Quando enterramos alguém...


Vimemos, em geral, encerrados em nós mesmos com breves momentos de contato com a realidade da vida que nos circunda e quando a morte de alguém que conhecemos sobrevém nos entregamos totalmente à realidade da vida. Quando enterramos alguém desterramos a nós mesmos.

A morte não pede passagem, ela simplesmente passa e nos repassa a nós mesmos em revista fazendo-nos olhar o que já passou. De repente, ficamos velhos com longas histórias a contar, momentos vividos a reviver. Olhamos uns aos outros com olhares lânguidos de saudosismo. Não importa o quão bom ou ruim foi o passado. O que passou é o que importa.

A vida se esconde quase sempre a nós aparecendo somente quando a morte se faz presente, ainda que não seja a nossa vida que está em jogo com a morte, um jogo que sempre sabemos que vamos perder, mesmo que pensemos que ganharemos numa prorrogação qualquer da vida religiosamente. Esta, ademais, é a função da morte: fazer-nos enxergar melhor a vida, vê-la mais de perto, com mais cuidado, vivê-la como se fosse a última ou a única. Mesmo triste ou nos entristecendo, a morte é ainda uma forma de revivermos a vida mesmo que em pensamento.

Em luto, lutamos para nos mantermos vivos. Travamos uma batalha conosco para não sucumbirmos à morte. Vivemos na linha tênue entre ela e a vida, nossa vida, esperando que tudo volte a ser como antes. Mas nada será como antes, pois a lei do eterno retorno é a de que nunca o que retorna é o mesmo, como sabe todo aquele que partiu alguma vez para outra vida, não necessariamente após a morte, a grande partida.

Tanto a vida como a morte são partidas, momentos de ruptura com os quais devemos aprender a lidar, de uma separação que nunca é uma separação absoluta, pois toda separação é uma ligação invisível que se estabelece entre os que se separam. Aquele que parte nunca parte sozinho, assim como aquele que fica também nunca estará. Haverá sempre entre um e outro, o que morre e o que vive, uma separação e ligação ao mesmo tempo, um a-partamento, o luto, a lembrança dos tempos vividos juntos, a memória de uma vida em comum, por breve que tenham sidos estes momentos.

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