A globalização e a nova onda em defesa do Estado Nação
Assiste-se atualmente um pouco atônito ao levante da nova onda de direita e extrema direita que assume o poder no mundo semelhante ao que aconteceu às vésperas da Segunda Guerra Mundial quando os Estados Nações fascistas, comunistas e capitalistas se fortificaram cada um ao seu modo em busca de uma soberania particular, mas também em busca de uma soberania mundial. A defesa de um nacionalismo do Estado na recente eleição de Donald Trump para presidente nos Estados Unidos, a fortificação do poder de Vladimir Putin na Rússia, as defesas de um nacionalismo em vários países do leste europeu, na Alemanha e na França, o recém impeachment de Dilma Roussef do PT e a tomada de poder por Michel Temer do PMDB no Brasil são demonstrações claras desta nova onda que se torna cada vez mais forte, mas de modo silencioso como um tsunami, que invade a praia e arrasa tudo que encontra pela frente. Tsunami que é uma representação natural muito objetiva do que acontece hoje em dia desta tomada de poder do Estado Nação e que não é muito diferente do que aconteceu no passado quando os Estados Nações se fizeram presentes em seu poder de destruição bélica.
A questão hoje, porém, é diferente do que aconteceu até 1945 e muito semelhante à experiência do professor Ron Jones com estudantes de ensino médio em uma escola americana em 1969 quando estes duvidaram que seria possível o nazismo existir num Estado Nação civilizado ou com pessoas esclarecidas, por exemplo, como o norte-americano. Isto porque, diante desta questão, o professor propôs um trabalho escolar que seria a constituição de um movimento chamado A Onda (The Wave) no qual os estudantes aprenderiam diversas características do Estado Nação nazista sem que soubessem disto. O que era, porém, um trabalho escolar cresceu ao ponto de se constituir num neofascismo dentro da escola com todas as características dos Estados Nações fascistas, mas também dos Estados Nações comunistas e capitalistas em busca de aumentar seu poder e desejo de serem soberanos, defendendo-se de tudo e de todos que o ameacem.
O que foi uma experiência traumática e fora de controle numa pequena escola norte-americana é atualmente o modelo mais representativo e assustador da realidade mundial atual quando muitos se perguntam como, depois de todo o processo de globalização político, econômico e cultural pelo qual o mundo passou nos últimos 60 anos pós-Segunda Guerra Mundial, que abriu as fronteiras o máximo que pôde dos Estados Nações, se vê um retorno tão abrupto a uma realidade que seria para muitos apenas as páginas de uma história que já faz parte do passado. Em outras palavras, como pode todos os Estados Nações que sofreram diretamente com o levante nacionalista extremado que motivou a Segunda Guerra Mundial e que decidiram abrir suas fronteiras para uma relação mais próxima e globalizante ensejarem e retomarem um discurso nacionalista beligerante motivados novamente por um ódio a tudo que é estranho e estrangeiro a si. Enfim, como pode acontecer que a experiência da era dos extremos que foi o século XX, segundo Eric Hobsbawn, no qual foram produzidas as maiores atrocidades em defesa dos Estados Nações, ao contrário de fortalecerem a ideia de diferença de povos, culturas, economias e políticas e de valorizar estas diferenças externas entre os Estados Nações e internas também a eles em cada uma de suas civilizações, isto é, de fortalecerem cada vez mais a globalização, como a experiência de toda esta destruição fortalece atualmente a ideia de um identidade novamente dos Estados Nações em defesa de si próprios.
