A filosofia


Segundo Deleuze, há um momento em nossa vida em que é preciso responder objetivamente o que é a filosofia, o que isto acontece, segundo ele, na velhice, neste momento em que não temos mais preocupação e que temos uma liberdade que até então não tínhamos para nos dedicarmos a esta resposta.

Para responder o que é a filosofia não é preciso ficar velho, ser velho de fato, mas envelhecer parece ser a condição de não ter mais com que se preocupar na vida e poder se deter naquilo que geralmente não nos importamos ou não nos deixam nos importar. Algo que é somente nosso, para nosso proveito, que pode até parecer inútil para muitas pessoas, mas não é para nós. Ademais, talvez seja extremamente importante na medida mesmo que interessa apenas a nós. Em relação a isto, a liberdade para se deter nisto com que nos preocupamos durante toda a vida, no caso dos filósofos a filosofia, somente surge durante a velhice.

Apesar de não precisarmos envelhecer para responder a esta questão, apesar de termos tempo de vez em quando para respondê-la, de estarmos despreocupado muitas vezes de outras coisas, permanece ainda a dúvida do porque não nos dedicamos a ela para tentar respondê-la antes da velhice e, assim, não nos preocuparmos mais com ela. Porque a adiamos sempre além do tempo que talvez não se precisasse para respondê-la, porque não a respondemos logo ao primeiro cintilar do pensamento em relação a ela. Porque, ademais, mesmo a respondendo a partir de muitos outros filósofos ainda não nos contentamos com esta resposta ou nos contentamos ao ponto de não preocuparmos mais com ela quando alguém simplesmente nos pergunta a seco, sem rodeios e sem cerimônias, como uma criança ainda imberbe de conhecimento: o que é a filosofia?

Mafalda, personagem das tirinhas do ilustrador Quino, certa vez faz esta pergunta a seu pai e ele não sabe respondê-la. Pouco depois, o vemos desesperado procurando em livros uma resposta para dar Mafalda como se ela estivesse ali em algum lugar e ele a pudesse encontrar, bastando para isto ler muito, tudo que podia. Parece estranho que uma menina como Mafalda se preocupe com isto, podemos pensar, mas ela é somente uma criança como outra qualquer perguntando pelo que não sabe ainda. Parece mais estranho ainda que seu pai procure esta resposta nos livros como se a filosofia fosse algo que se pudesse ler, ver-se objetivamente como resposta ali, tal como diz Deleuze que chega o momento em que assim ela deve nos parecer.

De fato, os filósofos se preocupam constantemente com esta pergunta que não é feita a nenhuma outra pessoa em relação à sua condição social relacionada ao que faz. Mais do que uma preocupação dele é, portanto, uma preocupação de todos saber o que é isto mesmo que ele diz, para muitos, numa língua estrangeira, mais do que isso, antiga, como a hieroglífica egípcia cravada nas paredes do pensamento para a qual não há muitas vezes tradução. Todos querem uma resposta e não apenas o filósofo, mas o filósofo também ele não sabe muitas vezes a resposta para aquilo que faz, aquilo que se preocupa tanto durante seu cotidiano, que o anima a se acordar e não o deixa dormir, que o angustia, entristece-o, amedronta-o por vezes quando não sabe o que fazer com aquele pensamento.

Talvez por isto seja, enfim, que é somente na velhice que se possa de fato chegar à resposta a esta questão, não porque na velhice atingimos uma maturidade de pensamento, sistemático ou não, que nos permite ter a certeza do que estamos falando e todos tenham a certeza do que é a filosofia. Mas porque tem uma resposta a qual já não tem mais que responder por ela, isto é, se responsabilizar por ela como se responsabilizam por todas as respostas a todas as perguntas as quais se faz a ele, não porque ele tenha a resposta, mas porque se sabe que ele vai procurá-la, ainda que não esteja pronta objetivamente e ele não tenha resposta para tudo, como o pai de Mafalda não tem para ela.

A despreocupação que a velhice dá, por sua vez, não é com tudo o mais com que se tem que se preocupar e não se pode fazer o que quer, neste sentido, se podendo filosofar à vontade, como se a filosofia fosse um pensamento que se maturasse com o tempo, como vinho. Tão pouco a liberdade aí é a liberdade de não ter preocupações a não ser com a pergunta o que é a filosofia a qual se quer, enfim, responder objetivamente. A despreocupação e a liberdade é com a própria pergunta o que é a filosofia, não tanto com sua resposta, não ter que se responsabilizar com uma resposta a ela como geralmente acontece quando alguém nos pergunta algo.

Se envelhecer, neste sentido, é a condição para responder à pergunta o que é a filosofia, pela liberdade que ela proporciona, é porque somente na velhice já não se precisa mais se preocupar com esta pergunta, logo, com sua resposta, isto é, com a responsabilidade do filósofo ter de dar satisfação a todos do que faz, porque faz e pra que faz o que faz, ou seja, filosofia.

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