, por algum motivo, em geral, egoísta, confirmando Smith.

Nada demais, afinal o que mais importa no capitalismo não são as crises, mas a ilusão de que ela não é real, de que está sempre tudo bem, e que nada vai acontecer, pois o capitalismo é uma grande aposta de que tudo vai dar certo, que se vai vencer a banca e que a próxima jogada de dados ou a próxima mão de cartas será sempre melhor que a outra. No fim, ninguém perde. Nem quem aposta, nem quem banca a aposta. Afinal, quem aposta sempre continua acreditando que vai ganhar na próxima vez, mesmo que perca sempre, e quem banca a aposta, o capitalismo, sempre ganha no fim da história, mesmo que seja uma grande ilusão e uma crise sobrevenha quando quem apostou nele se defronta com a sua realidade.

Novamente, nada demais, pois ninguém ganha com uma crise mais do que o próprio capitalismo que aprende cada vez mais com seus erros e consegue lucrar cada vez mais e mais com o sofrimento de quem o banca e aposta sua vida nele, a que Michael Burry percebeu que perdeu com toda esta crise, apesar dos bilhões de dólares que ganhou para seus investidores e Ben Rickert descobriu muito tempo antes. Quanto tempo de vida se deve perder até perceber a ilusão na grande aposta do capitalismo, eis a questão que cada um deve responder.

2 comentários:

  1. Nunca tinha escutado dele, mas li uma resenha e me chamou a atenção. espero que seja umas das melhores adaptações para ver, a historia é interessante e parece levar um bom ritmo. Também as filmes do Ryan Gosling tem o êxito, porque tem muitos fãs que como eu se sentem atraídos por cada estréia cinematográfica que tem o seu nome exibição. Recomendo muito do filme. Obrigado pela analisé.

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