Benjamin e a comunicação pós-redes
Em sua conferência O autor como produtor, pronunciada no Instituto para o Estudo do Fascismo, em 27 de abril de 1934, Walter Benjamin expôs o futuro das comunicações pós-redes ao tratar do problema da autonomia do autor, isto é, sua liberdade de escrever o que quiser, da qual se lamenta Marcelo Rech no texto O vale tudo das redes sociais em relação ao jornalismo de "vale-tudo", "dane-se" ou "arrebente-se" do jornalismo das mídias sociais que não valoriza o ofício do editor no jornalismo das melhores redações com seu "objeto sagrado", o "guia de ética", "artefato desconhecido em vastas porções das mídias sociais".
Para entender como Benjamin antecipa e vai muito além dos lamentos de Marcelo Rech, é preciso entender o que se coloca em questão neste e naquele. Primeiramente, Marcelo Rech tenta, sem sucesso, podemos dizer, diferenciar o jornalismo "das redações" em sua "ética" dos jornalismos "das mídias sociais" "sem ética", de "vale-tudo", "arrebente-se", "dane-se" existente nas redes sociais, o primeiro, no caso, chefiado por um Editor e todo seu aparelhamento editorial de captura da informação, o segundo, sem chefe algum em sua máquina de guerra informativa. Pois não percebe que tal diferenciação, que existe de fato, a cada vez que é feita por ele deixa de perceber os entrecruzamentos inevitáveis de uma com outra:
Tendência e qualidade em relação aos escritores são duas questões a que Benjamin alude no início de seu texto em relação ao escritor, e que Marcelo Rech reclama ao jornalismo. Contudo,enquanto este vê no próprio jornalista uma tendência que, em Benjamin, seria seja a do escritor burguês, que não percebe nem considera possível que ele trabalhe para "certos interesses de classe", seja do escritor progressista, que percebe isto, mas perde toda sua autonomia ao se colocar ao lado de uma, Benjamin vê nas próprias definições de tendência e qualidade um problema, pois, "na medida em que não conhecemos a verdadeira relação existente entre os dois fatores" e "Obviamente, podemos postular, por decreto, a natureza dessa relação." Por decreto, entendendo-se, com o rigor de uma lei que todos devem seguir sem tergiversações, como a do ISO 14000 da informação.
Ao invés destas questões colocadas em relação às obras literárias, primeiramente, a preocupação de Benjamin é com a técnica destas obras que "torna os produtos literários acessíveis a uma análise imediatamente social". Neste sentido, Benjamin observa algo importante:
E adverte, já em 1934, com sua visão aquilina: "Lembro tudo isso para transmitir-vos a ideia de que estamos no centro de um grande processo de fusão de formas literárias, no qual muitas oposições habituais poderiam perder força." E, para demostrar justamente isto, diz ele, "O exemplo é jornal." Isto porque "O jornal é o cenário dessa confusão literária.", cuja descrição que ele fornece do jornal em sua época a partir do ponto de vista do leitor, demonstra já o que acontece ainda mais atualmente em relação às mídias sociais das quais muitos jornalistas se ressentem:
Tal postura dos leitores e jornais aos poucos ganhou espaço na imprensa burguesa, segundo Benjamin, ao ponto deles se tornarem "colaboradores" dos jornais para saciarem seu desejo de inclusão, mas também dos jornais em sua "assimilação indiscriminada dos leitores", algo não diferente do que se vê constantemente os jornais, principalmente televisivos, fazerem em relação ao público, na ideia de colaboradores ainda permanecendo uma "distinção convencional entre autor e produtor" que a imprensa burguesa quer preservar. Não muito diferente do que quer preservar Marcelo Rech em relação ao jornalismo de redação, isto é, o privilégio da notícia. Contudo, como observa Benjamin, se isto mostra um declínio literário na imprensa burguesa que se amplia com as mídias sociais a partir das quais os leitores não precisam ser mais colaboradores, mas eles mesmos autores e produtores de notícias, na imprensa soviética à época desaparece totalmente a distinção entre autor e o público, pois "O direito de exercer a profissão literária não mais se funda numa formação especializada, e sim numa formação politécnica, e com isso transforma-se em direito de todos." Algo que acontece hoje em dia cada vez mais com as mídias sociais como aparato técnico e que Benjamin vislumbrou no próprio jornal ou na imprensa, de modo mais amplo, ao dizer que ela é a instância decisiva para a análise do intelectual como produtor, por intelectual, o "especialista - se não numa área de saber, pelo menos no cargo em que exerce suas funções" que acede à "condição de autor", que se requer mesmo como uma das qualificações de seu trabalho.
