O rumo do Brasil à direita e a utopia democrática
Um estudante me perguntou certa vez qual a diferença entre direita e esquerda. Obviamente, ele não queria saber o caminho por onde seguir espacialmente, mas a diferença de atuação política na qual estes direcionamentos se tornaram histórica e socialmente. Eu poderia ter lhe falado da origem desta orientação política na França, mas isto de nada serviria para ele entender o processo político brasileiro atual, o que eu pensava ser sua preocupação. Então, optei por uma definição básica, de momento, e lhe disse: a diferença entre direita e esquerda é que enquanto a direita se preocupa em resolver os problemas sociais estimulando cada vez mais o desenvolvimento das empresas e empresários para que estes deem emprego aos trabalhadores e assim resolver os problemas sociais destes (de educação, saúde, moradia, segurança, etc.), a esquerda busca estimular cada vez mais a luta dos trabalhadores em defesa de seus direitos sociais diretamente sem que as empresas se desenvolvam mais, mas que distribuam mais equitativamente os seus lucros, algo obviamente que os empresários não querem fazer.
Não sei até que ponto o estudante compreendeu isto com o seu assentimento de cabeça e silêncio posterior, mas o que disse a ele parece encontrar eco no que acontece atualmente no Brasil com as recentes reformas políticas e econômicas da educação, da previdência e trabalhistas, todas tendo como justificativa o teto dos gastos públicos, todas estas reformas impostas pelo governo de direita de Michel Temer do PMDB como única alternativa para resolver os problemas do país atribuídos ao PT por ter estado na presidência na última década, tal como antigamente todos os problemas nacionais atribuídos ao rei por está no poder. Para quem lê o mínimo de Foucault, sabe que o poder de uma nação antigamente não estava totalmente no rei, como não está no presidente atualmente, a não ser quando governa com mão de ferro a tudo e todos, isto é, quando é despótico ou ditatorial, mas sempre algo lhe escapando pelas mãos. Pelo contrário, o poder do rei-presidente é mantido senão por micropolíticas executadas muitas vezes à sua revelia e mesmo contra si na medida em que não são realizadas conforme sua vontade, mas devido o rei-presidente ser o governante ele deve assumir a culpa e a responsabilidade pelo que fez e pelo que não fez. Mais ainda, quem lê também o mínimo de Benjamin, sabe que o rei tem muito menos poder do que imaginamos que tenha assim como também o presidente, como no caso de Dilma Rousseff que se tornou presidenta e deixou de ser por circunstâncias que não teve poder para evitar.
A ascensão do PT como partido de esquerda à presidência tendo como principal aliado o PMDB, um partido de direita produziu na política brasileira não apenas uma crise econômica política, mas antes disso, uma aliança na qual direita e esquerda se confundiram como perspectivas políticas quando empresários e trabalhadores deram as mãos e aqueles lucraram cada vez mais com o desenvolvimento de políticas de redução de impostos e estímulo ao consumo enquanto os últimos adquiriram e tiveram ampliados alguns direitos sociais ainda que mínimos. Contudo, hoje sabemos que isto levou a um endividamento do país a níveis bem maiores do que o esperado, pois as políticas de ampliação dos direitos sociais são a fundo perdido, isto é, não têm retorno imediato e o que o governo investiu em educação e saúde, principalmente, já não pode ser mantido. Isto porque a política de benefício econômico aos empresários, por outro lado, reduziu não apenas os impostos de muitos produtos para favorecer o consumo e o lucro das empresas, mas fez reduzir imensamente a capacidade do Estado brasileiro de investir na promoção dos direitos sociais como contrapartida social e pagar suas próprias dívidas com este investimento já que os impostos às empresas reduziram sua arrecadação. Além disso, uma crise de confiança junto aos investidores externos causada pelos escândalos de corrupção dos políticos e empresas nacionais, principalmente a Petrobras, fizeram com que a aliança entre empresários e trabalhadores, PMDB e PT, dividisse novamente o país entre direita e esquerda e colocasse hoje o Brasil rumo à direita conservadora de seus privilégios políticos e econômicos de tempos há pouco esquecidos.
