Aquele um centavo vagabundo
Tal prática é abusiva tendo em vista que não sendo possÃvel ter um troco de 1 centavo, este centavo perambula sempre de sua caixa registradora a outra em cada comércio de produtos. Se alguém fizer uma reportagem, com certeza, o DECOM, em defesa dos consumidores como toda e qualquer instância representante das leis do Estado, vai dizer que é um direito do consumidor o troco correto, que ele deve reclamar de quem faz tal prática abusiva. Contudo, o DECOM vive numa realidade que não é a cotidiana como é de praxe no Estado, adotando leis que não se aplicam no cotidiano e nem ele é capaz de vigiar, não sabe o quanto, por 1 centavo, uma pessoa pode matar outra, e tão pouco ele é capaz de evitar seja o 1 centavo seja o conflito que ele insiste em que as pessoas vivam em busca dos seus direitos. Pois é de não menos de praxe do Estado, em vez de fazer seu papel regulador da vida social das pessoas, apenas ficar olhando para ver o conflito que resulta delas para, aà então, tentar fazer alguma coisa.
Enquanto isso... Aquele 1 centavo passa de mão em mão, porém, sempre fugindo das mãos do trabalhador que vê seu dinheiro perambulando de sua conta a do comerciante sempre que faz suas compras em dinheiro. Pois, se há uma mão invisÃvel segundo Adam Smith que equilibra os preços dos produtos numa concorrência que torna rica as nações de empresários e polÃticos, esta mão invisÃvel somente aparece em relação ao preço dos produtos, não em relação ao salário do trabalhador cujas contas nunca se equilibram diante da mão invisÃvel capitalista. Ademais, nada mais significativo do que a expressão mão invisÃvel para explicar o próprio capitalismo em sua busca de lucro a partir da produção, distribuição e consumo de um produto, seja passando invisivelmente a mão no trabalhador quando este produz algo sem perceber sua alienação produtiva, seja passando a mão nele no consumo de produtos sem perceber sua alienação consumista, como no caso do centavo vagabundo.
Pensar que tal centavo não tem importância nenhuma demonstra o quanto o trabalhador é alienado em relação à sociedade capitalista em seu cotidiano, pois enquanto este centavo não é importante para ele, é simplesmente economizando centavos que o capitalista lucra cada vez mais em seus negócios. E não precisa pensar muito ou ler todo O capital de Marx e ser comunista para pensar: se não é importante aquele centavo, por que ele é onipresente nos preços dos produtos? Por que faz tanta diferença para o capitalista colocar R$ 0,99 em vez de R$1,00?
É óbvio que a ideologia capitalista de lucro não é a ideologia salarial do trabalhador, pois enquanto este deprecia o pouco que ganha em cada compra de um produto, aquele valoriza o pouco que ganha na venda de seus produtos. Ele sabe quanto vale cada centavo em sua produção diferentemente do trabalhador que pouca conta faz de cada centavo. Perceber o centavo vagabundo de caixa em caixa registradora ou mesmo ali no chão é o que faz todo capitalista lucrar cada vez mais diferente do trabalhador que, talvez, ao ver aquele centavo no chão o pegaria e o devolveria ao chão por não ter nenhum valor para ele.
Porém, perceber a alienação em relação a este centavo vagabundo não resolve o problema cotidiano de vê-lo partir da renda do trabalhador para o lucro do comerciante, do distribuidor e do empresário capitalista. Tão pouco resolve o problema estabelecer um conflito cotidiano pelos centavos perdidos de modo paranoico como o Avarento de Molière como geralmente quer os órgãos de defesa do consumidor. Afinal, quem vai querer brigar por um centavo? O capitalista, não o trabalhador, pois este sabe que sempre perderá tempo e tempo é dinheiro, a coisa mais importante no capitalismo muitos aprenderam e, ainda assim, não sabem direito o que significa no regime produtivo, distributivo e consumista capitalista.