O que Benjamin percebe em relação ao jornal, neste sentido, é que "para o autor como produtor o progresso técnico é um fundamento do seu progresso político", que, segundo ele, quer dizer,
A questão, neste sentido, é que o progresso técnico que os engenheiros das mídias produziram promoveu mundialmente algo que o jornal soviético promoveu em sua época em escala reduzida, isto é, a participação de autores ou de um público leitor como produtores de notícias e não simplesmente como leitores delas, independente da formação que tinham no mundo do trabalho. Algo do qual os intelectuais da imprensa burguesa do jornalismo de redação se ressentem por princípios morais mais do que éticos, e por motivos econômicos e poderes de verdade mais do que por defesa de um suposto "público" que ela pretenda defender com sua "imparcialidade" na notícia, semelhante à "neutralidade" científica.
Neste sentido, a comunicação pós-rede das mídias sociais antecipada por Benjamin e vivenciada por nós atualmente se revela menos como um "vale-tudo", "dane-se" ou "arrebente-se" do que imagina Marcelo Rech e quer nos fazer acreditar, fazendo-se alçar sobre ela um passado e uma intelectualidade que ele quer manter presente impondo que os engenheiros voltem "a ser tão somente engenheiros", e deixem a "verdade" dos fatos para eles pretensamente. Isto porque o vale-tudo pressupõe que a verdade não é algo que se outorga aos jornalistas de redação, tão pouco aos jornalistas das mídias sociais, mas ela pertence a quem a torna pública e é medida senão pelo público, sem necessidade de certificadores que administrem a "verdade" para eles, dosando-a com suas medidas de interesses. E se os jornalistas de redação buscam evitar que verdades falsas sejam propagadas, eles devem primeiro admitir que a verdade não lhes pertence mais como eles pensavam até as mídias sociais se estabelecerem suas redes de compartilhamento da notícia, o que isto, sim, é o grande problema para a imprensa, mas para todos as indústrias que requerem na comunicação pós-rede deter o monopólio do compartilhamento de informação.
Compartilhar a informação é a condição sine qua non das mídias sociais, assim como do jornalismo de redação, conforme os interesses particulares de cada um envolvido no compartilhamento da informação. A tendência e qualidade está, por sua vez, em como o meio técnico é utilizado para transformar a realidade produtiva de forma reacionária ou progressiva, algo que tanto pode acontecer no jornalismo de redação como nas mídias sociais, estas, porém, apenas aumentando o alcance de uma outra forma com seus conteúdos e ampliando a superação entre autor e produtor, intelectuais e engenheiros. O jornalismo de redação requerer para si a tendência e qualidade por decreto, por meio de certificação ISO 14000 de informação, só demonstra o quanto as mídias sociais o ultrapassam em tendência e qualidade atualmente já que estas se submetem ao seu vale-tudo e não à intelectualidade de um estamento social.
Para entender como Benjamin antecipa e vai muito além dos lamentos de Marcelo Rech, é preciso entender o que se coloca em questão neste e naquele. Primeiramente, Marcelo Rech tenta, sem sucesso, podemos dizer, diferenciar o jornalismo "das redações" em sua "ética" dos jornalismos "das mídias sociais" "sem ética", de "vale-tudo", "arrebente-se", "dane-se" existente nas redes sociais, o primeiro, no caso, chefiado por um Editor e todo seu aparelhamento editorial de captura da informação, o segundo, sem chefe algum em sua máquina de guerra informativa. Pois não percebe que tal diferenciação, que existe de fato, a cada vez que é feita por ele deixa de perceber os entrecruzamentos inevitáveis de uma com outra:
- primeiro, ao opor os "interesses coletivos" do jornalismo de redação em relação aos "interesses privados" dos jornalismos das mídias sociais, como se não houvesse interesses privados naquele e interesses coletivos nestes;