Se o rumo político e econômico do Brasil seguiu confuso diante da aliança entre PT e PMDB com a despolarização radical de esquerda e direita, o impeachment de Dilma Rousseff tornou a radicalizar estes rumos e se desacreditar totalmente nos partidos de esquerda do país afetados pelo antipetismo e antiesquerdismo que a imprensa oficial e redes sociais propagam. As recentes aprovações de medidas de "austeridade" política e econômica impostas pelo governo agora apenas de direita, no caso o do PMDB e seu principal aliado o PSDB, demonstram como há um total descrédito de medidas que apoiam direitos sociais comum em crises econômicas do capitalismo brasileiro em sua forma mais tradicional como conservador de privilégios empresariais em detrimento de benefícios sociais. Uma crise que se agravou mais à esquerda e para o trabalhador do que à direita e para empresários quando operações policiais anticorrupção demonstraram como a economia brasileira é sustentada não por uma economia de mercado que beneficia bem ou mal ao máximo de pessoas e o país como um todo se desenvolve, mas por uma economia de conchavos econômicos entre empresários e políticos na qual se desenvolvem algumas empresas que dividem seus lucros com os políticos por meio de corrupção. No caso, uma corrupção de políticos de vários partidos, mas a crise sempre é maior do lado mais fraco, o trabalhador e seus representantes, os partidos de esquerda, notadamente o PT autodenominado Partido dos Trabalhadores.
Após tudo isto, a diferença entre direita e esquerda rasurada há 12 anos está novamente clara e o Brasil vivencia atualmente uma política econômica totalmente de direita com a ideia de que ajudando as empresas a se desenvolverem, isto é, enriquecerem cada vez mais com o lucro sem nenhum benefício social de contrapartida, os trabalhadores serão beneficiados em seguida, numa época e galáxia muito, muito distante. É esta política econômica de direita que demonstram as reformas políticas da economia, educação, previdência e trabalhistas demonstram quando, por exemplo, na economia se retira cada vez mais os direitos sociais antes dados pelo governo e se obriga em contrapartida que as pessoas busquem por si só meios de garantir os benefícios que tinham, saúde e educação, por exemplo, e encontrarem na iniciativa privada senão a forma de garantirem isto. Afinal, quem conseguiu o mínimo possível de melhorias não as quer perder, então, quem teve seus recursos financiados pelo Estado na educação, por exemplo, por meio de bolsas ou por bancos estatais através de empréstimos educativos, agora terá que trabalhar para manter isto. Da mesma forma terão que trabalhar mais aqueles que quiserem manter seu status social econômico de consumidor dos produtos de sua preferência.
A restrição de direitos sociais é a principal defesa de uma política econômica da direita conservadora como a do Brasil que tem como primeira premissa a antiga ideia de que "primeiro se faz o bolo crescer para depois dividi-lo". Muitas pessoas, ingenuamente, pensavam e ainda pensam que este bolo é o país como nação sem perceber que o "bolo" é o lucro econômico que algumas empresas adquirem e que elas tão pouco querem dividir, pois ele é senão para tempos de crise como estes e não para dividir com o trabalhador. Uma versão microeconômica de como este bolo é dividido é quando qualquer empresa diz a seus empregados que se eles "vestirem a camisa" da empresa e a fizer crescer eles crescerão junto com ela e quando, depois de vestirem a camisa e lutarem bravamente por um lucro cada vez maior da empresa, eles são demitidos em tempos de crise, como agora, não importa quantos anos dedicaram a ela ou o quanto a fizeram lucrar. O que, deste modo, eles aprendem da pior forma que o fermento que fez o bolo crescer, isto é, sua força de trabalho não lhe dá garantia nenhuma de que no futuro ele terá um pedaço do bolo que fez crescer.
