A prova da vida
Lembro muitas vezes em momentos de solidão adolescente de sentar numa determinado lugar e me pôr à prova. O objetivo: acertar uma pedra em outra que estava numa determinada distância. A esmo, pegava uma pedra e definia também a esmo qual pedra ia acertar. Era um passatempo ridÃculo, talvez se pense, mas aprendi muito atirando pedras umas nas outras. Aprendia que a cada lançamento deveria me concentrar mais e mais em meu objetivo e que, por mais que conseguisse alcançá-lo na primeira pedrada, ele não estaria terminado. A próxima pedra a ser lançada não necessariamente iria ser tão certeira quando a anterior, algo inesperado poderia acontecer: o aprumo do braço, a dimensão, o peso e a forma da pedra, a velocidade com que lançava, a trajetória que a pedra fazia e o giro dela em torno de si mesma variando de um lado a outro em direção à outra pedra, tudo poderia contribuir para não conseguir o meu objetivo. Muitas variáveis que qualquer cientista sem ter muito o que fazer poderia analisar e que não me importava nem um pouco naqueles momentos. Era apenas eu, as pedras a serem lançadas e as pedras a serem atingidas, algumas mais distantes do que outras, pois impunha-me dificuldades maiores a cada vez para testar minha habilidade de lançar pedras para passar o tempo.
Nem todo momento eu me dispunha a fazer isto obviamente. Nem todo momento estamos dispostos a nos por à prova. Muitas vezes, sentimo-nos mesmos incapazes diante de muitas provas que a vida nos coloca sem múltiplas escolhas ou com uma multiplicidade de escolhas que não sabemos qual é a melhor no fazendo ficar angustiados. Em cada escolha, porém, há uma prova também, pois as provas são momentos justamente em que nos colocamos em dilema, tendo que escolher o que vamos fazer em determinado momento, em relação a determinada questão, não importa se é uma questão escolar ou uma questão de vida ou morte, ou ainda, se uma questão escolar que é de vida ou morte para aquele que faz a prova, pois dela depende muitas outras coisas que quer conseguir, tem que conseguir, senão...
Talvez se pense, e muitos pensam assim, que eliminando as provas, todos serÃamos mais felizes em nossas vidas, que estudantes poderiam demonstrar mais o que sabem, que poderiam aprender com mais tranquilidade, que poderiam demonstrar melhores resultados em habilidades que não avaliadas por meio de provas. O que muitos esquecem é que a folha de papel é apenas uma folha de papel que representa não um conteúdo adquirido a ser demonstrado, mas uma vida a ser provada e que, independente da prova ser em papel ou não, cada pessoa vai ter que passar por uma avaliação única em algum momento e muitas vezes não poderá tentar de novo. E quando chegar o momento, cada um vai ter que escolher o que é o melhor para si ou para outro e vai ter que perceber que o que é melhor para si é também melhor para muitos outros que querem o mesmo que ela e que não há lugar para todos, nem mesmo no céu ou na terra quando se passar pela prova da vida.
Provar-se, colocar provas a si mesmo, é o que faço constantemente. Foi o que fiz recentemente quando resolvi fazer a prova de um concurso para professor universitário no qual passei, mas não consegui obter resultado suficiente para conseguir uma das duas vagas. Dentre 71 inscritos, fiquei em 8º. É inegável a tristeza quando não somos capazes de alcançar algum objetivo e mesmo a raiva por não consegui-lo. Basta fazer o teste com as pedras. Para mim, contudo, este concurso tinha um objetivo maior, provar a mim mesmo de que eu era capaz de estudar, de fazer aquilo que sempre fiz, mas no último ano não me sentia mais capaz de fazer, pois, por mais que amemos algo, não é difÃcil acontecerem momentos em que nos sentimos indispostos com aquilo que amamos e dúvidas imperem em nossa cabeça que nem mesmo a certeza cartesiana consegue dissipar. Amar saber, em outras palavras, filosofar, nem sempre é uma disposição e, muitas vezes, não deixa de ser uma provação, pois há sempre risco de nos perder quando nos aventuramos na filosofia.
Passado o concurso e no concurso, mesmo não obtendo a vaga, o que ficou para mim é a sensação de que consegui o que queria com ele, independente da vaga propriamente dita, pois queria demonstrar para mim mesmo que a filosofia ainda fazia parte da minha vida, que eu não precisaria abandoná-la prematuramente. Não fora fácil, pois a cada dia, a cada leitura que fazia era uma prova a mim mesmo que eu me colocava, se seria capaz de ler tudo que tinha que ler e compreender tudo que tinha que compreender, e foram muitas as leituras feitas para as provas do concurso, as únicas que valiam a vaga. A cada leitura que fazia, eu media minha própria capacidade de ir adiante, se conseguiria, como maratonista do saber, chegar à linha de chegada, à última prova do concurso, a qual, enfim, cheguei, e passei.
Uma lição que penso agora ter conseguido obter com tudo isto é: somente aqueles que não se provam são incapazes de conseguirem algo, pois aqueles que se provam sempre conseguem algo em alguma prova. Se não o primeiro lugar, pelo menos saberem do que são capazes e de ir além do que imaginavam que conseguiriam. O que disto me orgulho hoje ao ver que superei mais esta prova da vida.
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