- segundo, ao opor a "fantasia" e "ingenuidade e busca de poder" do jornalismo das mídias ao jornalismo "das melhores redações" baseado num "guia ético" "sagrado" e incorruptível, como as melhores famílias de Londres talvez pense, e que é desconhecido "nas vastas porções das mídias sociais", sem perceber a fantasiosa busca do poder na qual se também se insere tentando ser o arauto da realeza da realidade;
- terceiro, ao opor às "perversões" de "informações adulteradas" e "zonas de sombra e luz" do jornalismo nas mídias sociais com "base em conveniências exclusivamente comerciais" à "normalidade" das "informações fiéis" familiares nas redações, nem um pouco cinzenta e sem "conveniências exclusivamente comerciais", sem se perguntar o que é que os jornalismos nas mídias sociais realmente ganha divulgando informações na rede, como faz o Wikileaks, e até que ponto mesmo o jornalismo das redações não admite conveniências exclusivamente comerciais se não permitem, por exemplo, nem copiar e colar parte de seu texto, isto é, não se pode nem citá-los sem lhe pagar algum vintém;
- quarto, ao opor a célebre vida de um Editor de jornal na redação em sua busca épica para "entregar o melhor produto editorial possível para o público e, em última análise, para a sociedade" à vida sabe-se lá de quem, pode-se dizer, opondo novamente a sacralidade da redação como um ambiente de um "processo complexo" que só quem passar pela experiência de vida nele terá o poder de saber ("Quem viveu um dia em uma redação profissional sabe que este segue sendo um processo complexo") à profanidade das mídias sociais, sem perceber o quão profano são os jornalistas e editores a pensar no que diz o célebre cientista e professor George Edward Challenger, de Conan Doyle, em seus últimos livros, cujo primeiro é O mundo perdido, título a calhar para o texto em questão aqui;
- quinto, ao opor a lógica de sangue quente do Editor e todo o aparelho editorial jornalista da redação à lógica fria e calculista dos algoritmos do "exército de engenheiros no Vale do Silício" que não se ocupam com "qualidade ou éticas editoriais" pois seu negócio não é "jornalismo", e sim, "audiência em dados e distribuir publicidade personalizada", ademais, uma lógica "diabolicamente eficaz", pois não se pode "argumentar ou brandir regras de conduta", afinal, o diabo em sua lógica fria, calculista, engenhosa não aceita isto, tudo isto sem perceber, primeiro, que também há lógica quente correndo nas veias dos algoritmos dos engenheiros do Vale do Silício, segundo, há lógica fria e calculista nas redações de jornais, terceiro, também os jornalistas compõem um "exército" ou aparelho de captura sempre a posto caso surja qualquer informação, quarto, as informações jornalísticas são tão dados quanto qualquer outro na era da informação que requerem audiência e distribuição pública e personalizada para se manterem;
- sexto, ao opor, a partir de Emily Bell (diretora do Tow Center for Digital Journalism, da Columbia University), a "mídia convencional" do jornalismo das redações em seu propósito social e responsabilidade que não entendeu ainda o que estava perdendo novamente aos engenheiros do Vale do Silício, que não entendem o que estão criando, mais diretamente agora aos engenheiros do Facebook, não se percebe o quanto a questão que não era de "busca de poder" e "de conveniência exclusivamente comercial" para o jornalismo de redação é, então, posta de modo inegável, pois,
"O quarto poder [o jornalismo de redação], que gostava de pensar que operava em esplêndido isolamento de outros sistemas de poder e dinheiro, deslizou de repente e definitivamente para um mundo onde já não é dono dos meios de produção ou das rotas de distribuição. Nenhuma outra plataforma na história do jornalismo teve a concentração de poder e atenção usufruída pelo Facebook. Podemos ir além: nossa penitência terrena se deve ao fato de terem sido engenheiros, e não as empresas de comunicação, os inventores de Adwords e AdSense, os instrumentos de publicidade via Google que sugam do mercado dezenas de bilhões de dólares todos os anos.É a perda dessa receita, somada àquela tragada pelo Facebook, que tem vaporizado sem perdão as redações de todo o mundo."
