A difícil tarefa de ser professor
A tarefa de ser professor é infinita, pois a cada dia ele tem que retomá-la e muitas vezes ela regride consideravelmente a um ponto em que ele não espera, pois quem é ensinado resiste muitas vezes ao conhecimento ou mesmo o nega veementemente como uma ideologia, a do não-saber niilista, isto é, de que nada vale aprender, fazendo-o também questionar se vale à pena ensinar.
Uma passagem histórica no que diz respeito ao conhecimento é a alegoria da caverna de Platão que muitos lembram com veneração e a utilizam, por vezes, para mostrar como as pessoas podem ser livres a partir do conhecimento da realidade deixando de lado as "aparências" desta. Mais recentemente, no documentário A educação proibida (aqui), de 2012, foi feita uma animação dela, a melhor que vi até o momento, mas todos, ou quase todos, quando falam desta maravilhosa passagem de Platão não vão ao final da história, assim como neste documentário. Na animação da Alegoria da Caverna feita por ele, há nitidamente uma relação desta alegoria com a educação nas escolas a qual o documentário visa mostrar alternativas, mas a animação pára justamente no momento que um estudante volta para a caverna para compartilhar o que sabe, mas não mostra o que acontece depois. Na ânsia pela liberdade pelo conhecimento, de mostrar a saída da caverna, o encontro com a luz, a verdade, a vida, esquece-se, pois, que a saída da caverna implica o retorno à ela, o compartilhamento do que viu, aprendeu, mas, principalmente, como, justamente neste momento, tudo que foi aprendido fora da caverna de nada adianta se aqueles que estão dentro dela não acreditam que o que foi visto é a realidade valorizando mais o que aprendem com as sombras, ao ponto de, se puderem, matar aquele que os tenta livrar deste tipo de pensamento, como supõe Platão nesta passagem e como de fato acontece com Sócrates.
O final da Alegoria da Caverna de Platão sempre foi emblemática para mim e sempre me demonstrou, mais do que a difícil tarefa de ser filósofo, também a difícil tarefa de ser professor, algo que inevitavelmente sabia que ia ser, que devia ser. Um final que não acaba feliz como todos pensam em relação à educação como se ela, por si só, fosse algo bom, o bem para todos, quando, na verdade, não é, se as pessoas não as querem. Algo que a dedicação do documentário A educação proibida já de início põe como aviso: a todos as crianças e jovens que querem crescer em liberdade.
Mas querer crescer em liberdade ou ser livre, para muitos, parece fácil. Na verdade, desde criança, as crianças já pressupõem que são livres e podem fazer o que querem, que nada as pode impedir, pois elas choram, esperneiam, reclamam. Numa outra passagem filosófica, Kant retoma a Alegoria da Caverna de Platão em sua Resposta à pergunta: o que é esclarecimento? E, neste momento, racional e hipoteticamente, ele demonstra novamente toda o ser livre e querer que os outros sejam também livres por meio do conhecimento. Mas a liberdade já não é algo tão fácil assim de se conseguir como demostra Kant ao retomar justamente a passagem de Platão no fim, em que os homens recusam sair da caverna, mas a caverna agora já não é mais uma prisão, posto que ela é natureza, e os homens não estão mais acorrentados e, sim, "livres", pelo menos naquilo que eles acreditam que é a liberdade, posto que é apenas um preconceito, demonstrando Kant a dificuldade de se livrar de preconceitos quando estes são também criados por professores.
As palavras duras de Kant podem ser grosseiras e mesmo ofender quem as lê acreditando que a realidade é diferente do que ele pensa, mas o final é o mais importante, sempre.
Apesar disto, Kant também acredita como Platão que algumas pessoas conseguem se libertar da liberdade da natureza, caso elas queiram, caso os professores deixem. Mas, no final, retoma o pessimismo platônico, inevitavelmente, quando diz que os professores chamados de tutores agora Esclarecidos resolvem promover o esclarecimento do "público", este já está tão cheio de preconceitos que não quer isto e o forçará a ser um professor menor como antes, um professor que não procura esclarecê-los, mas embrutecê-los, como diz Kant e conclui: "O que prova a que ponto é nocivo inculcar preconceitos, pois eles acabam vingando-se de seus autores ou dos predecessores destes."