O fato do tempo da previdência ter sido aumentado pelos políticos na recém reforma da previdência demonstra também como o bolo não pode ser dividido com todos e quem quiser uma fatia dele, a menor que seja, tem que trabalhar mais do que trabalhava, porque o Brasil está em crise, se diz, quando, na verdade, são os empresários e políticos brasileiros que estão em crise com o investimento que fizeram nos últimos anos com seus conchavos políticos. A previdência enquanto direito social do trabalhador equivale ao lucro do capitalista, pois ela tem como objetivo garantir uma vida sem trabalho, no caso da previdência, uma vida pós-trabalho. Assim, da mesma forma que o lucro mantêm a empresa em momentos difíceis e garante ao empresário um rendimento para viver sem trabalhar e uma velhice sem preocupações, a previdência também tem o mesmo objetivo de garantir ao trabalhador um tempo sem preocupação e sem trabalho, ainda que na prática somente o empresário tem realmente uma vida sem preocupação e sem trabalho na velhice.
Algo interessante no aumento de tempo de contribuição da previdência é que ela demonstra uma tendência no mundo do trabalho que somente agora está dando resultados. Com o aumento do desenvolvimento econômico do país e mais oportunidade de trabalho ou mais garantias de emprego, muitas pessoas garantiram um tempo de serviço para se aposentarem e, sobretudo, a longevidade das pessoas com a melhoria de vida fez com que gozassem de mais tempo após se aposentarem. Não por acaso se viu um crescimento de serviços voltados para pessoas de terceira idade, principalmente de empréstimos a previdenciários, e não por acaso também pessoas que se aposentaram, mas ainda têm disposição para trabalhar, continuaram trabalhando mesmo estando aposentada. Deste modo, tanto a longevidade como a garantia de emprego e a disposição para o trabalho demonstraram ao governo, por exemplo, que se as pessoas vivem mais e podem trabalhar mais isto resulta em duas medidas econômicas básicas: o governo pode ampliar o tempo de serviço e demorar mais tempo para pagar a previdência, por sua vez, economizar e ganhar mais dinheiro para pagar o rombo da previdência.
Mais-trabalho é o princípio básico da mais-valia econômica do Estado governado pela direita atualmente assim como é o princípio básico da economia capitalista, no caso, mais-trabalho do trabalhador quando máquinas não o podem substituir e é necessária sua força de trabalho. A ideia de que é preciso trabalhar mais pelo país como prega o governo demonstrada literalmente pela reforma da previdência está plenamente de acordo com a reforma trabalhista anunciada também pelo governo recentemente. Há quem, pensando no descanso de três dias que é o bolo que será dividido no fim de semana, imagine que trabalhar até 12h/d não é um problema, pois, como dizem os empresários, quanto mais trabalho, mais a empresa se desenvolve, mais os trabalhadores ganham mais trabalho e o empresário mais lucro.
A lógica simples por trás da reforma trabalhista, porém, não é que se possa trabalhar mais, no caso até 12h/d, algo impossível para o desenvolvimento das empresas, já que isto acarreta em muitos casos de doença, licenças de trabalho e dispêndio com planos de saúde coletivos. A lógica não é o trabalhar mais horas por dia, mas o trabalhar mais horas por dia por menos salário, isto é, por acordos econômicos estabelecidos por empresários com os trabalhadores individualmente e não coletivamente para reduzirem seus direitos trabalhistas, bem como dividir o poder central dos sindicatos atuais e a luta centralizada por direitos sociais que podem ser abdicados pelo trabalhador dependendo de sua necessidade econômica que é o que o governo defende juntamente com as empresas. Algo semelhante já foi buscado pelo governo ao tentar fazer com que algumas profissões fossem terceirizadas, isto é, deixassem de serem vistas como "trabalho" de alguém sindicalizado e com direitos sociais garantidos, para serem vistas como "empreendimentos" de um empresário com uma empresa individual, um autônomo, sem qualquer direito trabalhista e intermediação de sindicatos em defesa de garantias sociais.
Em ambos os casos, na lei de terceirização e na reforma trabalhista, a lógica é que quanto mais individualizada e menos coletiva for a profissão, isto é, menos sindicalizada, melhor a garantia das empresas de conseguirem um preço menor pela "força de trabalho" que se torna "prestação de serviço" do trabalhador como empresa. Mais ainda, incapazes de pleitear serviços por si próprios, trabalhadores prestam serviços por meio de empresas de prestação de serviços que são criadas para prestar serviços para outras empresas e o trabalhador trabalha agora mais por menos não apenas para uma empresa, mas para duas, três, quatro...