Contudo, como analisou e antecipou muito bem Walter Benjamin em dois textos pós-primeira guerra mundial, Teorias do fascismo alemão (1930) e Experiência e pobreza (1933), a percepção que se tem da perda de uma guerra pode ser de dois modos. Primeiro, um emudecimento cada vez maior da voz em sua vontade de narrar a guerra diante de toda a fragmentação da realidade destruída por ela, como nos combatentes que voltam dela e nada tem a relatar sobre si, por serem incapazes de descrever a realidade dela e depois dela devido o trauma que ela produziu neles. Em segundo lugar, um altivamento cada vez maior da voz em sua vontade se de construir uma narrativa que retome a necessidade da guerra, que faça da destruição que ela produz a possibilidade mesma da existência e da vida em prol da guerra, como as narrativas da coletânea Guerra e Gerreiros, editada por Ernst Jünger, comentadas por Benjamin em Teorias do fascimo alemão que representa não apenas uma antecipação do levante do Estado Nação fascista alemão, mas também dos Estados Nações comunista e capitalista em sua busca de soberania bélica mundial com máquinas e armas cada vez mais letais. Infelizmente, a história que foi produzida depois da Primeira Guerra Mundial, a que se conhece em seu conceito atual, como não poderia deixar de ser, se foi produzida pelos vencidos, aqueles que perderam a primeira guerra, não foi a dos que se emudeceram diante dela, pois, diante de sua própria condição, emudeceram ao ponto de não serem ouvidos ou lembrados, como acontece ainda hoje, mas foi a dos que, vencidos, impuseram a altivez de sua voz e fizeram da dor e sofrimento da perda da guerra a motivação para a defesa do Estado Nação alemão, e defesa de todos os outros Estados Nações na Segunda Guerra Mundial cujas atrocidades e perdas produzidas também são silenciadas e esquecidas hoje por aqueles que defendem o Estado Nação.
Como em muitas questões, a resposta já está presente nelas, nestas não é diferente. A globalização que foi por um momento um resultado positivo para a crise mundial política, econômica e cultura pós-Segunda Guerra Mundial, se tornou negativa, pois levou a uma crescente dissolução da identidade dos Estados Nações ao ponto de muitos indivíduos que fizeram parte senão do crescimento, desenvolvimento e defesa deles no século passado busquem retomar a defesa a ideia de seu Estado Nação numa melancolia pela perda dele. No caso, tal como Hitler fez com os alemães pós-primeira guerra em prol do nazismo, Stalin pós-revolução russa em prol de si próprio na ex-União Soviética e Franklin Roosevelt pós-crise da bolsa de 1929 em defesa do capitalismo dos Estados Unidos com o Welfare State. A globalização se tornou um problema não tanto por ter colocado culturas, políticas e economias diferentes em relação cada vez mais próxima uma com a outra, mas por estas relações aproximadas terem se tornado prejudiciais à própria identidade que cada indivíduo tem em relação a seu próprio Estado como uma terra natal, o território em que nasceram, cresceram e querem morrer defendendo como nação. O que isto levou a uma crise de identidade não apenas deles como indivíduos, mas do Estado enquanto nação na medida em que aqueles que nascem, crescem, se desenvolvem e até mesmo morrem em defesa dele não são originários dele, pois se nasceram nele não têm as características físicas ou mesmo não fazem parte da história deste Estado em sua origem. São indivíduos cujo passado não pertence àquela terra natal que cada povo tem como sua, uma terra natal que se é geográfica quanto ao limite territorial de um Estado é sobretudo imemorial fazendo parte da imagem de pensamento do Estado que elas têm como sua nação e que não é de todos ou para todos, apenas deles e para eles, originários dele e dela.
É em defesa desta imagem de pensamento de uma terra natal que constitui todo e qualquer Estado Nação destruída ao pouco pela globalização com a integração de vários Estados Nações entre si e de vários povos deles em cada um deles que se vê o levante da direita e extrema direita que defende e sempre defenderá a soberania dos Estados Nações. Uma defesa que se é assustadora devido a todo o esclarecimento sobre as consequências da defesa de um Estado Nação está inteiramente conforme à constituição deste, como pressupunha Schiller em sua educação estética política, ao tentar sensibilizar os indivíduos para abdicarem de seu estado de natureza em defesa de um estado político. Em outras palavras, ao defender não apenas que o Estado seja composto por uma racionalidade absoluta dos indivíduos, ou por ignorante, mas, principalmente, por indivíduos nos quais se tenha desenvolvido uma sensibilidade absoluta de pertencimento ao Estado Nação, isto é, se tenha desenvolvido todo um nacionalismo. Enfim, que o Estado não fosse a identidade racional absoluta de um povo em sua organização, mas, principalmente a identidade sentimental absoluta de um povo como nação.
