O sabor da terra

Comida tem gosto de terra. Quando comemos é a terra que saboreamos em todos os seus sabores e aromas. Não porque as comidas vêm da terra simplesmente, mas porque é a terra que elas nos remetem mais intimimamente em nosso inconsciente. Uma terra que é nosso lar, nossa casa, ainda que nos separemos dela com nossos passos a cada instante.

O filme A 100 passos de um sonho (The Hundred-foot Journey, 2014), de Lasse Hallström, produzido por Steven Spielberg e Oprah Winfrey, uma adaptação de romance homônimo de Richard C. Morais, é mais do que um filme sobre gastronomia. É uma filme sobre como a comida é parte de um povo, de uma nação, de uma terra feita por sabores diversos que conflitam entre si, mas não deixam de se harmonizar no paladar. Nele, duas culturas de culinárias tradicionais e clássicas duelam para mostrar como cada uma consegue fazer da terra seus pratos principais e conquistar clientes para seus restaurantes, um de frente para o outro, face a face com seus próprios egos. Mas isto apenas por um breve momento, pois no mundo da gastronomia, sabores se misturam e se renovam como a terra a dispor seus sabores àqueles que a cultivam com amor.

Separados e unidos ao mesmo tempo por uma rua, os dois restaurantes, La Saule Pleureur e o Maison Mumbai, separam duas culturas que, em princípio, declaram guerra uma a outra, entricheiradas em suas cozinhas e atacando sempre que possíveis a golpes de facas cortantes. Contudo, tudo muda quando a rua que os separa em princípio os une, pondo-os lado a lado no sonho de Hassan Kadam se tornar um grande cozinheiro, e o filho de Papa Kadam atravessa a rua para se tornar o chef do La Saule Pleureur de Madame Mallory. E de lá segue seu caminho para um famoso restaurante francês em Paris em busca de mais uma estrela de Michelin, assim como conseguira para o La Saule Pleureur, a segunda, após 30 anos

Cheio de vida a cada mexida de panela, onde os sabores da terra encorpam, se misturam e ganham cada vez mais sabor com a mistura de culturas, A 100 passos de um sonho é um filme que nos enche os olhos de água, mais do que a boca, ao vermos a beleza do encontro de culturas diversas que aprendem a conviver à mesa e em seus corações, pouco a pouco se abrindo uma a outra, em emoções que vão além dos sabores e aromas. Culturas que aprendem a comer juntas e a dividirem juntas suas alegrias e tristezas num mesmo espaço, não mais dividido por uma rua, mas compartilhado a partir dela, sem limite algum. Culturas que se apagam em suas diferenças sem deixarem de ser diferentes como os sabores da terra que se misturam no prato e na boca sem se oporem misturando dois povos num omelete que só podemos comer com os olhos. 


Os olhos que a terra há de comer. A terra que saboreamos em vida e que nos saboreia em morte alimentando sempre novos sonhos. Terra da qual partimos e a qual sempre retornamos em cada colherada, sem nunca a deixarmos em nosso a-partamento.

Nenhum comentário:

Tecnologia do Blogger.