A reforma da previdência e do trabalho promovem cada vez mais trabalho para o trabalhador e mais lucro sobre o trabalho para o empresário e, em contrapartida, menos participação do trabalhador no pedaço de bolo que lhe é de direito, e só com esta abdicação do trabalhador ao seu pedaço de bolo hoje e no futuro, o país deve voltar a crescer como diz o governo. Tais reformas têm sua face mais oculta e mais de acordo com esta lógica na reforma política da educação proposta pelo governo. Isto porque a proposta de escolas de tempo integral as torna semelhantes a uma fábrica, ainda mais com a implementação cada vez maior de ensino profissionalizante e com a exclusão das disciplinas de Sociologia e Filosofia, ou mesmo de Arte e Educação Física, que tolhe qualquer perspectiva de compreensão dos estudantes sobre os direitos sociais e ensina a eles que o trabalho é mais importante do que o conhecimento sobre a sociedade em que o jovem como futuro trabalhador vai se inserir. Neste sentido, ele aprende numa escola integral a se manter 8h/d num mesmo local e a obedecer ordens o dia todo, além de aprender uma profissão da qual saberá apenas o necessário para produzir sem direito ao ócio, mesmo o produtivo, e, por fim, aprende que o consumo de disciplinas que não lhe deem compreensão humana ou social é importante para ser um bom trabalhador e consumidor de empresas que estão pouco interessadas no desenvolvimento social e humano dele.
A reforma da educação não é uma mudança pedagógica, neste sentido, mas política e ideológica de direita com a preparação para os futuros trabalhadores e previdenciários para os quais trabalhar mais e desde muito cedo é a única perspectiva de vida e de sobrevivência sem qualquer garantia de benefício social, nem do tempo livre para aproveitar a vida. O estudante não poderá aproveitar a vida fora da escola, o trabalhador fora do trabalho e o previdenciário apenas um pouco mais da vida antes de sua morte. Esse é o rumo do Brasil à direita a passos largos sem qualquer perspectiva da esquerda ou das pessoas poderem evitar este caminho que a ideologia política conservadora da direita coloca como perspectiva de ordem e progresso para o país.
Mas se a educação é onde a direita calca seus princípios e recalca os direitos sociais como sempre tem sido na sociedade capitalista é a partir da educação que se deve buscar resistir. Não por acaso é a juventude que mais sofre com o rumo do país à direita que mais resiste atualmente e com a qual devem resistir todos aqueles que acreditam que são os direitos sociais e não a manutenção dos lucros das empresas e privilégios políticos que devem ser atendidos primeiro em épocas de crise. São com os jovens e neles que se deve manter a esperança contra o medo com o objetivo de que mudem a longo prazo o que a curto prazo, mesmo com toda a resistência possível, não se é capaz de mudar, no caso, o rumo à direita. Não por falta de luta, mas porque toda luta hoje é inócua diante daqueles que estão no poder eleitos democraticamente para fazerem o que bem entendem, mesmo que o que bem entendam seja o seu próprio poder e lucro.
Se não queremos cair nas ditaduras capitalistas e comunistas que mais trazem perdas do que ganhos, principalmente de vida como demonstra a história recente mundial é com a juventude que para muitos não segue nenhum rumo que o Brasil pode encontrar o seu rumo. Porém, não um rumo à esquerda novamente contra uma direita, mas independente de direita e esquerda no máximo que isto seja possível para que se mantenha a utopia de uma democracia. No caso, a utopia de que todos são iguais em suas classes sociais, religiões, sexualidade, raça, etnia, gênero, etc., algo impossível numa sociedade capitalista, na qual cada classe, religião, sexualidade, raça, etnia, gênero etc. é estimulado a ser superior ao outro, mas que é a utopia de uma sociedade que é a melhor das sociedades possíveis e não se deve modificar.
