CPMF e o neoliberalismo à brasileira
Ao contrário de um limitação de compreensão das palavras, meu objetivo sempre foi esclarecê-las e, como filósofo, não por menos a linguagem é um tema recorrente em minhas análises em qualquer tema, ademais porque, como disse Derrida em sua Gramatologia, em 1967, saber que há uma inflação do que entendemos por linguagem que, persiste mais ainda hoje em termos de Internet. Uma inflação tão preocupante como a que há hoje em dia no Brasil que é um problema histórico desde sua redemocratização, que foi sanado em parte com a mudança da moeda brasileira do Cruzeiro para o Real, e que é uma preocupação constante de todos os governos de direita e de esquerda brasileiros nos últimos 22 anos. Inflação que, ademais, é o grande problema futuro da CPMF caso aprovada como é esclarecido na reportagem Entenda o que é a CPMF e como ela afeta sua vida.
Apesar de poder me deter mais e mais numa discussão infinita com meu interlocutor, isto de nada adiantaria, pois, como se pode perceber, ele iria inflacionar cada vez mais sua defesa com hipóteses ad hoc para justificar sua teoria sobre minha pretensão. Algo, porém, que ele me chamou à atenção é digno de nota: a relação entre a CPMF e o neoliberalismo, julgando ele que não pode haver nenhuma relação nisto. Algo que disse numa economia de palavras, mas que merece, obviamente, uma melhor explicação, o que faço a seguir.
Um princípio básico do neoliberalismo, assim como do liberalismo, é a não intervenção do Estado na economia, por não intervenção entendendo-se não regulação dela de modo a limitar a livre concorrência entre as empresas. Obviamente que em termos absolutos isto não é possível e o Estado, mesmo o liberal e o neoliberal, não pode deixar totalmente a economia a mercê de si mesma. Pois, como se observou a partir de meados do século XIX e se confirmou tragicamente no início do século XX, a economia deixada a si mesma em sua concorrência se torna cada vez mais monopolista e a produção cada vez maior de produtos leva a uma acumulação capitalista tal que a menor crise se torna um problema gigantesco. O que isto se torna mais compreensível quanto mais o capitalismo se torna globalizado como Marx já advertira que aconteceria em suas análises d'O Capital.
Entre o liberalismo insurgente a partir do século XVI e o neoliberalismo a partir de meados do século XX, há uma diferença: enquanto o surgimento daquele pressupunha a limitação do Estado absolutista então em voga, o surgimento deste pressupunha a limitação do Estado do bem-estar em voga, principalmente, até a década 60 e o qual persiste, mas de forma mitigada. A diferença de políticas de Estado, claramente, sendo algo destoante entre uma e outra economia, posto que se o Estado absolutista era totalmente inviável ao capitalismo de modo que foi praticamente destruído, o Estado do bem-estar é totalmente necessário para tornar o capitalismo viável tendo em vista o que aconteceu após a crise na bolsa de 1929. E se o Estado se torna neoliberal atualmente não tem ele a pretensão de destruir totalmente o bem-estar possibilitado pelo Estado até a década de 60 que, aqui no Brasil, somente podemos perceber nos últimos governos, malgrado tudo que adveio com eles.
A questão que se torna clara com a passagem do Estado do bem-estar para o neoliberal no mundo que levou décadas é que, segundo o princípio econômico neoliberal, o Estado como fonte de equilíbrio de todo o sistema capitalista não pode entrar em crise. Isto significa que ele não pode, como uma empresa pública, gastar mais do que arrecada, tendo em vista que ao contrário de sua pretensão de bem-estar, ele produzirá cada vez mais mal-estar à população e, principalmente, à economia. Neste sentido, todo o assistencialismo produzido pelo Estado após a crise de 1929 em diversas áreas sociais que permaneceu até a década de 60 após a Segunda Guerra Mundial, deveria ser limitado, pois o que aconteceu com as empresas privadas na década de 29 aconteceria com o Estado enquanto empresa pública.
Neste sentido, foi aplicado um princípio básico do liberalismo em relação ao Estado absolutista que foi limitar as ações do Estado, contudo, não se tratava de limitar, neste caso, os desmandos de um rei soberano absoluto na economia, mas de limitar a participação do Estado em atividades que seriam de interesse econômico como, por exemplo, a saúde, a educação, a previdência, as relações de trabalho, além de obviamente tudo que dissesse respeito à economia propriamente dita como bolsa de valores e concorrência. A questão neste caso não era a ação arbitrária de um rei, mas todo a expansão do Estado enquanto empresa pública concorrendo em áreas nas quais empresas privadas poderiam atuar livremente se não fosse a concorrência com os serviços estatais. Em outras palavras, o Estado deveria deixar de expandir seus serviços de atendimento para promover uma privatização destas áreas cada vez mais maior, limitando-se a apenas ao mínimo em suas prestações de serviço, seja para regularizar suas contas devido às dívidas que adquirira para promover o bem-estar social, seja para permitir que empresas atuassem livremente no mercado agora aberto a ela pela não prestação total de serviços assistenciais do Estado.