- sétimo, este decisivo, ao opor a "missão" e a "verdade" do jornalismo de redação ao gerar um "impacto social com saldo amplamente positivo" à "notável disposição de dar voz a tudo e a todos" dos engenheiros do Vale do Sicílio com seu modelo de mídias sociais, o jornalismo das redações não apenas se opõem ingenuamente ao contrário de todo seu guia ético não por menos a todas as vozes de tudo e de todos que os engenheiros do Vale do Silício reverberam em seus algoritmos, sem se dar conta de que o real inimigo do jornalismo de redação é ele mesmo, o que percebe Marcelo Rech numa autocrítica que é mais fruto de um orgulho ferido pela "popular trinca BBB (bizarrices, bichinhos e bumbuns)" dos jornalismos das mídias sociais que ele pretende resgatar com brio, "a fim de que o jornalismo saia de sua letargia e salte para um novo nível, um novo ciclo no qual jornalistas profissionais e empreendimentos jornalísticos se posicionem muitos degraus acima da mundana disputa de audiência" que não é necessária pelo visto a eles, e se faça cada vez "mais e, principalmente, melhor" jornalismo nas redações, "para ampliar a relevância, mas não apenas na distribuição de conteúdo", algo que as mídias sociais, pressupostamente não teriam. O que, para isto, Marcelo Rech elege então o jornalista do futuro, não mais o repórter, o colunista e o Editor-chefe, mas o "Certificador", este ser de "técnica e talento para confrontar, desmontar ou endossar o que já circula por aí." Por aí, quer dizer, nas redes sociais que, apesar de tudo isto, segundo Marcelo não devem ser demonizadas ("Não se trata aqui de demonizar as redes."), mesmo sendo sua lógica "diabolicamente eficaz".
- oitavo, (eu sei que tinha dito que era definitivo, mas) ao opor a geração dos milennials, nascida entre 1981 e 1996, tendenciosamente voltadas às mídias sociais e tecnologias, à natureza humana do jornalismo das redações, e propor uma "linha de corte entre os bobos da corte e os sábios da aldeia", Marcelo Rech, perdeu toda a razão criando a ideia de um jornalismo de redação burocrático, com seus "certificadores" de conteúdo aos moldes dos "censores" do Big Brother opondo assim o aparelho de captura da informação do jornalismo de redação no futuro à máquina de guerra da informação dos jornalismos das redes sociais.
Tendência e qualidade em relação aos escritores são duas questões a que Benjamin alude no início de seu texto em relação ao escritor, e que Marcelo Rech reclama ao jornalismo. Contudo,enquanto este vê no próprio jornalista uma tendência que, em Benjamin, seria seja a do escritor burguês, que não percebe nem considera possível que ele trabalhe para "certos interesses de classe", seja do escritor progressista, que percebe isto, mas perde toda sua autonomia ao se colocar ao lado de uma, Benjamin vê nas próprias definições de tendência e qualidade um problema, pois, "na medida em que não conhecemos a verdadeira relação existente entre os dois fatores" e "Obviamente, podemos postular, por decreto, a natureza dessa relação." Por decreto, entendendo-se, com o rigor de uma lei que todos devem seguir sem tergiversações, como a do ISO 14000 da informação.
Ao invés destas questões colocadas em relação às obras literárias, primeiramente, a preocupação de Benjamin é com a técnica destas obras que "torna os produtos literários acessíveis a uma análise imediatamente social". Neste sentido, Benjamin observa algo importante:
Nem sempre houve romances no passado, e eles não precisarão existir sempre, o mesmo ocorrendo com as tragédias e as grandes epopeias. [Ou com os jornais, dir-se-ia, com seus ares de literatura verdadeira] Nem sempre as formas do comentário, da tradução e mesmo da chamada falsificação [nas mídias sociais, dir-se-ia também] tiveram um caráter literário marginal: elas ocuparam um lugar importante na Arábia e na China, não somente nos textos filosóficos como literários.
E adverte, já em 1934, com sua visão aquilina: "Lembro tudo isso para transmitir-vos a ideia de que estamos no centro de um grande processo de fusão de formas literárias, no qual muitas oposições habituais poderiam perder força." E, para demostrar justamente isto, diz ele, "O exemplo é jornal." Isto porque "O jornal é o cenário dessa confusão literária.", cuja descrição que ele fornece do jornal em sua época a partir do ponto de vista do leitor, demonstra já o que acontece ainda mais atualmente em relação às mídias sociais das quais muitos jornalistas se ressentem:
O jornal é o cenário dessa confusão literária. Seu conteúdo é a matéria, alheia a qualquer forma de organização que não seja a que lhe é imposta pela impaciência do leitor. Essa impaciência não é só a do político, que espera uma informação, ou a do especulador, que espera uma indicação, mas, atrás delas, a impaciência dos excluídos, que julgam ter direito a manifestar-se em defesa dos seus interesses.
