O desafio de ler um jornal impresso
Num primeiro momento, nada de mais. Já fiz isto, há muito, muito tempo atrás numa galáxia distante. Primeiro passo: olhar na primeira página o que há de bom para ler. O layout ajuda um pouco, imagens também. Nada muito óbvio, porém. É preciso procurar um pouco, entender a lógica de textos e imagens. Detalhe, não há links. É preciso catar a seção que tem aquela reportagem no miolo do jornal no meio de todas as outras seções. Achada a seção, procurar o número da página na parte de cima. Acabo de me lembrar que as seções se chamam cadernos, pelo menos que seja isto. Achado o caderno, a página, ora de ler a reportagem. Nada interessante, mais do mesmo. Para não perder a viagem, olho ao redor. Nada muito interessante também.
Segundo momento. Fazer todo o primeiro momento de novo, mas como muito mais paciência, pois se deve saber que será assim a cada vez. Mas agora, uma agravante, como percebi logo. As folhas foram se avolumando desorganizadas e, aos poucos, os cadernos foram se tornando folhas soltas, perdidas entre outras, as quais eu me preocupava mais em organizar do que ler. E o que é pior, o vento na área onde me deitava não ajudava muito, e, entre uma palavra e outra lida, uma pausa para desdobrar o jornal, uma paciência perdida entre a linha mal lida.
Moral da história. Espero ficar velho para poder vencer o desafio de ler um jornal impresso ou continuar sem ter que os ler até lá. Se as folhas em branco para escrever não deixaram ainda de me satisfazer com o seu brilho e o manuseio da caneta ainda me fascina, mesmo que não tanto, a leitura de jornais impressos não pertence mais a este tempo, cujos momentos, mesmo os mais sonolentos, não permitem este prazer inóspito de outros tempos, como o folhear a esmo um jornal esperando a notÃcia chegar aos olhos, vencidos todos os desafios mencionados.
A diferença entre os meios não é, porém, a facilidade entre um e outro, mas o fato de que a praticidade sempre implica em uma melhoria a qual não dificilmente recusamos. Somos por demais modernos para admitir que algo mais trabalhoso seja melhor. As máquinas nos acostumaram a fazer do trabalho e do lazer algo não penoso, sem muitos contratempos. Ansiamos pelo trabalho e pelo prazer rápido com o qual as máquinas nos acostumaram.
Por fim, resolvi escrever esta aventura. Em poucos cliques ela está pronta e publicada e também esquecida como o jornal que peguei para ler, pois, apesar de importante, as palavras tendem ao esquecimento, como tudo, e a tecnologia apenas nos ajuda a fazê-las permanecer por um tempo maior do que teriam de outro modo. Mas o problema não é esquecê-las, mas não as fazer presente. Quanto tempo eu levaria para publicar este texto de forma impressa? Como o distribuiria? Quem se interessaria? Teria público para comprá-lo? Querer lê-lo mesmo que eu desse gratuitamente?
A tecnoética por trás destas questões colocam um problema que é inevitável se pensar: a tecnologia nos coloca diante de decisões que devemos avaliar não apenas com a nostalgia do antes, mas a partir do inevitabilidade do depois, isto é, de que não há como voltar atrás.
Nenhum comentário: