A lição que vem da Alemanha

Com o regime fascista da Alemanha, em meados do século XX, tivemos uma ideia clara do quanto uma sociedade racista pode fazer de mal para as pessoas que elas consideram inferiores, produzindo atrocidades que não foram maiores do que foram em outros períodos históricos, nem mais horríveis, mas que puderam ser vistas por todos como nunca antes na história pelo prazer sádico dos nazistas de filmarem seus atos racistas tentando mostrar para o mundo como eram superiores. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, devastada pelos países aliados, a Alemanha percebeu que todo o conflito que ela produziu contra o mundo por ter perdido a Primeira Guerra Mundial, somente a levou a mais uma destruição, desta vez, histórica, mudando a forma como ela passaria a ser vista a partir de então, como a Alemanha Nazista.

Se há hoje alemães que defendem o nazismo na Alemanha defendendo que os judeus são inferiores aos germanos e lutam para defender ainda a superioridade alemã frente aos outros povos, os alemães de um modo geral não defendem o nazismo e há punições severas para aqueles que defendem este passado histórico da Alemanha, do qual eles se envergonham amargamente. E, hoje, não podemos dizer que eles são nazistas mais, pelo contrário, eles demonstram a todo o tempo como a superioridade de um povo perante outro não advém da mortificação de outro povo, considerado inferior, mas da ajuda mútua dos povos quando estão passando por dificuldades, quando estão sofrendo por algum motivo. Em outras palavras, que ser melhor como um país é fazer o possível para que ele seja melhor a cada dia, mas sem esquecer que ele não será melhor destruindo aqueles que se julga que fazem dele pior, os estrangeiros, os estranhos, as pessoas que pensam diferente e são diferentes em sua cultura.

Os alemães de hoje em geral não são racistas, mas eles carregarão para sempre a vergonha de serem lembrados como racistas pelos atos racistas dos seus antepassados dos quais eles não têm culpa, nem mesmo os que viveram na época e não sabiam de tudo que estava acontecendo. Uma vergonha que nada conseguirá apagar de sua memória e que faz eles aprenderem a cada dia a agirem de forma diferente da que seus antepassados dando uma lição ao mundo hoje. Pois se seus antepassados buscaram resolver os problemas que tinham por meio do racismo e do conflito inevitável a que o racismo leva e, tendo perdido a Primeira Guerra, resolveram fazer de sua dor um motivo de raiva contra todos, os alemães de hoje, tendo perdido a Segunda Guerra, têm desde a década de 60 uma postura contrária a isto. Uma postura que engrandece a cada dia eles sem que seja pela força como pensavam antes resolver seus conflitos, mas pelo diálogo, pela união, não apenas deles entre si, para resolverem seus problemas locais, da Alemanha, mas também da Europa e de outras partes do mundo.

A queda do muro de Berlim que separava as duas Alemanhas, a Oriental e a Ocidental, foi a primeira batalha vencida pelos alemães na tentativa de fazer dialogar dois lados que pareciam contrários, mas não eram, pois ambos eram a Alemanha, o mesmo povo, a mesma raça, que tinha sido separados pela guerra fria que já existia antes entre Estados Unidos capitalista e União Soviética, capitalistas e socialistas, a qual foi dada uma trégua para lutarem juntas contra a Alemanha nazista, mas que se estendeu depois da Segunda Guerra Mundial. Foi o primeiro passo para os alemães demonstrarem para o mundo todo que em vez de muros e defesas de lados que eles chegariam ao bem para todos que não queriam viver separados, mas juntos, como uma só Alemanha.

Demorou muito para que isto acontecesse, mais talvez do que muitos nas duas Alemanhas quisessem, e muitos sofreram com a demora em elas tomarem esta decisão, que não seria fácil para ambas também, pois, uma, a capitalista, a Ocidental, tinha melhores condições sociais do que a outra, e tinha que saber compartilhar o que tinha, ajudar a Oriental a se erguer. Mas elas conseguiram passar por todas estas dificuldades iniciais ao ponto de não se poder mais dizer hoje que há duas Alemanhas, uma em melhores condições do que a outra, mas uma só Alemanha. Pois se nem todos vivem nas mesmas condições, tão pouco muitos vivem em condições que são piores do que outros, pois ela conseguiu chegar o mais próximo do equilíbrio.

O que a Alemanha viveu e vivenciou com a partilha de seu território, dividida por uma guerra, ela conseguiu superar aos poucos e, hoje, ela é um exemplo para a Europa e para o mundo de como um país que produziu atrocidades racistas, foi devastado e dividido por uma guerra, se tornou uma grande nação pelo diálogo e pela união, difíceis, mas, enfim, conseguidos. Um exemplo que ela continua dando novamente agora de uma forma ainda mais poderoso, não por causa dos 7 gols que fez contra 1 do Brasil na última copa, mas por um gol que muitos se recusam a fazer, o de acolher todos os imigrantes que estão sofrendo com a guerra do Estado Islâmico contra diversos países. Povos que estão sendo divididos pela dor, pelo ódio, pela raiva que alimenta um racismo tão grande quanto foi a dos alemães na Segunda Guerra Mundial, e que é apoiado pela religião como foram também os atos nazistas, e que, em vez de unir as pessoas, muitas vezes contribui para desuni-las. Um gol que muitos veem como contra, pois, é abrir mão da defesa de seu campo, isto é, seu território, para que outro entre nele e ali fique e se beneficie, fazendo um gol, mas que é o maior gesto que um time, uma nação, pode fazer contra uma injustiça que um outro time ou povo está sofrendo. Pois num jogo de vida e de morte como é uma guerra, um conflito movido pelo ódio, pela raiva e pelo ressentimento em relação ao outro, não há vencedores e vencidos, somente perdedores e aqueles que não percebem isto, fechando seus territórios para os que não querem participar deste conflito, produzem uma derrota maior ainda do mundo contra o racismo e a religião do Estado Islâmico que tenta destruir a tudo e a todos para mostrarem como são superiores.

Se a Alemanha é hoje o país mais influente da Europa, por sua posição política e por sua riqueza econômica, ela é também a mais influente de todas por sua história, pelo passado que ela não quer apagar, que seus habitantes de hoje não têm culpa, mas sabem que ele existiu e o tem muito vivo na memória. Passado que os fazem acolher o máximo que puderem aqueles que sofrem com a guerra e que a faz também querer que todos os outros países façam o mesmo. Pois ser contra o Estado Islâmico não é se opor simplesmente a ele pela força é, principalmente, demonstrar para o mundo que o diálogo e a compreensão e o acolhimento do outro em seu sofrimento são as únicas formas de se resolver um conflito, algo que o Estado Islâmico e muitos países do mundo ainda não entenderam, se opondo não apenas ao Estado Islâmico, mas a todos que estão sofrendo por causa dele, mas que a Alemanha, por seu passado, entendeu plenamente e ensina ao mundo todo como a mais importante lição que devemos aprender, a de uma hospitalidade incondicional ao outro, a qual nunca deverá deixar de ser o nosso maior objetivo, mesmo em meio à toda raiva, toda dor, todo medo e ressentimento que se possa ter pelo outro, pelo estranho, pelo estrangeiro, pelo imigrante, por aquele que é diferente em sua raça, sua cor, seu gênero, sua sexualidade, sua religião, mas não é diferente em sua dor, sofrimento, tristeza e outras afecções em sua vida.

Uma hospitalidade incondicional pelo outro que é, portanto, a lição que vem da Alemanha atualmente e todos temos que nos esforçar para seguir.

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