A consequência óbvia que se segue ao princípio básico do neoliberalismo de limitar o Estado do bem-estar é que, agora, em vez de ter acesso ilimitado a serviços públicos, os indivíduos tem um acesso limitado a eles e o gasto do Estado com a prestação destes serviço é transferido aos indivíduos que, devido à limitação do Estado, são obrigados a contratarem os serviços privados em diversas áreas, não necessariamente melhores do que os do Estado, a bem dizer. Em outras palavras, além de pagarem pelo serviço estatal disponibilizado de modo mínimo, as pessoas pagam pelo serviço privado numa mesma área, como a educação por exemplo, mesmo que não sejam beneficiados por ele durante toda a sua vida na medida em que seus filhos estudem em escola privada.
Numa razão inversa eis que quanto menos a participação do Estado em áreas produtivas economicamente mais estas áreas tendem a ser privatizadas e quanto menos o Estado gasta com serviços mais os indivíduos pagam por estes serviços que não conseguem obter devido à limitação deles pelo Estado recorrendo à prestação dos serviços por empresas privadas, e pagam mesmo por um serviço estatal mesmo que não se beneficie com ele.
Se, com a CPMF há uma neoliberalismo à brasileira, a questão é que o Estado não apenas transfere para os indivíduos a responsabilidade por serviços que ele deveria prestar a contento, obrigando-os a pagar mais por eles segundo o princípio neoliberal, mas vai além disto, transferindo também a responsabilidade pela ingerência do Estado em sua própria prestação de serviços mínimos. Ou seja, transferem para os indivíduos de modo privado toda a má gestão pública dos serviços públicos, em outras palavras, o gasto a mais pelos serviços mal prestados. Algo que, como a reportagem citada acima explica também é a população que mais pagará por isto.
Antes, porém, que ideólogos de plantão vejam nisto um problema de ingerência de governo simplesmente porque o PT está no poder, o fato da CPMF existir desde 1993 e ter sido abolida justamente num governo petista, demonstra que ela foi um recurso muito mais utilizado pelo governo do PSDB, e que, independente de quem a cria, todos os partidos se beneficiaram com ela, muito mais vale dizer do que a população. Isto porque se ela foi utilizada por 14 anos para a saúde, previdência e combate a pobreza, arrecadando 222 bilhões de reais (confira na reportagem acima) pode-se perceber que ela pouco contribuiu para a melhoria destes serviços à população.
Para aqueles que não veem relação da CPMF com o neoliberalismo, por ela criar um problema tributário, é óbvio que ela visa não por menos fazer aquilo que o neoliberalismo prega que é a ordenação das contas públicas para manter a economia capitalista em equilíbrio e uma transferência dos serviços mal prestados pelo Estado em várias áreas, inclusive de gestão e corrupção no caso do Brasil, para a população. E, por mais que as empresas se arvorem em dizer que serão prejudicadas com esta medida tão pouco elas sofrerão mais com a CPMF, pois seu lucro, mesmo que reduzido, ainda possibilitará que os empresários andem em carros importados, jatinhos e helicópteros, lamentando apenas que não lucrem tanto quanto antes. E tão pouco os políticos também sofrerão com seus altos salários pagos sem nenhum atraso ou de modo parcelado como alguns governos estão fazendo com os funcionários públicos.
Enfim, se o aumento de impostos é um problema, com certeza, não é um problema para o neoliberalismo que sempre verá nisto uma possibilidade de se equilibrar na medida em que as contas públicas se equilibrem do que a possibilidade de sua destruição. Motivo pelo qual, enfim, disse que o PT adota literalmente com isto aquilo que foi a característica neoliberal do PSDB ao criar a CPMF para regularizar as contas do Estado em prol de um neoliberalismo. Porém, a questão que fica a ser respondida e que, atualmente, ninguém quer responder, isto é, ter responsabilidade por ela, é como resolver a crise sem que se aumente a arrecadação do Estado por meio de impostos já que o Estado não pode investir mais em serviços para melhorar a economia endividando-se cada vez mais e tão pouco os empresários querem investir correndo o risco de não obterem lucro. De modo simples, ficando sem resposta ou sem responsabilidade a seguinte questão: sem a CPMF quem vai pagar a conta pelos gastos em demasia do governo nos últimos anos para manter o bem-estar de todos e da economia, inclusive o de alguns partidários políticos de modo corrupto?
Obviamente, muitos ideólogos dirão que é o PT é quem deve resolver este problema, contudo, um lema do PT nos últimos governos foi: "Brasil, um país de todos" e se é culpa do "pai Lula" e da "mãe Dilma" o problema da crise econômica política brasileira, conforme a política economista "paternalista" brasileira da qual muitos gostam de se beneficiar, mas ninguém quer ser responsável por ela quando dá errado, não é abandonando o "pai" e a "mãe" à própria sorte que os "filhos" sobreviverão, pois, não diz no hino brasileiro que muitos "patriotas" gostam de entoar que "um filho teu não foge à luta"? Pois, bem, para os mais ingênuos patriotas que pensam que a saída do PT do governo resolverá os problemas do país, é importante que entendam que "a luta continua" para os "companheiros" ou "não companheiros", e quem não assume a responsabilidade pela crise hoje terá que assumir esta responsabilidade com a saída do PT do governo, quer queiram, quer não. Principalmente, os políticos que se beneficiaram e ainda se beneficiam com o PT no governo e a oposição que vive de discursos hoje e que terá que conviver com o discurso dos outros. E que, sobretudo, não é o PT o problema do país hoje, mas o país que é um problema para o PT, pois é o país, mais do que o PT, que está em crise e que ninguém quer se responsabilizar por isto, pois, como diz um ditado muito popular também, pimenta no dos outros é refresco.
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