A mão invisível da liberdade

A liberdade é geralmente definida e compreendida cotidianamente conforme o seguinte ditado: a liberdade de um termina quando começa a do outro. O problema, porém, que fica subjacente a isto é justamente quando a liberdade de um termina e quando a do outro começa, ainda mais na sociedade capitalista cujo princípio se assenta desde Adam Smith no egoísmo, isto é, na prevalência de um em relação ao outro o máximo que se pode tendo em vista que, no fim, uma mão invisível celebrará a harmonia de um e outro.

Vista deste ponto de vista, a questão da liberdade passa então pelo limite que é propriamente definido como o término de um e o começo do outro, que se muitas vezes é definido conforme regras e morais explícitas nem sempre é tão definido assim em diversas situações do cotidiano. Um limite que é, ademais, uma questão propriamente espacial da relação de um com o outro no término e começo de suas liberdades. De modo que estas regras e morais geralmente pressupõem espaços físicos em relação à liberdade de um e outro, como a terra e o corpo que ocupam ou dispõem, bem como espaços metafísicos, como as ideias e pensamentos, opiniões e conceitos que um e outro pressupõem.

Dizer por sua vez que a liberdade de um termina quando a do outro começa é, por sua vez, pressupor um limite que não é definido cotidianamente, nem pode ser praticamente por nenhuma regra, pois é estabelecido justamente na relação de um e outro em cada situação específica. Limite que é ainda mais indefinido na medida em que o outro não está presente e se faz presente senão a partir do um, quando o outro é pensado justamente como a ausência do um, a negação do um, um nada que visa destruir o um em sua liberdade. E indefinido deste modo o limite do um em relação ao outro, não por menos a liberdade tende sempre a ser maior em relação ao um e não ao outro.

Percebe-se deste modo que a liberdade definida no ditado inicialmente além de não ser definida propriamente, pressupõe que a liberdade de um em geral prevalece sobre a do outro e que a liberdade do outro é, por sua vez, o problema que se coloca em questão. Isto porque o outro é visto senão como o limite propriamente dito ou a limitação da liberdade tal como ela se faz presente no um até que o outro se torne presente a partir dele. Não por acaso, neste sentido, o outro é sempre visto como um problema ao um, no caso, a liberdade do um a qual ele limita em geral a contragosto, pois, em seu egoísmo, isto é, em seu gosto de si mesmo, ninguém quer alguém contra, ademais segundo o princípio liberal e neoliberal capitalista apregoado por Adam Smith, remetendo a uma mão invisível o limite final deste egoísmo.

Em contrapartida a isto, o espaço do outro, pressuposto mesmo pelo outro de modo físico e metafísico é sempre um problema para o um que quer sempre estender o seu espaço e se apropriar do espaço do outro em seu egoísmo natural, diria Smith, que é, sobretudo moral em suas paixões. A terra, o corpo, as ideias e pensamentos, opiniões e conceitos do outro são espaços geralmente problemáticos ao um em sua liberdade e dos quais ele se apropria e dispõe geralmente na ausência do outro nestes espaços definidos. Por sua vez, a liberdade do outro somente sendo possível na medida em que ela não se contraponha ao um como começo de seu término, isto é, que ela não seja entendida como fim da liberdade do um, como sua negação ou exclusão, como a ausência e a negação do um, seu niilismo e sua destruição pelo outro. Em outras palavras, na medida em que a liberdade do outro não for vista a partir da liberdade do um como no dito que a liberdade do um termina quando a do outro começa.

Isto somente é possível na medida em que a liberdade de um e outro seja pensada paradoxalmente e não sucessivamente como se faz costumeiramente. Ou seja, quando um e outro não se alinhem em sua liberdade, um após o outro ou outro após um, igual e proporcionalmente, mas sejam desalinhados mesmo em relação a ela, no sentido de que um e outro sejam simultaneamente o mesmo. O que quer dizer que um seja outro e outro seja um, desigual e desproporcialmente, um paradoxo que parece absurdo para muitos, principalmente em seu egoísmo, mas que deixa completamente de ser justamente quando a liberdade é pensada senão do ponto de vista espacial quando ao egoísmo costumeiro do um se coloca o altruísmo do outro a partir de um colocar-se um no lugar do outro de modo que o outro não é um limite propriamente ao um em seu espaço, mas um espaço no qual o um se coloca e partir do qual passa a ser outro, transformando a si mesmo, seu egoísmo em altruísmo.

Deste ponto de vista, a terra, o corpo, as ideias e pensamentos, opiniões e conceitos não sendo mais de um ou de outro, mas comuns a um e outro, e se possa viver harmoniosamente com um aperto de mãos entre um e outro em cada situação em vez de esperar por uma mão invisível que celebre a desunião deles ao contrário de uma pressuposta união.

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