Tal utopia democrática é, hoje, o bolo que se imagina que é dividido com todos, mas cujos pedaços somente alguns conseguem apreciar e que os empresários estão tirando da boca do trabalhador para que ele pense no futuro do país e não no seu. É no sentido de pensar no país em sua ordem e progresso e não em si mesmo que as reformas econômicas e políticas de direita estão em rumo que, diferente do que pensam muitos, não é em favor de uma democracia em que todos têm seus direitos garantidos, e que alguns têm mais direitos do que outros, não porque trabalham mais, mas porque trabalham menos ao explorar o trabalho dos outros cada vez mais com mais trabalho por menos dinheiro.
Não sei até que ponto o estudante compreendeu isto com o seu assentimento de cabeça e silêncio posterior, mas o que disse a ele parece encontrar eco no que acontece atualmente no Brasil com as recentes reformas políticas e econômicas da educação, da previdência e trabalhistas, todas tendo como justificativa o teto dos gastos públicos, todas estas reformas impostas pelo governo de direita de Michel Temer do PMDB como única alternativa para resolver os problemas do país atribuídos ao PT por ter estado na presidência na última década, tal como antigamente todos os problemas nacionais atribuídos ao rei por está no poder. Para quem lê o mínimo de Foucault, sabe que o poder de uma nação antigamente não estava totalmente no rei, como não está no presidente atualmente, a não ser quando governa com mão de ferro a tudo e todos, isto é, quando é despótico ou ditatorial, mas sempre algo lhe escapando pelas mãos. Pelo contrário, o poder do rei-presidente é mantido senão por micropolíticas executadas muitas vezes à sua revelia e mesmo contra si na medida em que não são realizadas conforme sua vontade, mas devido o rei-presidente ser o governante ele deve assumir a culpa e a responsabilidade pelo que fez e pelo que não fez. Mais ainda, quem lê também o mínimo de Benjamin, sabe que o rei tem muito menos poder do que imaginamos que tenha assim como também o presidente, como no caso de Dilma Rousseff que se tornou presidenta e deixou de ser por circunstâncias que não teve poder para evitar.
A ascensão do PT como partido de esquerda à presidência tendo como principal aliado o PMDB, um partido de direita produziu na política brasileira não apenas uma crise econômica política, mas antes disso, uma aliança na qual direita e esquerda se confundiram como perspectivas políticas quando empresários e trabalhadores deram as mãos e aqueles lucraram cada vez mais com o desenvolvimento de políticas de redução de impostos e estímulo ao consumo enquanto os últimos adquiriram e tiveram ampliados alguns direitos sociais ainda que mínimos. Contudo, hoje sabemos que isto levou a um endividamento do país a níveis bem maiores do que o esperado, pois as políticas de ampliação dos direitos sociais são a fundo perdido, isto é, não têm retorno imediato e o que o governo investiu em educação e saúde, principalmente, já não pode ser mantido. Isto porque a política de benefício econômico aos empresários, por outro lado, reduziu não apenas os impostos de muitos produtos para favorecer o consumo e o lucro das empresas, mas fez reduzir imensamente a capacidade do Estado brasileiro de investir na promoção dos direitos sociais como contrapartida social e pagar suas próprias dívidas com este investimento já que os impostos às empresas reduziram sua arrecadação. Além disso, uma crise de confiança junto aos investidores externos causada pelos escândalos de corrupção dos políticos e empresas nacionais, principalmente a Petrobras, fizeram com que a aliança entre empresários e trabalhadores, PMDB e PT, dividisse novamente o país entre direita e esquerda e colocasse hoje o Brasil rumo à direita conservadora de seus privilégios políticos e econômicos de tempos há pouco esquecidos.