Nestas duas passagens, vê-se como é difícil a tarefa de ser professor, pois se está em seu poder conhecer e é sempre possível isto não está em seu poder fazer os estudantes conhecerem. Pelo contrário, como demonstram Platão e Kant, os estudantes sabem melhor do que ele o que é a realidade e não aceitam o que ele diz, recusam mesmo a "saber" e "entender" o que ele diz. Mais ainda, tudo aquilo que ele aprendeu não é útil, não serve para nada, e mesmo o trabalho mais doméstico é mais importante do que ele faz. Todos reconhecem o valor de um trabalho doméstico, mas ninguém conhece o valor do trabalho de um professor.
Que a educação é um problema no Brasil, todos se arvoram a dizer, a reclamar para se ter mais educação. Contudo, como se pode perceber nitidamente nestas passagens, não é isto que professores como eu encontramos na realidade. Na realidade, o que encontramos é professores que são constantemente compelidos a não educarem, desanimados mesmo por estudantes e pela sociedade que resiste em se educar, que prefere manter seus preconceitos quanto ao saber, dizendo que ele de nada vale e pode-se ser rico, famoso, empresário ou qualquer outra forma de se obter riqueza ou poder sem conhecimento.
A escola sempre foi e sempre será um lugar de liberdade, por mais amarras que ela possa ter com regras obtusas, pois, os seres humanos têm esta capacidade inata de pensar, mesmo que lhe ponham viseiras a todo instante fazendo-os olhar somente para uma realidade dos fatos sem querer ver os outros, vendo na escola, portanto, uma prisão. Mas a liberdade que a escola representa é a mais difícil de todas, pois ela implica que se deixe de lado tudo o que se pensa que é a realidade para aprender aquilo que os professores já aprenderam e que não é nada simples. Nem mesmo a definição de um quadrado, esta figura tão comum da geometria.
Se a tarefa de ser professor é a de todos mais difícil é senão porque há uma profunda resistência ao conhecimento entre as pessoas, a abandonar aquilo que acreditam ser a verdade para ouvir outras verdades que podem ser muito bem totalmente contra o que pensam. Por isto a recusa que nunca será simplesmente por birra ou por ânsia de conflito, mas por não querer saber o que o outro quer ensinar a elas e que é diferente do que pensam. Como também pode ser totalmente diferente do que o professor pensa o ensinar, o que, para isto, Platão e Kant já advertem com maestria e, por mais que tentem, devem saber desde o início o quão difícil é ensinar quem não quer ser livre ou se libertar de seus "preconceitos" que são, enfim, ideias que as pessoas já tem da realidade e não querem saber de outras, ideologias cuja pior é a do não-saber niilista, de que o conhecimento não vale nada, incluindo o do professor.
Donde, por fim, um estranho pensamento: qualquer pessoa que nunca tenha estudado ou entrado numa sala de aula, ou pensado sobre tudo isto, pode chegar e dizer o que é ser professor e saber mais sobre isto do que ele, inclusive, os próprios estudantes na mais tenra idade, pois de nada vale o conhecimento para eles, apenas o que já sabem. Mas ainda resta o final do filme A língua das mariposas para nos fazer acreditar, apesar de tudo, no oposto disto.
Uma passagem histórica no que diz respeito ao conhecimento é a alegoria da caverna de Platão que muitos lembram com veneração e a utilizam, por vezes, para mostrar como as pessoas podem ser livres a partir do conhecimento da realidade deixando de lado as "aparências" desta. Mais recentemente, no documentário A educação proibida (aqui), de 2012, foi feita uma animação dela, a melhor que vi até o momento, mas todos, ou quase todos, quando falam desta maravilhosa passagem de Platão não vão ao final da história, assim como neste documentário. Na animação da Alegoria da Caverna feita por ele, há nitidamente uma relação desta alegoria com a educação nas escolas a qual o documentário visa mostrar alternativas, mas a animação pára justamente no momento que um estudante volta para a caverna para compartilhar o que sabe, mas não mostra o que acontece depois. Na ânsia pela liberdade pelo conhecimento, de mostrar a saída da caverna, o encontro com a luz, a verdade, a vida, esquece-se, pois, que a saída da caverna implica o retorno à ela, o compartilhamento do que viu, aprendeu, mas, principalmente, como, justamente neste momento, tudo que foi aprendido fora da caverna de nada adianta se aqueles que estão dentro dela não acreditam que o que foi visto é a realidade valorizando mais o que aprendem com as sombras, ao ponto de, se puderem, matar aquele que os tenta livrar deste tipo de pensamento, como supõe Platão nesta passagem e como de fato acontece com Sócrates.
O final da Alegoria da Caverna de Platão sempre foi emblemática para mim e sempre me demonstrou, mais do que a difícil tarefa de ser filósofo, também a difícil tarefa de ser professor, algo que inevitavelmente sabia que ia ser, que devia ser. Um final que não acaba feliz como todos pensam em relação à educação como se ela, por si só, fosse algo bom, o bem para todos, quando, na verdade, não é, se as pessoas não as querem. Algo que a dedicação do documentário A educação proibida já de início põe como aviso: a todos as crianças e jovens que querem crescer em liberdade.
Mas querer crescer em liberdade ou ser livre, para muitos, parece fácil. Na verdade, desde criança, as crianças já pressupõem que são livres e podem fazer o que querem, que nada as pode impedir, pois elas choram, esperneiam, reclamam. Numa outra passagem filosófica, Kant retoma a Alegoria da Caverna de Platão em sua Resposta à pergunta: o que é esclarecimento? E, neste momento, racional e hipoteticamente, ele demonstra novamente toda o ser livre e querer que os outros sejam também livres por meio do conhecimento. Mas a liberdade já não é algo tão fácil assim de se conseguir como demostra Kant ao retomar justamente a passagem de Platão no fim, em que os homens recusam sair da caverna, mas a caverna agora já não é mais uma prisão, posto que ela é natureza, e os homens não estão mais acorrentados e, sim, "livres", pelo menos naquilo que eles acreditam que é a liberdade, posto que é apenas um preconceito, demonstrando Kant a dificuldade de se livrar de preconceitos quando estes são também criados por professores.
As palavras duras de Kant podem ser grosseiras e mesmo ofender quem as lê acreditando que a realidade é diferente do que ele pensa, mas o final é o mais importante, sempre.
A preguiça e a covardia são as causas pelas quais uma parte tão grande dos homens, libertos há muito pela natureza de toda tutela alheia (naturaliter majorennes), comprazem-se em permanecer por toda sua vida menores; e é por isso que é tão fácil a outros instituírem-se seus tutores (professores). É tão cômodo ser menor. Se possuo um livro que possui entendimento por mim, um diretor espiritual que possui consciência em meu lugar, um médico que decida acerca de meu regime,etc., não preciso eu mesmo esforçar-me. Não sou obrigado a refletir, se é suficiente pagar; outros se encarrega rão por mim da aborrecida tarefa. Que a maior parte da humanidade (e especialmente todo o belo sexo [as mulheres]) considere o passo a dar para ter acesso à maioridade como sendo não só penoso, como ainda perigoso, é ao que se aplicam esses tutores que tiveram a extrema bondade de encarregar-se de sua direção. Após ter começado a emburrecer seus animais domésticos e cuidadosamente impedir que essas criaturas tranqüilas sejam autorizadas a arriscar o menor passo sem o andador que as sustenta, mostram-lhes em seguida o perigo que as ameaça se tentam andar sozinhas.A saída da menoridade em Kant é, portanto, a saída da caverna de Platão. Uma saída que é bem diferente da imaginada por Platão, pois, para Kant, a "natureza" fez do homem livre e dificilmente eles querem abdicar disto quando são "menores", isto é, quando entendem que ser criança é o bom, pois podem fazer o que querem sem ser repreendidos, ou seja, serem livres de qualquer entendimento. Recusam mesmo a entender ou obter conhecimentos para fazer certas coisas, pois isto requer esforço, requer querer sair da menoridade, o que mesmo, às vezes, requerendo isto, Kant demonstra como professores, por vezes, estimulam que eles não façam, criando todo um preconceito quanto a sair da menoridade, sair da caverna, deixar a liberdade da natureza de lado.
Que um público, porém, esclareça-se a si mesmo, é ainda assim possível; é até, se lhe deixarem a liberdade, praticamente inevitável. Pois então sempre se encontrarão alguns homens pensando por si mesmos, incluindo os tutores oficiais da grande maioria, que, após terem eles mesmos rejeitado o jugo da minoridade, difundirão o espírito de uma apreciação razoável de seu próprio valor e a vocação de cada homem de pensar por si mesmo. O que há de especial nesse caso é que o público, que outrora eles haviam submetido, os forçará então a permanecer nesse estado, por pouco que eles sejam pressionados pelas iniciativas de alguns de seus tutores totalmente inaptos ao Esclarecimento. O que prova a que ponto é nocivo inculcar preconceitos, pois eles acabam vingando-se de seus autores ou dos predecessores destes. É por esse motivo que um público só pode aceder lentamente ao Esclarecimento. Uma revolução poderá talvez causar a queda do despotismo pessoal ou de uma opressão cúpida e ambiciosa, mas não estará jamais na origem de uma verdadeira reforma da maneira de pensar; novos preconceitos servirão, assim como os antigos, de rédeas ao maior número, incapaz de refletir. (Acessível em: http://www.uesb.br/eventos/emkant/texto_II.pdf)
Apesar disto, Kant também acredita como Platão que algumas pessoas conseguem se libertar da liberdade da natureza, caso elas queiram, caso os professores deixem. Mas, no final, retoma o pessimismo platônico, inevitavelmente, quando diz que os professores chamados de tutores agora Esclarecidos resolvem promover o esclarecimento do "público", este já está tão cheio de preconceitos que não quer isto e o forçará a ser um professor menor como antes, um professor que não procura esclarecê-los, mas embrutecê-los, como diz Kant e conclui: "O que prova a que ponto é nocivo inculcar preconceitos, pois eles acabam vingando-se de seus autores ou dos predecessores destes."
Nestas duas passagens, vê-se como é difícil a tarefa de ser professor, pois se está em seu poder conhecer e é sempre possível isto não está em seu poder fazer os estudantes conhecerem. Pelo contrário, como demonstram Platão e Kant, os estudantes sabem melhor do que ele o que é a realidade e não aceitam o que ele diz, recusam mesmo a "saber" e "entender" o que ele diz. Mais ainda, tudo aquilo que ele aprendeu não é útil, não serve para nada, e mesmo o trabalho mais doméstico é mais importante do que ele faz. Todos reconhecem o valor de um trabalho doméstico, mas ninguém conhece o valor do trabalho de um professor.
Que a educação é um problema no Brasil, todos se arvoram a dizer, a reclamar para se ter mais educação. Contudo, como se pode perceber nitidamente nestas passagens, não é isto que professores como eu encontramos na realidade. Na realidade, o que encontramos é professores que são constantemente compelidos a não educarem, desanimados mesmo por estudantes e pela sociedade que resiste em se educar, que prefere manter seus preconceitos quanto ao saber, dizendo que ele de nada vale e pode-se ser rico, famoso, empresário ou qualquer outra forma de se obter riqueza ou poder sem conhecimento.
A escola sempre foi e sempre será um lugar de liberdade, por mais amarras que ela possa ter com regras obtusas, pois, os seres humanos têm esta capacidade inata de pensar, mesmo que lhe ponham viseiras a todo instante fazendo-os olhar somente para uma realidade dos fatos sem querer ver os outros, vendo na escola, portanto, uma prisão. Mas a liberdade que a escola representa é a mais difícil de todas, pois ela implica que se deixe de lado tudo o que se pensa que é a realidade para aprender aquilo que os professores já aprenderam e que não é nada simples. Nem mesmo a definição de um quadrado, esta figura tão comum da geometria.
Se a tarefa de ser professor é a de todos mais difícil é senão porque há uma profunda resistência ao conhecimento entre as pessoas, a abandonar aquilo que acreditam ser a verdade para ouvir outras verdades que podem ser muito bem totalmente contra o que pensam. Por isto a recusa que nunca será simplesmente por birra ou por ânsia de conflito, mas por não querer saber o que o outro quer ensinar a elas e que é diferente do que pensam. Como também pode ser totalmente diferente do que o professor pensa o ensinar, o que, para isto, Platão e Kant já advertem com maestria e, por mais que tentem, devem saber desde o início o quão difícil é ensinar quem não quer ser livre ou se libertar de seus "preconceitos" que são, enfim, ideias que as pessoas já tem da realidade e não querem saber de outras, ideologias cuja pior é a do não-saber niilista, de que o conhecimento não vale nada, incluindo o do professor.
Donde, por fim, um estranho pensamento: qualquer pessoa que nunca tenha estudado ou entrado numa sala de aula, ou pensado sobre tudo isto, pode chegar e dizer o que é ser professor e saber mais sobre isto do que ele, inclusive, os próprios estudantes na mais tenra idade, pois de nada vale o conhecimento para eles, apenas o que já sabem. Mas ainda resta o final do filme A língua das mariposas para nos fazer acreditar, apesar de tudo, no oposto disto.
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