A sexualidade juvenil

Quando Freud escreveu que as crianças já manifestavam uma sexualidade, ele chocou o mundo, mas o que ele escreveu sobre isto choca menos do que fatos como o do estupro coletivo que jovens de Tocantins promoveram contra crianças dentro de um ônibus coletivo escolar. (Veja aqui) A revolta é inerente à leitura de casos como estes tanto quanto deve ter sido quando as pessoas leram Freud pela primeira vez associar o sexo à mais tenra idade, vista por muitas como angelical, portanto, assexual. Passado já tanto tempo, é difícil esquecer Freud, seja porque o sexo se tornou senso comum entre muitos, mas, principalmente, porque ele ainda é algo com o qual não se consegue lidar.

Há mais de 2500 anos, Hesíodo escreveu sublimemente que Eros, um dos deuses primordiais, é "solta-membros dos Deuses todos e dos homens todos/ ele doma no peito o espírito e a prudente vontade." (Hesíodo, 1992, p. 111, vv. 121-22) ". Uma descrição que esclarece como à sua época, o sexo já era um problema ao ser humano e aos Deuses, e que ainda permanece mesmo depois que dele Freud nos tornou mais "esclarecido", não mais poderosos em relação a ele em sua forma "inconsciente". Isto porque não importa o quanto somos esclarecidos quanto a ele, ele nos doma no peito o espírito e a prudente vontade, nós, adultos, que dirá, as crianças.

Uma das características de ser adulto, porém, é saber lidar com a sexualidade, algo que aprendemos na maioria das vezes sozinho. Uma sexualidade que perpassa o corpo constantemente nos levando a tomar decisões nem sempre "conscientes" em sua plenitude. E que, muitas vezes, leva a atitudes impensadas em qualquer idade, mas que quando estas atitudes são contra crianças, não apenas as tira à fórceps de um mundo infantil como as tira totalmente de um mundo adulto, fazendo-as navegar num limbo entre a vida adulta que nunca terão do mesmo modo que outros e a infância que já não mais terão a partir de então.

Quando Freud se referiu à sexualidade das crianças, as crianças não perderam sua inocência. Pelo contrário, percebemos como nós éramos inocentes como elas em relação ao sexo e não sabíamos como lidar com ele, mesmo depois de adultos. Pois ainda buscávamos uma relação com o sexualidade de modo infantil, sem ter em mente as consequências dele, principalmente em relação às crianças.

Diante desta infantilidade em relação ao sexo, vimos como banal a sexualidade se manifestar na adolescência cada vez mais cedo, indo contra ela com palavras de ordem para que não se manifestasse quando ela já era por demais presente. Vimos adolescentes engravidar e louvar isto como uma graça divina mais do que como um problema sexual. Vimos crianças se vestirem sedutoramente como adultas e nos vangloriamos de sua beleza. Ouvimos cantarem e dançarem a sexualidade em nossos olhos e gostamos disto, como se isto não fosse nada a não ser palavras e gestos vazios de uma criança que não sabe o que faz ou fala. Assistimos impávidos a vitória do liberalismo sexual nas crianças e adolescentes como a nova era de Aquários em todo o seu misticismo quando era a mais cínica representação de um mundo à beira de um colapso, pois não era uma liberdade sexual que avançava, mas a mais pura deturpação dela por uma sexualidade doentia que vemos se manifestar cada vez mais jovial.

Após a revolução sexual de 1968, o que vimos surgir no mundo afora não foi uma liberdade sexual, mas uma perversão sexual cada vez mais pungente que domina todas as esferas sociais e idades nas quais as pessoas não veem na sexualidade uma relação com o outro, mas uma forma de dominação do outro de modos cada vez mais brutais. O que os jovens de Tocantins fizeram é mais um caso de como a sexualidade atualmente é vista como uma forma de dominar cada vez mais as mulheres num mundo que é sobretudo hostil a elas e que, sim, são o sexo frágil, não importa que ideologias utilizem para mascarar isto, pois o mundo dá provas constantemente disto, principalmente em tempos de crise e não importa a idade delas.

Dizer que a mulher é o sexo frágil, em nada as denigre, mas nos alerta para sua condição cada vez mais precária numa sociedade hipersexualizada. São elas que sofrem constantemente a perversão sexual atualmente em curso na qual as crianças são as mais pervertidas ao serem inseridas num mundo sexual que elas não conhecem e não dominam mesmo que ajam em conformidade com ele. Seus atos são tão infantis como antes, mas, agora, são brutais tanto quanto eram angelicais.

Não podemos fechar novamente os olhos como fazem os conservadores e taxar simplesmente os atores deste ato brutal como "adultos mirins" e querer puni-los sem perceber o quanto forçamos as crianças a serem adultas o mais cedo possível em atos, decisões e, principalmente, sexualidade, pois esta não controlável absolutamente. Pelo contrário, ela que estabelece seu domínio, principalmente naqueles que pensam que são adultos e não sabem nem o que isto quer dizer. É preciso olhar de frente a sexualidade como Freud fez e não banalizarmos isto como se tem feito, pois as consequências têm sido nefastas para crianças e adultos, principalmente mulheres, que têm sido cada vez mais traumatizadas por conta disto.

O liberalismo sexual não pode ser visto como uma forma de manifestação da liberdade, pois não há liberdade em relação a Eros solta-membros, que a todos domina no peito. A sexualidade não é a manifestação de nossa liberdade, mas a perda dela na medida em que ela é fonte de poder e de domínio sobre o outro e não uma relação com ele em nossa sociedade cada vez mais brutalizante do ser a nos volver ao tempo mítico evolutivo das cavernas ou ao estado de natureza hipotético hobbesiano que nunca se referiu ao passado, como muitos pensam ou ele mesmo pensava, mas se referia ao futuro, aquele que não se quer que exista e se tornara senão o motivo do contrato social entre os homens em seu tempo, como deve ser novamente o motivo do nosso atualmente, pelo menos daqueles que não querem ver mais casos como o de Tocantins acontecerem nem serem omissos a eles num conservadorismo atroz que pede para não falarmos sobre sexualidade, reprimindo sua expressão e, mais ainda, contribuindo para sua perversão.

É preciso falarmos sobre sexualidade, a das crianças, dos jovens e dos adultos, pois ainda vivemos como se Freud nunca tivesse existido quando tudo que vemos é a perversão do que ele nos tentou ensinar, a sexualidade infantil, a mais infantil de todas, aquela que não vemos transparecer nos atos, a não ser quando são violentos como estes.

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