Economia e educação

Na década de 60, economistas neoliberais americanos, principalmente, Gary S. Becker e Theodore Schultz, definiram o que seria a principal medida econômica para fazer os países retomarem o crescimento pós-guerra: investir na melhoria da qualidade de vida das pessoas, particularmente, na saúde, educação, na mobilidade urbana, na sexualidade, entre outras, de modo que as pessoas se tornassem mais produtivas no trabalho, o que esta teoria, fundamentada neste tipo de investimento, se tornou conhecida como teoria do capital humano.

Nos casos da saúde e mobilidade parece óbvio que a qualidade de vida biológica e a possibilidade de se deslocar mais rápido para o ambiente de trabalho ou morar mais perto dele tornam o corpo mais ativo e disposto ao trabalho, possibilitando o crescimento da produtividade em sua eficiência e do ganho em termos de lucro. Em contrapartida, tem-se também uma percepção imediata do ganho que isto produz seja na qualidade de vida das pessoas no que diz respeito ao seu aspecto biológico, seja no seu aspecto econômico, podendo também ganhar mais dinheiro numa ascensão profissional, caso a empresa queira dividir com seus trabalhadores seus lucros. Esta última medida mencionada por Stuart Mill já em 1869 como forma de resolver o problema da desigualdade social de bens materiais, mas não por menos dos conflitos entre patrões e empregados no capitalismo.

A saúde e mobilidade representam bem o que viria ser em outra perspectiva, não mais liberal, mas crítico social, a teoria do biopoder ou biopolítica que Foucault tão bem analisou em suas obras, quando a economia política do Estado tem como preocupação governar a vida das pessoas de modo que elas possam se sujeitar cada vez mais à produção e poder capitalista. E, sobretudo, demonstra como estes investimento em biopolítica são bem anteriores à teoria do capital econômico dos americanos, começando nos fins do século XVIII na europa e que tem seu ápice na Alemanha pós seunda guerra, com seu ordoliberalismo, política econômica adotada por ela para sair da crise. Algo cujos resultados só pôde perceber recentemente na força econômico e política alemã atual, mas que se pôde de perceber mais cedo no caso do Japão, que também sofreu uma grave crise pós segunda guerra e há tempos é um dos países com melhor qualidade de vida, mobilidade e educação do mundo ao ponto da qualidade de vida, no caso da longevidade dos japoneses, ser cada vez mais um problema à economia produtiva e previdenciária e um alerta aos demais países que investem na qualidade de vida de sua população.

Se a saúde e mobilidade permitem perceber um ganho claro na economia política dos países em crise ou em desenvolvimento haja do ponto de vista da produtividade e lucro imediato, isto não é perceptível num primeiro momento no que diz respeito à educação e tão pouco certo que vá acontecer em curto período de tempo, do modo exato, portanto, como querem os economistas ansiosos muitas vezes para obterem resultados rápidos para crises econômicas que são sistêmicas no capitalismo que tendem a acontecer a cada momento em que não pensam no futuro, apenas no ganho presente.

O fato óbvio no que diz respeito à economia e educação, apesar de começarem com a letra "e" e terem o mesmo objetivo de desenvolvimento humano, é que elas não seguem caminhos idênticos, senão contrários. Enquanto a economia se fundamenta na redução de tempo e gastos para se obter mais produtividade e lucro, a educação necessita de dispêndio de tempo e gastos sempre crescentes sem produtividade e lucro muitas vezes. Neste sentido, nenhuma medida econômica é capaz de resolver os problemas educacionais nem tão pouco medidas pedagógicas resolver problemas econômicos. O máximo que se pode fazer e acontecer é estas direções opostas se encontrarem em algum lugar no espaço, como tende de fato a acontecer.

