Curtiu?

Duas coisas fizeram do facebook ser a maior rede social na Internet: o botão de definição de Status de relacionamento, como foi muito bem demonstrado no filme A rede social, e o botão de Curtir. Este que não é mostrado no filme, pois não foi criado por Mark Zuckerberg, mas por Aaron Sittig, seu engenheiro. Apesar de que o grupo holandês Rembrandt alega que o botão tenha sido pirateado, como tudo no Vale do Silício, do designer holandês Van Der Meer em 1998, que o teria criado para seu diário social chamado de Surfbook, cujos direitos e patentes o grupo detém.

Poderia ser citado aqui, obviamente, que o facebook não seria o que é se não fossem vários outros aspectos, mas estes dois botões definem não simplesmente o que ele é, mas o que ele se tornou, isto é, o seu devir. Mais ainda, eles definem como o facebook percebeu em sua época aquilo que a Internet é desde que foi criada e que muitos estão percebendo somente agora, para o bem e para o mal. Isto é, que a Internet foi criada como uma rede social de cientistas para compartilharem os dados de seus computadores e que, atualmente, é uma rede social por meio da qual se compartilha tudo que se quer com quem se quer, independente de se conhecer ou não com quem compartilha o que se quer.

A Internet, propriamente falando, é uma rede de compartilhamento de dados, seja eles quais forem, da qual todos que tiverem meios para a acessarem podem se apropriar dela para compartilhar algo. Os cientistas foram os primeiros a fazerem isto, mas na medida em que as pessoas foram tendo acesso a esta possibilidade de compartilhar dados que somente os cientistas tinham, ela se tornou pouco a pouco loteada em blogs, sites e redes sociais com dados diversos sendo compartilhados, alguns destes lotes privados ao acesso, cuja liberação somente é possível por meio de pagamento. O que este último aspecto caracteriza a inserção do capitalista na era da Internet, ao perceber, como o economista David Ricardo percebera em relação aos lotes de terra, que cada lote da Internet poderia ser administrado de forma a se obter lucro com ele, requerendo apenas um pouco de investimento e trabalho, as duas faces do capitalismo. O primeiro ao qual se dispõe o capitalista propriamente dito investindo seu dinheiro e o segundo, ao qual se dispõe aquele que quer trabalhar para ele.

De rede de compartilhamento de dados científicos sem nenhum apreço para o grande público, a Internet passou a ser desde 1990, um rede de compartilhamento propriamente social, isto é, uma rede na qual se pudesse compartilhar tudo, principalmente em troca de lucros, e hoje qualquer pessoa pode criar uma loja virtual com poucos cliques sem ter produto algum. Em outras palavras, qualquer um pode se tornar capitalista com um computador apenas como meio de produção. Algo que o Vale do Silício imortalizou com o surgimento da Microsoft e da Apple, as maiores indústrias da computação na era pré-Internet, e que o(a) Google e o facebook eternizaram de vez na mente de todos aqueles que querem fazer de um computador e uma boa ideia milhões de dólares na era da Internet.

Das primeiras grandes indústrias da computação da era pré-Internet às maiores indústrias da era Internet, o que se compartilha não são mais dados brutos simplesmente, são afecções, isto é, o que o compartilhamento de dados produz em cada ser humano, em seu corpo e em sua alma, como diria o filósofo Espinoza. Se a Internet como seus cientistas criadores pensaram deve ser pública segundo o ideal moderno da ciência do qual ela é a maior expressão, posto que os dados científicos devem servir ao público, para o progresso e bem da humanidade, dir-se-ia, hoje em dia, com sua publicidade, que ela é, porém, cada vez mais privada na medida em que os dados não se restringem a informações sobre a natureza de um modo geral, mas a informações sobre as pessoas, sobre o que elas são em sua natureza humana individual e íntima. O que, neste aspecto, a querela entre Rousseau e Hobbes se a natureza humana é boa ou má respectivamente, ganha hoje contornos trágicos e cômicos dependendo do que se vê nas linhas do tempo de cada blog, site ou rede social da Internet.

Daquela pequena sociedade de cientistas que tentavam "conversar" e passar informações e dados por meio de seus computadores em "rede" sobre o que estavam estudando ou fazendo, passou-se, então, a esta conversa generalizada sobre tudo e qualquer tipo de informação entre quaisquer pessoas, amigas e inimigas, por meio de microcomputadores (tablets, smartphones e watchphones, estes conceitos indecidíveis da era da Internet). E, por meio disto, não apenas computadores passaram a ser afectados por outros por meio de cabos eletrônicos com uma informação ou dado sendo transmitida a outro, mas também as pessoas passaram a ser afectadas com a transmutação das informações e dados em valores produzindo afecções não apenas corporais, mas incorporais como as que a Internet produz atualmente. Neste sentido, se há uma transmissão de dados e informações de um ponto de vista corporal entre computadores e seres, há também uma transmutação destes dados de modo incorporal enquanto valores, ambos afecções ou mudanças no corpo e na alma do ser humano, para melhor ou para pior, para o bem ou para o mal, a alegria ou a tristeza, dependendo de como ele é afectado, para nos remetermos novamente a Espinoza.

Ninguém traduziu melhor, por sua vez, a possibilidade desta transmutação de dados e informações transmitidas entre computadores em valores entre os seres humanos do que o facebook com seus botões de Status de relacionamento e de Curtir ("Like", em inglês). Ninguém, antes dele, mesmo que tenha criado o botão, percebera a importância que isto poderia ter na Internet ao ponto de tudo atualmente nela ser dado e informação que se transforma em valores, sejam quais forem estes valores (sociais, políticos, econômicos, religiosos, míticos, históricos). Por sua vez, mesmo que o botão de Curtir tenha sido criado por outro, ele não tem a mesma função que tem no facebook, posto que ele advém já da proposta dele de fazer as pessoas compartilharem o que estão sentindo, isto é, o que está lhes afectando naquele momento, algo que os irmãos Cameron Winklevoss e Tyler Winklevoss e Divya Narendra não conseguiram perceber alegando que o facebook tinha lhes roubado um "código fonte" de um rede social que eles tinham criado. Isto porque, independente disto ter acontecido ou não, o que o Zuckerberg conseguiu foi perceber que o que ele queria era fazer as pessoas compartilharem seus afectos como ele queria, pelo menos no filme, e não sabia como, algo que o botão de Status de relacionamento foi o ponta pé inicial, mas o botão Curtir foi o gol que ele conseguiu ao fazer da transmissão de dados e informações, isto é, de uma ação, uma causalidade entre corpos em sua força num contato ou clique, uma transmutação de valores numa reação ou afecção a qual ninguém consegue mais evitar diante do que há na Internet.

O que, neste sentido, ele fez dos seres humanos em sua existência deixarem de questionar primordialmente se existe ou não existe, mas se curtem ou não curtem o que há na Internet, cada curtida definindo neste sentido a existência deles para o bem e para o mal. E aí, curtiu?

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