Uma por todos, todos contra uma

O ódio à Dilma criado pela oposição após sua eleição no segundo mandato e que culmina com o seu impeachment não é algo sentido apenas pela oposição, mas também por todos os partidos que eram seus aliados, bem como do PT, seu partido, que, em sua ideologia, se viu cada vez mais oposto ao governo dela independente dele e cuja nomeação forçada de Lula para ministro por ela decretou agora o fim de seu mandato, fazendo Eduardo Cunha acelerar o trâmite do impeachment para o bem de todos os partidos. Que seu mandato tenha acabado com a nomeação de Lula não é algo sui generis, mas sintomático do que é a política no Brasil, que não tolera mulheres no governo.

O impeachment de Dilma é bom para todos, menos para ela obviamente, que, depois de ser torturada por ditadores militares, se tornou o fantoche de uma política a qual não pertence nem como mulher, nem como gestora. Uma política que odeia mulheres no seu caminho e que odeia mais ainda a gestão delas no poder. Basta lembrar das mulheres que ascenderam a cargos executivos em prefeituras, governos e, com Dilma, do país, e ver como são lembradas como más gestores não pertencentes ao espaço público no qual se faz a política e como contra elas não bastam fatos e sobram argumentos que as intimidam a ocuparem este espaço. Em Fortaleza, por exemplo, foram duas mulheres gestoras que ocuparam o cargo de prefeitas, Maria Luíza em 1986, Luizianne Lins em 2004 e 2008, ambas do PT, e que hoje são lembradas com mal gosto por parte da população. O declínio vertiginoso de Luiza Erundina, também do PT, quando prefeita de São Paulo em 1983 depois de medida "polêmica" por aumentar o IPTU de imóveis de maior valor, também demonstra como as mulheres na medida em que enveredam pelo espaço público, e são contra uma hegemonia masculina e de poder, são cada vez mais engolidas pela política que não é feita para elas, menos por incapacidade delas, do que por exporem aquilo que os homens não querem, uma melhoria na política.

Que Maria Luíza tenha sido expulsa do PT em 1987, no auge da crise política que ela enfrentava na prefeitura sem nenhum apoio político, que Luiza Erundina tenha saído do PT em 1998, e Luizianne Lins amargue atualmente um ostracismo político dentro do PT, demonstra que o impeachment de Dilma é mais do que um evento histórico sem passado algum, mas uma tendente ojeriza à participação das mulheres na vida pública, inclusive no PT, que tem em seu caso mais recente, Marta Suplicy e antes dela Marina Silva. Uma ojeriza que aumenta se elas constituírem um poder a qual os homens não lhe dão o direito, no caso de Dilma, de governar o país à revelia do PT e de seus partidos aliados, principalmente o PMDB. De modo que o impeachment dela é, mais do que uma consequência de sua má gestão, mas um sintoma a mais de que a política no Brasil não pode ser gerida por mulheres sem que elas sejam amparadas pelos senhores da política, os homens.

Dilma não tolerou nem o PT em sua ideologia, nem o PMDB em sua falta de ideologia, e constituiu no Brasil uma política ímpar na história do país, ao governar sob seu próprio pensamento político, o guerrilheiro, que, por mais que faça parte de um aparelho de Estado, é sempre oposto a ele, como uma máquina de guerra, como demonstram Deleuze e Guattari em Mil platôs. A guerrilha de Dilma, porém, a entrincheirou no Planalto no qual se vê presa, como antes fora aprisionada por torturadores militares, e em menos de um século ela vivencia o que de mais podre tem na política brasileira, o conservadorismo de militares e políticos voltados para seus próprios interesses, que desejam o poder pela força e pela dinheiro, e a ideologia social revolucionária que mata quem se opõe a ela. Guerrilheira e entrincheirada, Dilma representa hoje os poucos que não toleram tal política conservadora e revolucionária que inclui o PT paranoico e esquizofrênico em sua história mais recente com Lula, símbolo do paternalismo nordestino mais conservador, que, apesar de suas ações políticas "revolucionárias" socialmente nunca deixou de fazer o que fez recentemente, colocar Dilma e todos os aliados dela em seu devido lugar, abaixo dele, como símbolo do poder no PT e de governo.