Apesar de insólita e problemática do ponto de vista da prática cotidiana na medida em que ela pressupõe um conflito de interesses que pode gerar um conflito de forças e violento, o centavo vagabundo constitui uma prática que apenas vigora quando há o envolvimento de dinheiro na compra e venda de produtos e se requer, portanto, um troco nela, aquilo que é devido ao consumidor quando ele paga a mais por algo. O dinheiro, como bem explicou Marx é o valor de troca universal dos produtos comercializados na sociedade capitalista, pois tudo deve ser trocado por dinheiro para poder ser trocado por outra coisa. E é isto que separa para quem não sabe o comunismo do capitalismo, pois no comunismo há o valor de troca comum de um produto por outro, sem intermediários e sem troco, já que é uma troca propriamente dita na qual o valor presente na troca é determinado é pelos produtos trocados por ambas as partes como de igual valor, independente da forma, do volume, do tamanho ou da afetividade que se tenha. Alguém desesperado por água no deserto a ponto de morrer de sede e carregue consigo um Van Gogh o dará em troca de água sem dúvida nenhuma se alguém o forçar a isto, pois o conatus, isto é, seu desejo de permanecer vivo segundo Espinoza é mais importante que o Van Gogh que carrega. Ou não, e, neste caso, ele prefere trocar a vida pelo seu quadro do que o quadro por água, mas dá no mesmo, pois é sempre uma coisa que é trocada por outra, um ser por outro ser, sem qualquer intermediação do dinheiro.
No capitalismo, diferentemente, tudo que existe é trocado por dinheiro desde que haja um valor para o outro e alguém queira trocar. Não importa o que seja, o dinheiro constitui o valor de troca universal que é o preço propriamente dito que algo vale. É o dinheiro que constitui a riqueza das nações, a pobreza do trabalhador no seu dia a dia, desde que ele se preocupe apenas em gastá-lo sem perceber os centavos vagabundos que despreza como sem valor algum, mesmo que estejam sempre presente em cada momento de sua vida nos preços dos produtos.
Porém, o dinheiro, apesar de ser o que move a sociedade capitalista ainda hoje é cada vez mais virtualizado, isto é, não existe de modo fÃsico, passando de mão em mão e caindo no chão como moedinhas que adoram a lei da gravidade. É neste ponto que o trabalhador pode recuperar o seu centavo vagabundo na medida em que deixe de fazer compras com dinheiro e passe a fazê-las com cartão de crédito ou débito. Sem a necessidade de trocos nas trocas de dinheiro por mercadorias, os comerciantes, distribuidores e empresários capitalistas não ganham os centavos vagabundos dos trabalhadores que veem assim uma justiça ser feita a cada troca sem o conflito gerado pelo centavo que se transformou em bombom ou ficou invisÃvel no troco. Talvez se diga que, porém, os preços aumentam quando são compras a cartão, contudo, não quando se compra um pão na padaria, uma roupa na loja ou paga-se um imposto num órgão de governo com preços diferentes no cartão e a dinheiro. Em nenhuma destes casos, o preço dos produtos ficam mais baratos, de modo que são em pouquÃssimas transações comerciais nas quais os valores em dinheiro e no cartão são diferentes e os valores conseguidos em dinheiro podem ser conseguidos também no cartão dependendo da negociação.
Vilão muitas vezes das pessoas por alienarem-nas de seus gastos, os cartões de crédito também ajudam a pagar o valor exato pelos produtos evitando que o centavo vagabundo nunca passe nem pare na renda do trabalhador. Pode não fazer diferença para ele isto, mas as trocas comerciais capitalistas são radicalmente transformadas hoje pela tecnologia que faz com que cada centavo valha o que vale e não a mais do que ele é. E, neste sentido, a mais-valia dos trocos que o capitalista tem a cada troca é inibida ao ponto de não mais existirem a não ser como prática comum de se colocar um preço a R$ 0,99 em vez de R$ 1,00, sem gerar ganho algum da parte dele com isto, já que não mais possibilidade de ganhar com o troco na troca.
Assim, se nenhum produto de R$ 0,99 é um produto de R$ 1,00 para o capitalista, cada vez mais, com as trocas virtuais de dinheiro por mercadorias através dos cartões substituindo as trocas reais, ele tende a não ser também para os trabalhadores, e se a exploração dele em relação ao trabalhador não será abolida por esta prática econômica cotidiana, tão pouco por um Estado e por uma revolução que talvez nem pense nisso quando se arvora nas ruas, tão pouco o trabalhador comprará gato por lebre utilizando cada vez mais o cartão de crédito para reduzir sua alienação quanto ao capitalista, a começar por aquele centavo vagabundo.
Nenhum comentário: