Amor e sorte

novembro 19, 2016

Azar no jogo, sorte no amor, assim diz o ditado português, o que quer dizer que não podemos ter tudo na vida, mas também que jogos são sempre de azar e amores sempre uma sorte, pois num jogo nunca ninguém ganha senão por um breve momento enquanto no amor sempre se ganha mesmo que se ame quem não lhe ama e o amor seja apenas uma ideia platônica em nossa vida.

Azar ou sorte. Jogo ou amor. Não se pode escolher os dois, pois, afinal, isto não seria uma escolha. Esta é a lógica da escolha, do jogo, do amor, do perde-ganha. Pode-se pensar em inverter a lógica e se ter sorte no jogo e azar no amor, mas isto é uma mera ilusão de um ponto de vista platônico, pois na ideia de amor não há azar. Ninguém nunca diz Que azar! Encontrei um amor! Vou para casa dormir que o dia não está bom para mim!

Amores são sempre sorte em nossa vida, algo bom, belo, verdadeiro, como pensava Platão sobre as ideias, entre elas, a de amor sobre a qual ele se referiu longamente em sua obra Banquete, no qual se começa um Simpósio para saber o que é o amor e no qual estão Sócrates, o filósofo, Agatão, poeta trágico ateniense, Aristodemo, amigo e discípulo de Sócrates; Fedro, o jovem retórico; Pausânias, amante de Agatão; o médico Erixamaque; Aristófanes, comediante que ridicularizava Sócrates, e o político Alcibíades. A questão levantada por Platão sobre o amor diz respeito particularmente ao ditado popular cuja lógica é a de uma diferença clássica estabelecida desde muito tempo segundo a qual há dois tipos de amor: o relacionado ao corpo e seus desejos e o outro relacionado à alma e seus pensamentos, ambos relacionados à deusa Afrodite na Grécia antiga, seja em sua relação com Eros, seja em sua relação com Harmonia, sua filha com Cadmo.

Eis que se não podemos ter sorte no jogo é porque o jogo está diretamente relacionado ao desejo, sempre viciante, que doma no peito a vontade dos deuses e dos homens, como diz Hesíodo. Nenhum sucesso deste modo é possível, a não ser por um breve momento e sem conduzir à sorte que estaria diretamente relacionada ao amor, uma sorte que é permanente quando se ama alguém. E que mesmo que este alguém lhe faça sofrer em algum momento, isto não lhe traz infelicidade ou mesmo diminui o seu amor, pois se é o seu amor, e não um simples prazer proporcionado por alguém em algum momento no jogo da vida, se é feliz por simplesmente amar e não necessariamente ser amado, ter alguém que lhe faça feliz.

A diferença entre jogo e amor, entre um amor relacionado aos desejos do corpo e um amor relacionado aos pensamentos de uma alma, neste sentido, seria que no jogo precisamos sempre ganhar algo para nos tornarmos felizes e a felicidade é um momento, apenas um momento, um fortuito momento em que conseguimos vencer todos que nos impedem de obter um sucesso no jogo. Diferente disto, no amor, não é preciso ter alguém para ser feliz, o amor em si é a felicidade, pois ele é algo verdadeiro, belo e bom e não precisamos de vencer tão pouco outros que tentem nos impedir de obter sucesso nele. Somos sempre bem sucedido no amor, ninguém nos pode tirar a felicidade de amar quem amamos.

O amor e, mais particularmente, o amor pensado por Platão é uma amor que se é ideal não porque amamos alguém que é para nós uma pessoa ideal alguém que tenha uma determinada aparência na realidade corpórea que seja aceitável para nós. Tal pessoa ideal não existe e amar uma pessoa ideal não é amar verdadeiramente no sentido platônico, pois é amar apenas uma aparência que parece ou participa da Ideia de amor que se tem relacionada a esta ou aquela aparência. Mas não é um amor em si mesmo que se diz que é cego não é simplesmente porque não se relaciona à aparência, mas porque também não se podemos ver simplesmente quem amar, não sabemos a quem e quando amar. O amor nos cega totalmente a si mesmo e somente podemos nos entregar a ele, ao seu Eros e sua Harmonia, de modo pleno sem qualquer possibilidade de escolha.

O amor destrói, por fim, a lógica do jogo de perde e ganha e impõe a lógica de que todos ganham quando amam de qualquer modo que se ame e a quem se ame. Ele impõe a sorte em vez do azar e não deixa que nunca nos sintamos derrotado por alguém, vencidos por alguém, cegos por alguém que nos quer derrotar e nos engana de algum modo para conseguir isto, a não ser pelo amor mesmo que nunca nos engana a não ser aqueles que não aprenderam ainda o que é amar. Pois de fato não é fácil amar, ter sorte no amor quando é apenas um jogo que se tem em vista, um jogo de carinho e carícias, de entregas momentâneas que satisfaçam um pouco aqui e ali o ego e o egoísmo de alguém que quer a felicidade no outro e não em si mesma, quando se tem uma amor pela presença de algo ou alguém em sua vida, mas não a felicidade de amar algo ou alguém na vida.

É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã, porque se você parar pra pensar não há... como disse Renato Russo, pois não há amanhã para o amor, a presença de algo que lhe faça pensar no futuro. O amor é sempre o presente em si mesmo em toda a sua intensidade dado a cada pessoa que ama sem se preocupar com o amanhã, pois o tempo já não importa a não ser em si mesmo no amor que se apresenta nele a cada momento que amamos alguém ou algo. O filósofo, como diz a própria palavra filosofia é aquele que ama a sabedoria, mas a sabedoria não é o amor, ela também está submetida ao jogo do perde e ganha e ao azar. Aquele que escolhe amar a sabedoria ama assim algo que deseja para si, que lhe deixe feliz em algum momento, mas para conseguir isto ele sabe que também perde a sorte do amor e muitas vezes não percebe como muitos que o amor não está na sabedoria, mas em si mesmo.

Amar as pessoas como se não houvesse amanhã, isto é, amar em si mesmo, independente do que aconteça é algo que dificilmente se consegue, pode-se pensar, e esta é uma divisa que Platão, mas não apenas ele, colocou em relação ao amor, que ele é uma Ideia inalcançável em nossa vida, que muitos na modernidade passaram a ver com o amor romântico e nos filmes e novelas contemporâneos sempre aparece no fim da história como um final feliz em que se vive eternamente com quem se ama. Tal amor, deste modo, é inalcançável na realidade natural da vida onde reina a lógica do perde e ganha, mas não na realidade ideal da vida, aquela em que amar é conjugar o verbo dizendo simplesmente eu te amo, sem se saber porque se diz isto, pois o amor não está nas palavras, tão pouco na realidade, mas em si mesmo, em cada pessoa que conjuga o verbo amar para alguém, não importa quem seja.

Dizer eu te amo é ter a sorte de amar, de ter um amor em sua vida, e é muito diferente de dizer que se ganhou na loteria, num jogo cujo azar está sempre batendo a porta pra lhe fazer infeliz. Para quem diz eu te amo a felicidade nunca é passageira, e, sim, sempre eterna enquanto dura o amor, pois ele é infinito enquanto dura, e quem pensa que ele apenas dura um instante, nunca viveu um instante de amor para saber quando tempo ele dura em sua vida.


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