Tal postura dos leitores e jornais aos poucos ganhou espaço na imprensa burguesa, segundo Benjamin, ao ponto deles se tornarem "colaboradores" dos jornais para saciarem seu desejo de inclusão, mas também dos jornais em sua "assimilação indiscriminada dos leitores", algo não diferente do que se vê constantemente os jornais, principalmente televisivos, fazerem em relação ao público, na ideia de colaboradores ainda permanecendo uma "distinção convencional entre autor e produtor" que a imprensa burguesa quer preservar. Não muito diferente do que quer preservar Marcelo Rech em relação ao jornalismo de redação, isto é, o privilégio da notícia. Contudo, como observa Benjamin, se isto mostra um declínio literário na imprensa burguesa que se amplia com as mídias sociais a partir das quais os leitores não precisam ser mais colaboradores, mas eles mesmos autores e produtores de notícias, na imprensa soviética à época desaparece totalmente a distinção entre autor e o público, pois "O direito de exercer a profissão literária não mais se funda numa formação especializada, e sim numa formação politécnica, e com isso transforma-se em direito de todos." Algo que acontece hoje em dia cada vez mais com as mídias sociais como aparato técnico e que Benjamin vislumbrou no próprio jornal ou na imprensa, de modo mais amplo, ao dizer que ela é a instância decisiva para a análise do intelectual como produtor, por intelectual, o "especialista - se não numa área de saber, pelo menos no cargo em que exerce suas funções" que acede à "condição de autor", que se requer mesmo como uma das qualificações de seu trabalho.
O que Benjamin percebe em relação ao jornal, neste sentido, é que "para o autor como produtor o progresso técnico é um fundamento do seu progresso político", que, segundo ele, quer dizer,
somente a superação daquelas esferas compartimentalizadas de competência no processo de produção intelectual, que a condição burguesa considera fundamentais, transforma essa produção em algo politicamente válido; além disso, as barreiras de competência entre as duas forças produtivas - a material e a intelectual -, erigidas para separá-las, precisam ser derrubadas conjuntamente.
A questão, neste sentido, é que o progresso técnico que os engenheiros das mídias produziram promoveu mundialmente algo que o jornal soviético promoveu em sua época em escala reduzida, isto é, a participação de autores ou de um público leitor como produtores de notícias e não simplesmente como leitores delas, independente da formação que tinham no mundo do trabalho. Algo do qual os intelectuais da imprensa burguesa do jornalismo de redação se ressentem por princípios morais mais do que éticos, e por motivos econômicos e poderes de verdade mais do que por defesa de um suposto "público" que ela pretenda defender com sua "imparcialidade" na notícia, semelhante à "neutralidade" científica.
Neste sentido, a comunicação pós-rede das mídias sociais antecipada por Benjamin e vivenciada por nós atualmente se revela menos como um "vale-tudo", "dane-se" ou "arrebente-se" do que imagina Marcelo Rech e quer nos fazer acreditar, fazendo-se alçar sobre ela um passado e uma intelectualidade que ele quer manter presente impondo que os engenheiros voltem "a ser tão somente engenheiros", e deixem a "verdade" dos fatos para eles pretensamente. Isto porque o vale-tudo pressupõe que a verdade não é algo que se outorga aos jornalistas de redação, tão pouco aos jornalistas das mídias sociais, mas ela pertence a quem a torna pública e é medida senão pelo público, sem necessidade de certificadores que administrem a "verdade" para eles, dosando-a com suas medidas de interesses. E se os jornalistas de redação buscam evitar que verdades falsas sejam propagadas, eles devem primeiro admitir que a verdade não lhes pertence mais como eles pensavam até as mídias sociais se estabelecerem suas redes de compartilhamento da notícia, o que isto, sim, é o grande problema para a imprensa, mas para todos as indústrias que requerem na comunicação pós-rede deter o monopólio do compartilhamento de informação.
Compartilhar a informação é a condição sine qua non das mídias sociais, assim como do jornalismo de redação, conforme os interesses particulares de cada um envolvido no compartilhamento da informação. A tendência e qualidade está, por sua vez, em como o meio técnico é utilizado para transformar a realidade produtiva de forma reacionária ou progressiva, algo que tanto pode acontecer no jornalismo de redação como nas mídias sociais, estas, porém, apenas aumentando o alcance de uma outra forma com seus conteúdos e ampliando a superação entre autor e produtor, intelectuais e engenheiros. O jornalismo de redação requerer para si a tendência e qualidade por decreto, por meio de certificação ISO 14000 de informação, só demonstra o quanto as mídias sociais o ultrapassam em tendência e qualidade atualmente já que estas se submetem ao seu vale-tudo e não à intelectualidade de um estamento social.
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