Se a direita e extrema direita celebra seu alcance de poder cada vez mais diante da crise política, econômica e cultural dos Estados Nações, esta crise não é, todavia, culpa da globalização, como a crise no Brasil não é culpa do PT, ou a crise das maiorias identitárias culturais não é culpa das minorias (étnicas, sexuais, religiosas, de gênero), por fazerem surgir todas as oposições a elas ao defenderem seus direitos. Isto é, não é culpa das diferenças que buscam cada vez mais seus direitos contra a identidade dos Estados Nações em sua cultura, política e economia que fizeram despertar o Leviatã e a necessidade de segurança por meio dele. Este monstro que adormece em águas profundas inconscientes de cada indivíduo e do Estado Nação desde sua origem tem sono leve e qualquer sussurro contra si desperta sua ira divina. Ademais, ninguém precisa despertar o ódio que existe em cada indivíduo em sua identidade com o Estado Nação, pois este ódio é tão profundo em seu ressentimento e negação da vida que ninguém consegue prescrutar e demover, já que tudo que ele quer e verdadeiramente quer é a destruição de tudo e de todos que são contra ele. Há um profundo sentimento de que o que ele quer é a verdade para o Estado Nação, mesmo que a verdade deste não seja mais tanto o que ele quer, que a razão deste Estado Nação, não esteja mais tão absolutamente conforme a este sentimento, que os sentimentos dos indivíduos pelos Estado Nação sejam atualmente uma multiplicidade que transborda a todo instante as fronteiras do Estado e da nação, que não se viva mais a identidade deles, mas as diferenças dentro e fora e deles, e que o Estado Nação seja apenas um limite de domínios e não mais um território propriamente dito, seja agora uma Terra comum para todos, originários ou não dela.
A crise de identidade dos Estados Nações atuais, isto é, dos indivíduos que defendem o Estado Nação, foi o que produziu o levante das direitas e extremas direitas atuais. Se esta crise de identidade dos indivíduos do Estado Nação tem relação com todas as diferenças em relação a ele que se constituíram desde meados do século XX com o desenvolvimento de uma globalização política, econômica e cultural é porque a defesa de uma identidade, individual e do Estado Nação, sempre vê nas diferenças uma negação de si mesma, uma oposição a si, ao seu próprio desenvolvimento, à sua vontade e representação de si mesmas. Neste caso, não é simplesmente a presença do outro em sua diferença que faz os defensores da identidade do Estado Nação se enraivecerem, ao ponto de querer expulsar ou matar todos aqueles que são diferentes deles, mas é a possibilidade de mudança de identidade dos indivíduos e do Estado Nação, ou ainda, dos indivíduos com o Estado por meio de um sentimento de nação, que faz emergir o Leviatã, esta força divina destrutiva a qual eles recorrem para segurança de sua própria identidade. Incapazes de se modificarem em sua identidade, de serem diferentes e de se verem de modo diferente em sua relação com o Estado globalizado em suas nações, os indivíduos que defendem a identidade do Estado Nação, até então entrincheirados em seu sentimento diante da racionalidade do mundo globalizado, agora retomam sua busca de identidade e de serem eles próprios a verdade do Estado.
Se os indivíduos que defendem a identidade deste Estado Nação terão o mesmo poder de antes ou serão mais fortes que antes, depende da vontade de poder que se oporá a ele, não deixando que a moral dos escravos que eles representam com o Estado Nação prevaleça sobre a moral dos senhores que os Estados globalizados fez emergir, ainda que timidamente, em cada parte da Terra, essa terra natal eternamente comum a todos independente dos territórios e fronteiras que constroem sobre ela em busca de poder, porém, sem nunca alcançarem o poder que ela tem, no fim, sempre se submetendo ao poder dela.
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