Para que economia e educação se encontrem elas têm que obviamente deixarem de lado perspectivas próprias, seus próprios direcionamentos, pois se seguirem tal como pretendem, uma reduzindo tempo e custos, a outra ampliando-os, a crise é inevitável e todos perdem. Perdem porque a redução de custos tende a uma falta de perspectiva econômica das pessoas que tendem a ser menos produtivas em sua vida e sem ampliarem a perspectiva educacional elas tendem a se tornarem também menos produtiva haja vista que não conseguem ter nenhum interesse para além de seus objetivos mais particulares e imediatos. Da parte econômica, é preciso senão investir em mais condições para que a educação se torne possível e as pessoas adquiram cada vez mais conhecimento, independente de quando a curva do crescimento educacional tende a ser ascendente, mas investindo o máximo possível para dar condições de possibilidade de que isto aconteça. Da parte educacional, é preciso que o investimento feito tendo em vista uma perspectiva econômica seja visto não como um benefício ou direito social, ou mesmo uma sujeição ao mercado, mas como algo que se coaduna com o próprio interesse educacional de se fazer com que as pessoas adquiram cada vez mais conhecimento e possam utilizá-lo em suas vidas para melhoria de suas condições sociais, até contra o mercado se for o caso, pois nem sempre o mercado está com a razão, pois se estivesse não entraria em crise.

Foi esta conjunção de interesses econômicos e educacionais que levaram todos os países em crise pós-guerra a superarem seus problemas econômicos, ampliando as condições de possibilidade de conhecimento de sua população investindo diretamente cada vez mais recursos na educação ou indiretamente melhorando as condições de vida social de sua população na saúde, mobilidade etc. Parece óbvio neste sentido que a reforma do ensino médio não está em acordo com o que os maiores países do mundo fizeram para sair de uma crise muito maior do que a que vivemos hoje, já que não é uma crise produzida por uma guerra, mas pela corrupção dos próprios políticos e da elite econômica brasileira que não é uma corrupção simplesmente econômica política, mas de caráter, pois eles não têm a menor pretensão de melhorar as condições de vida da população em termos de educação com tal reforma do ensino médio.

O objetivo claro da reforma do ensino médio está, porém, totalmente conforme aos interesses políticos econômicos há muito existente no Brasil a cada crise econômica, principalmente o de conseguir mão de obra para postos de trabalho com o menor investimento possível em educação. Foi o que aconteceu após a escravidão quando em vez de investir nos negros libertos educando-os e pagando-lhes a partir de então um salário para que tivessem melhores condições de vida e participassem produtivamente da vida do país, a elite político econômica brasileira da época preferiu investir na importação de mão de obra europeia com baixa instrução que pudesse trabalhar nas lavouras como se a mão de obra aqui fosse escassa. Em contrapartida, o mesmo aconteceu quando houve um desenvolvimento urbano para o qual contribuiu a migração de pessoas do campo e de regiões onde as pessoas eram menos instruídas para trabalhar na indústria. É o que acontece hoje, pois não faltam empregos em muitas áreas, mas pessoas capacitadas para trabalhar nelas porque como mostra a história do país, não há uma preocupação política econômica em investir na educação do povo tornando-o mais capacitado em diversas áreas do conhecimento, e sim usar a mão de obra com o menor investimento em educação possível, os estudantes do ensino médio público, para ocupar vagas ociosas sem qualquer perspectiva educacional senão a instrumental, a de saber manusear máquinas ou prestar serviços.

O que se quer fazer com os estudantes de escola pública é que eles negligenciem cada vez mais a busca do conhecimento independente do retorno imediato para buscarem cada vez mais um emprego no mercado de trabalho sem qualquer possibilidade de ascensão posterior nele, pois uma vez no mercado de trabalho, trabalhando 8h por dia ou mais, todos sabem que é muito difícil buscar conhecimento. Como diz Schultz é preciso parar de pensar que os pobres ou o povo não sabe o que quer, tanto não é assim que é justamente o povo pobre que mais ensina nesta perspectiva econômico política de crise em relação à educação, pois não importa em que situação econômica as famílias brasileiras estejam, um mantra é entoado constantemente: é preciso estudar para ser alguém na vida! E não importa que condições as famílias estejam, elas sempre se dispõem a investir mais e mais e mais na educação de seus filhos, mesmo sem terem muitas vezes condições para isto, e os mais pobres investem tanto ou mais do que os mais ricos, pois se estes têm como sustentar financeiramente os filhos por longos anos, o pobre têm que escolher entre a comida e a educação e muitas vezes é na educação que ele investe seu parco dinheiro.

Para um governo que diz fazer o que toda família faz em casa em sua economia doméstica, percebe-se claramente que ele faz justamente o contrário do que toda família brasileira faz há muito e muito tempo e que os governos não fazem: investir cada vez mais dinheiro na educação, mesmo em tempos de crise.

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