Se o rumo político e econômico do Brasil seguiu confuso diante da aliança entre PT e PMDB com a despolarização radical de esquerda e direita, o impeachment de Dilma Rousseff tornou a radicalizar estes rumos e se desacreditar totalmente nos partidos de esquerda do país afetados pelo antipetismo e antiesquerdismo que a imprensa oficial e redes sociais propagam. As recentes aprovações de medidas de "austeridade" política e econômica impostas pelo governo agora apenas de direita, no caso o do PMDB e seu principal aliado o PSDB, demonstram como há um total descrédito de medidas que apoiam direitos sociais comum em crises econômicas do capitalismo brasileiro em sua forma mais tradicional como conservador de privilégios empresariais em detrimento de benefícios sociais. Uma crise que se agravou mais à esquerda e para o trabalhador do que à direita e para empresários quando operações policiais anticorrupção demonstraram como a economia brasileira é sustentada não por uma economia de mercado que beneficia bem ou mal ao máximo de pessoas e o país como um todo se desenvolve, mas por uma economia de conchavos econômicos entre empresários e políticos na qual se desenvolvem algumas empresas que dividem seus lucros com os políticos por meio de corrupção. No caso, uma corrupção de políticos de vários partidos, mas a crise sempre é maior do lado mais fraco, o trabalhador e seus representantes, os partidos de esquerda, notadamente o PT autodenominado Partido dos Trabalhadores.
Após tudo isto, a diferença entre direita e esquerda rasurada há 12 anos está novamente clara e o Brasil vivencia atualmente uma política econômica totalmente de direita com a ideia de que ajudando as empresas a se desenvolverem, isto é, enriquecerem cada vez mais com o lucro sem nenhum benefício social de contrapartida, os trabalhadores serão beneficiados em seguida, numa época e galáxia muito, muito distante. É esta política econômica de direita que demonstram as reformas políticas da economia, educação, previdência e trabalhistas demonstram quando, por exemplo, na economia se retira cada vez mais os direitos sociais antes dados pelo governo e se obriga em contrapartida que as pessoas busquem por si só meios de garantir os benefícios que tinham, saúde e educação, por exemplo, e encontrarem na iniciativa privada senão a forma de garantirem isto. Afinal, quem conseguiu o mínimo possível de melhorias não as quer perder, então, quem teve seus recursos financiados pelo Estado na educação, por exemplo, por meio de bolsas ou por bancos estatais através de empréstimos educativos, agora terá que trabalhar para manter isto. Da mesma forma terão que trabalhar mais aqueles que quiserem manter seu status social econômico de consumidor dos produtos de sua preferência.
A restrição de direitos sociais é a principal defesa de uma política econômica da direita conservadora como a do Brasil que tem como primeira premissa a antiga ideia de que "primeiro se faz o bolo crescer para depois dividi-lo". Muitas pessoas, ingenuamente, pensavam e ainda pensam que este bolo é o país como nação sem perceber que o "bolo" é o lucro econômico que algumas empresas adquirem e que elas tão pouco querem dividir, pois ele é senão para tempos de crise como estes e não para dividir com o trabalhador. Uma versão microeconômica de como este bolo é dividido é quando qualquer empresa diz a seus empregados que se eles "vestirem a camisa" da empresa e a fizer crescer eles crescerão junto com ela e quando, depois de vestirem a camisa e lutarem bravamente por um lucro cada vez maior da empresa, eles são demitidos em tempos de crise, como agora, não importa quantos anos dedicaram a ela ou o quanto a fizeram lucrar. O que, deste modo, eles aprendem da pior forma que o fermento que fez o bolo crescer, isto é, sua força de trabalho não lhe dá garantia nenhuma de que no futuro ele terá um pedaço do bolo que fez crescer.
O fato do tempo da previdência ter sido aumentado pelos políticos na recém reforma da previdência demonstra também como o bolo não pode ser dividido com todos e quem quiser uma fatia dele, a menor que seja, tem que trabalhar mais do que trabalhava, porque o Brasil está em crise, se diz, quando, na verdade, são os empresários e políticos brasileiros que estão em crise com o investimento que fizeram nos últimos anos com seus conchavos políticos. A previdência enquanto direito social do trabalhador equivale ao lucro do capitalista, pois ela tem como objetivo garantir uma vida sem trabalho, no caso da previdência, uma vida pós-trabalho. Assim, da mesma forma que o lucro mantêm a empresa em momentos difíceis e garante ao empresário um rendimento para viver sem trabalhar e uma velhice sem preocupações, a previdência também tem o mesmo objetivo de garantir ao trabalhador um tempo sem preocupação e sem trabalho, ainda que na prática somente o empresário tem realmente uma vida sem preocupação e sem trabalho na velhice.
Algo interessante no aumento de tempo de contribuição da previdência é que ela demonstra uma tendência no mundo do trabalho que somente agora está dando resultados. Com o aumento do desenvolvimento econômico do país e mais oportunidade de trabalho ou mais garantias de emprego, muitas pessoas garantiram um tempo de serviço para se aposentarem e, sobretudo, a longevidade das pessoas com a melhoria de vida fez com que gozassem de mais tempo após se aposentarem. Não por acaso se viu um crescimento de serviços voltados para pessoas de terceira idade, principalmente de empréstimos a previdenciários, e não por acaso também pessoas que se aposentaram, mas ainda têm disposição para trabalhar, continuaram trabalhando mesmo estando aposentada. Deste modo, tanto a longevidade como a garantia de emprego e a disposição para o trabalho demonstraram ao governo, por exemplo, que se as pessoas vivem mais e podem trabalhar mais isto resulta em duas medidas econômicas básicas: o governo pode ampliar o tempo de serviço e demorar mais tempo para pagar a previdência, por sua vez, economizar e ganhar mais dinheiro para pagar o rombo da previdência.
Mais-trabalho é o princípio básico da mais-valia econômica do Estado governado pela direita atualmente assim como é o princípio básico da economia capitalista, no caso, mais-trabalho do trabalhador quando máquinas não o podem substituir e é necessária sua força de trabalho. A ideia de que é preciso trabalhar mais pelo país como prega o governo demonstrada literalmente pela reforma da previdência está plenamente de acordo com a reforma trabalhista anunciada também pelo governo recentemente. Há quem, pensando no descanso de três dias que é o bolo que será dividido no fim de semana, imagine que trabalhar até 12h/d não é um problema, pois, como dizem os empresários, quanto mais trabalho, mais a empresa se desenvolve, mais os trabalhadores ganham mais trabalho e o empresário mais lucro.
A lógica simples por trás da reforma trabalhista, porém, não é que se possa trabalhar mais, no caso até 12h/d, algo impossível para o desenvolvimento das empresas, já que isto acarreta em muitos casos de doença, licenças de trabalho e dispêndio com planos de saúde coletivos. A lógica não é o trabalhar mais horas por dia, mas o trabalhar mais horas por dia por menos salário, isto é, por acordos econômicos estabelecidos por empresários com os trabalhadores individualmente e não coletivamente para reduzirem seus direitos trabalhistas, bem como dividir o poder central dos sindicatos atuais e a luta centralizada por direitos sociais que podem ser abdicados pelo trabalhador dependendo de sua necessidade econômica que é o que o governo defende juntamente com as empresas. Algo semelhante já foi buscado pelo governo ao tentar fazer com que algumas profissões fossem terceirizadas, isto é, deixassem de serem vistas como "trabalho" de alguém sindicalizado e com direitos sociais garantidos, para serem vistas como "empreendimentos" de um empresário com uma empresa individual, um autônomo, sem qualquer direito trabalhista e intermediação de sindicatos em defesa de garantias sociais.
Em ambos os casos, na lei de terceirização e na reforma trabalhista, a lógica é que quanto mais individualizada e menos coletiva for a profissão, isto é, menos sindicalizada, melhor a garantia das empresas de conseguirem um preço menor pela "força de trabalho" que se torna "prestação de serviço" do trabalhador como empresa. Mais ainda, incapazes de pleitear serviços por si próprios, trabalhadores prestam serviços por meio de empresas de prestação de serviços que são criadas para prestar serviços para outras empresas e o trabalhador trabalha agora mais por menos não apenas para uma empresa, mas para duas, três, quatro...