O PT que encampou movimentos em favor de Dilma nos últimos meses em decorrência do andamento do pedido de impeachment não foi, porém, o partido que se mostrou favorável às políticas dela, cada vez mais à direita, que estava cada vez mais "manchando" sua história. Curiosamente o PT não viu sua história manchada com José Alencar ser um empresário vice de Lula na presidência do país, por ter se aliado a José Sarney e Antônio Magalhães, ambos símbolos do coronelismo no Maranhão e na Bahia respectivamente, por ter também o apoio de Fernando Collor de Melo, presidente que sofreu impeachment por corrupção, e por se aliar ao PMDB, principal partido aliado do PSDB nos dois mandatos de Fernando Henrique e que agora volta a se aliar a ele, depois que Dilma, não o PT e Lula, lhe virou as costas. Em outras palavras, se Dilma caminhava cada vez mais à direita em vez da esquerda, por forças das circunstâncias de uma política petista que deu certo por um lado, o social, principalmente no caso dos miseráveis e de classe média, mas não deu certo por outro, o econômico, o dos empresários e investidores financeiros externos, eis que o PT resolveu endireitar de vez seu caminho, servindo-se dela para seu próprio benefício, e para o benefício de todos os demais partidos.

No caso dos partidos que fazem oposição à Dilma e dizem reiteradamente que ela não sabe governar é óbvio o benefício para eles, pois a arte de governar que eles têm em mente é uma só: de homens e para homens, isto é, que beneficie a eles em seus interesses de poder econômico e político, algo que Dilma não se mostrou de fato ser capaz de fazer. Primeiro, por não ser uma mulher recatada e do lar como é a futura primeira dama do país, mulher de Michel Temer, como estampou uma revista em sua capa. Em segundo lugar, por não querer decididamente beneficiá-los em seu jogo sujo de poder que inclui toda a corrupção na Petrobras deflagrada com a operação Lava Jato que pesa sobre muitos políticos fatos incontestáveis de corrupção e nenhum sobre ela. De modo que se há um benefício no impeachment de Dilma, é o de perpetuar a arte de governar corrupta dos partidos que fazem oposição a ela e se viram cada vez mais no holofote a chamar o Batman para combatê-los, alguém que, como bons Coringas, eles não querem ver nem de longe bater em sua casa com a Polícia Federal. Eles preferem o Superman Sérgio Moro como super-herói que salve sua política corrupta em busca de um único vilão, Lex Luthor, o Lula, e, na ausência dele, Dilma.

No caso do PT e dos partidos de esquerda que lhe restam com aliados, os benefícios são mais políticos do que econômicos, pois em meio a medidas cada vez mais austeras de poder econômico visadas por Dilma para tirar o país de uma crise econômica criada pela política econômica paternalista de Lula, a despeito dos benefícios sociais dela, o PT se viu cada vez mais distante dos movimentos sociais e Lula do imaginário popular, ainda mais acusado por diversos casos nunca explicados em sua totalidade e depois que decidiu ser ministro para fugir de uma prisão imediata que acabaria com suas pretensões ainda políticas. Cada vez mais oposto à política de Dilma que alijava sua base aliada, a conservadora e a revolucionária, o PT se vê agora beneficiado com o impeachment de Dilma, seja por, depois dele, ser amparado novamente pelos movimentos sociais que voltaram a ficar do seu lado ideologicamente, seja por fazer voltar Lula ao imaginário popular e dos partidos opositores depois da nomeação dele por Dilma para ministro da Casa Civil, porém, sem nunca ter tomado posse, frustrando o juiz Sérgio Moro em sua investida de "super-herói" popular, o Superman com todas as cores da bandeira dos Estados Unidos, para o qual muitos brasileiros em seu "orgulho nacionalista" ferido resolveram ir para o bem deles próprios. O que, neste sentido, como diz o ditado popular, com o impeachment de Dilma, o PT mata dois coelhos com uma cajadada só, deixa de ser identificado com políticas de direita e volta a ser a oposição que todos sempre quiseram que ele fosse e que deixara de ser quando assumira o poder, ainda mais no segundo mandato de Dilma.

Incapaz de suprir os anseios ideológicos sociais do PT, e dos movimentos sociais de seus partidários, e os anseios da total falta de ideologia social dos partidos de oposição ao PT, e dos movimentos sociais autodenominados não por acaso de "apartidários", Dilma é mais do que um bode expiatório de uma política que governa o país para o bem dela própria, como se vê nas propagandas dos partidos atualmente em "defesa da democracia" e "contra o golpe". Dilma é a trincheira fincada para sempre na história do país de que qualquer mudança política alheia à perspectiva de poder machista, militar, conservador ou revolucionário não é algo impossível, mas totalmente indesejável pelos políticos brasileiros e o povo que eles representam.

Um poder machista, militar, conservador e revolucionário que agora são todos contra Dilma e que se o impeachment dela é algo certo, seu único e maior crime terá sido senão este, o de ser uma por todos aqueles que praticam a política de guerrilha opondo-se ao poder machista, militar, conservador e revolucionário que mata todos aqueles que se opõem a eles.

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