A reforma da previdência e do trabalho promovem cada vez mais trabalho para o trabalhador e mais lucro sobre o trabalho para o empresário e, em contrapartida, menos participação do trabalhador no pedaço de bolo que lhe é de direito, e só com esta abdicação do trabalhador ao seu pedaço de bolo hoje e no futuro, o país deve voltar a crescer como diz o governo. Tais reformas têm sua face mais oculta e mais de acordo com esta lógica na reforma política da educação proposta pelo governo. Isto porque a proposta de escolas de tempo integral as torna semelhantes a uma fábrica, ainda mais com a implementação cada vez maior de ensino profissionalizante e com a exclusão das disciplinas de Sociologia e Filosofia, ou mesmo de Arte e Educação Física, que tolhe qualquer perspectiva de compreensão dos estudantes sobre os direitos sociais e ensina a eles que o trabalho é mais importante do que o conhecimento sobre a sociedade em que o jovem como futuro trabalhador vai se inserir. Neste sentido, ele aprende numa escola integral a se manter 8h/d num mesmo local e a obedecer ordens o dia todo, além de aprender uma profissão da qual saberá apenas o necessário para produzir sem direito ao ócio, mesmo o produtivo, e, por fim, aprende que o consumo de disciplinas que não lhe deem compreensão humana ou social é importante para ser um bom trabalhador e consumidor de empresas que estão pouco interessadas no desenvolvimento social e humano dele.
A reforma da educação não é uma mudança pedagógica, neste sentido, mas política e ideológica de direita com a preparação para os futuros trabalhadores e previdenciários para os quais trabalhar mais e desde muito cedo é a única perspectiva de vida e de sobrevivência sem qualquer garantia de benefício social, nem do tempo livre para aproveitar a vida. O estudante não poderá aproveitar a vida fora da escola, o trabalhador fora do trabalho e o previdenciário apenas um pouco mais da vida antes de sua morte. Esse é o rumo do Brasil à direita a passos largos sem qualquer perspectiva da esquerda ou das pessoas poderem evitar este caminho que a ideologia política conservadora da direita coloca como perspectiva de ordem e progresso para o país.
Mas se a educação é onde a direita calca seus princípios e recalca os direitos sociais como sempre tem sido na sociedade capitalista é a partir da educação que se deve buscar resistir. Não por acaso é a juventude que mais sofre com o rumo do país à direita que mais resiste atualmente e com a qual devem resistir todos aqueles que acreditam que são os direitos sociais e não a manutenção dos lucros das empresas e privilégios políticos que devem ser atendidos primeiro em épocas de crise. São com os jovens e neles que se deve manter a esperança contra o medo com o objetivo de que mudem a longo prazo o que a curto prazo, mesmo com toda a resistência possível, não se é capaz de mudar, no caso, o rumo à direita. Não por falta de luta, mas porque toda luta hoje é inócua diante daqueles que estão no poder eleitos democraticamente para fazerem o que bem entendem, mesmo que o que bem entendam seja o seu próprio poder e lucro.
Se não queremos cair nas ditaduras capitalistas e comunistas que mais trazem perdas do que ganhos, principalmente de vida como demonstra a história recente mundial é com a juventude que para muitos não segue nenhum rumo que o Brasil pode encontrar o seu rumo. Porém, não um rumo à esquerda novamente contra uma direita, mas independente de direita e esquerda no máximo que isto seja possível para que se mantenha a utopia de uma democracia. No caso, a utopia de que todos são iguais em suas classes sociais, religiões, sexualidade, raça, etnia, gênero, etc., algo impossível numa sociedade capitalista, na qual cada classe, religião, sexualidade, raça, etnia, gênero etc. é estimulado a ser superior ao outro, mas que é a utopia de uma sociedade que é a melhor das sociedades possíveis e não se deve modificar.
Tal utopia democrática é, hoje, o bolo que se imagina que é dividido com todos, mas cujos pedaços somente alguns conseguem apreciar e que os empresários estão tirando da boca do trabalhador para que ele pense no futuro do país e não no seu. É no sentido de pensar no país em sua ordem e progresso e não em si mesmo que as reformas econômicas e políticas de direita estão em rumo que, diferente do que pensam muitos, não é em favor de uma democracia em que todos têm seus direitos garantidos, e que alguns têm mais direitos do que outros, não porque trabalham mais, mas porque trabalham menos ao explorar o trabalho dos outros cada vez mais com mais trabalho por menos dinheiro.
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